(Com a colaboração fundamental de Flávio Souza e Edgard Freitas Cardoso)
A gente via os campeonatos brasileiros cheios de times e jogos. Nos anos 1970 houve exagero, com quase 100 clubes. Nos 1980 passou para 40. Todo mundo reclamava do calendário, do excesso de jogos, que só devia ter partidas no final de semana. De toda forma, o esporte era uma paixão popular que dominava nosso país continental, com estádios abarrotados.
Veio a TV. As cotas. Numa grande costura, na virada de 1987 veio a Copa União. Todos os problemas do nosso futebol estavam resolvidos: criou-se uma divisão de elite, cópia do então Campeonato Italiano, para dominar a atenção do país inteiro. O resto já não importava. Ao mesmo tempo, começou timidamente um lote de movimentos para que os estádios tivessem menos gente, compensada por ingressos majorados – luta encampada pelo então diretor de futebol da CBF, Eurico Miranda.
Se a Copa União deu folga no calendário, por outro lado nasceu a interessante Copa do Brasil. No Continente, a Supercopa dos Campeões da Libertadores e a Copa Conmebol. A folga, claro, foi para o espaço.
Pouca gente percebeu que ali poderíamos ter embarcado numa verdadeira canoa furada. Não por causa das novas competições, que fique claro.
Com a elitização do futebol brasileiro, clubes importantes do cenário nacional foram jogados aos tubarões e nunca mais retornaram à órbita original. Podemos falar do Pará, da Bahia, de Pernambuco, cujos principais times passaram ao comportamento de gangorra nas séries, ou mesmo nunca mais voltando à tona. Estados como Mato Grosso do Sul e Amazonas, que tinham cenários locais disputados, naufragaram. E mesmo nos Estados onde prevaleciam os grandes clubes brasileiros, os campeonatos locais foram esvaziados e as equipes de menor investimento despencaram. O resultado foi nefasto, porque afetou diretamente a formação em larga escala de jogadores talentosos – e não é à toa que desde 2002 os fora de série desapareceram do futebol brasileiro.
Mais tarde, outros movimentos como a espanholização provocada pela desigualdade nas cotas de TV afetaram a própria Série A.
Hoje, o calendário continua extremamente apertado. Nada mudou nesse sentido. As competições se amontoam, os clubes abandonam as campanhas para focar em uma única. As dívidas se acumulam. E curiosamente, um dos xodós dos torcedores brasileiros é a Copa Libertadores, que tem um formato de grupos e mata-mata que lembra os antigos certames brasileiros.
Durante a semana, à tarde, em qualquer boteco que tenha um aparelho de televisão, torcedores acompanham atentos os jogos da Champions League, também no mesmo formato dos Brasileiros de outrora.
Pensemos no America, no Bangu, na Portuguesa de Desportos, em Guarani e Ponte Preta, em Operário de Campo Grande e Comercial, no Nacional de Manaus e no Rio Negro. Em Sport, Náutico e principalmente o Santa Cruz. Em Tempo, Paysandu e Tuna Luso. No Paraná Clube e até mesmo no Coritiba. No Juventude. No Vitória.
O sonho da Copa União pode ter gerado muitas fortunas pessoais, mas para a maioria dos jogadores e dos clubes brasileiros, parece ter sido uma grande ilusão.