Bic, cartolina e futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Saí do trabalho, passei pelas ruas tristes que só tinham algum alento por que os flamengos estão nas calçadas – eles já comemoram! -, e resolvi passar na pequena papelaria da rua dos Inválidos para comprar uma caneta Bic.

Volta e meia faço isso. Minhas canetas somem. E também porque papelaria é um dos melhores lugares do mundo: olhe para a cartolina, a cola e logo você estará de volta ao melhor de todos os mundos – a infância.

A Bic traz de volta meu pai, que tinha uma letra bem bonita, trabalhada, e estava sempre anotando coisas, de lista de compras a tarefas do dia. Traz a mim mesmo, sonhando em passar no vestibular e estudar na UERJ – fui pra lá por amor, eu a queria desde garoto. Às vezes no corredor do estádio, olhava para o pavilhão e dizia “Um dia eu vou estudar ali”. Acabei indo.

Há 44 anos, eu comprava uma cartolina para desenhar meu estádio de futebol de botão. Ainda não tinha um Estrelão. Meu time do Fluminense tinha Wendell ou Renato, Miranda, Edinho, Rubens Galaxe, Doval, Rivellino, Paulo Emílio, Sebastião Araújo. Botões Gulliver lindos, verdes, com o escudinho do Flu pintado em fundo amarelo.

Daqui a pouco vai ter decisão no Maracanã, o mundo todo vai olhar para lá. Em condições normais eu estaria na velha arquibancada de concreto, mas quem comanda o meu time não deixou, se é que me entendem. Vida que segue.

Saio da papelaria, penso na escola que foi derrubada, nos professores todos mortos, nos colegas que nunca mais vi. Há uma longa caminhada daqueles dias até aqui. Muito longa, tão longa que o Maracanã teria 150 mil pessoas mas vai se consolar com 60 mil – e o povão, aquele povão que eu encarei de frente em Fla-Flus inesquecíveis, agora se esconde em casa ou espia a TV em biroscas para acompanhar seu time. É tudo muito diferente dos tempos dos botões verdes.

Nessa terra tão triste e devastada, que convida ao suicídio, o futebol é importante demais. Quanta gente tem no futebol sua única distração e alegria? Pode ser TV ou rádio, pode ser pelo celular, todo mundo está acompanhando o jogo.

Agora é jantar uma macarronada, deixar de lado o desespero das eleições, não pensar nas dívidas asfixiantes, descansar um pouco e ver o jogo. Claro. Adoro futebol e sempre tenho lado. Não confio em gente que não tem lado em futebol, que só não é pior do que o Zé Ovo dizendo “Não acompanho nada que não tenha o meu time” – não passa num detector de mentiras, coitado.

Nem sei se está tendo confusão no Maracanã agora, e é possível que sim, mas do nada me bateu saudade daquele estádio com cento e tantas mil pessoas, onde eu era um garotinho encantado com as bandeiras, o pó de arroz, o placar de maravilhosas lâmpadas e um monte de craques em campo. Aquilo era extremamente mágico e, se escrevi milhares de páginas sobre futebol, foi por causa da infância inesquecível.

Vou jantar. Que seja uma rara noite de paz nessa terra. Que seja uma noite de diversão para muita gente, sem ódio, sem a cólera doentia que alguns insistem em mostrar nessas ocasiões.

O anfitrião tem a faca, o queijo e o resto na mão para ser campeão no Maracanã – e, por isso mesmo, como ensina a história dos visitantes no campo imortal, tá bem arriscado da Fiel urrar num delírio. Eu vou de 13! Secar é uma das coisas mais divertidas do futebol.

Vai, Corinthians!

@pauloandel

Lançamento do livro “Andarahy Eterno” (da Redação)

Neste sábado (8), o escritor Kleber Monteiro lançou seu segundo livro, “Andarahy Eterno”, que conta a trajetória completa do mais importante dos times cariocas extintos do futebol carioca.

O evento aconteceu no Largo do Dondon, coração do Andaraí, e contou com a participação de dezenas de leitores que, além da obra literária, também adquiriram réplicas de camisas do majestoso clube alviverde.

“Andarahy Eterno” foi produzido pela Vilarejo Metaeditora e pode ser comprado com o próprio autor pelo WhatsApp 21 99791-5589, ou ainda no Sebo X (Instagram @seboxis).

SAF pode virar tendência no futebol brasileiro (por Robertinho Silva)

Depois de Botafogo, Cruzeiro e Vasco terem aderido o modelo da SAF, foi a vez do Bahia. O Tricolor da boa terra fechou recentemente uma parceria com o Grupo City, que tem como carro chefe o Manchester City da Inglaterra.

Outro que também sinalizou com a possibilidade de aderir o modelo da SAF, é o Atlético Mineiro. Porém, diferente da situação de outros clubes que passavam por turbulência financeira e falta de resultados esportivos, o Galo mineiro busca no clube empresa apenas uma parceria para se manter no topo. Apesar de a dívida do clube ultrapassar 1.2 Bi, o clube tem totais condições de equacionar.

O órgão colegiado composto pelos 4Rs (Rubens e Rafael Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães) trabalha para manter, no mínimo 40% das ações, pois assim, o Atlético (associação) ainda seguirá como dono único de seus patrimônios (clubes sociais, Arena MRV e Cidade do Galo) podendo até negociar fatias no futuro. Os mineiros chegaram a ter conversas com o Grupo City, com Fenway Sports Group e com presidente do PSG, que possui ligações com o governo do Catar, mas as tratativas não avançaram.

Nas grandes Ligas da Europa, é comum os clubes serem administrados por empresas ou fundos de investimento. No futebol espanhol, boa parte dos clubes formados por associações civis estavam em situação calamitosa, pois tinham dívidas com o governo significativas e refinanciamentos estatais desses débitos fracassados. A “Espanholização”, que tem como pilar a MP984 praticamente assassinou a indústria do futebol pelos gramados espanhóis, pois 75% dos direitos de transmissão eram concentrados na dupla Real e Barça.

Foi neste cenário que o Governo Espanhol resolveu intervir. Em 2015, foi aprovada a Lei que regulava as vendas dos direitos de transmissão do futebol. A intervenção estatal classificada como “urgente” definiu a venda centralizada dos direitos de transmissão semelhante ao modelo Premier League. Em paralelo a isso, os clubes foram obrigados a virar empresa, pois assim, permitiriam a compra de ações. Isso fez com que os clubes se tornassem uma máquina de arrecadação, diminuindo as disparidades, e tornando o mercado estável e competitivo.

O Mallorca por exemplo, é administrado pelo americano Robert Sarver, dono também do Phoenix Suns da NBA. O Ex armador da equipe, o canadense Steve Nash é um dos acionistas do Mallorca. Barcelona, Real Madrid, Osasuna e Athletic Bilbao ficaram fora da obrigatoriedade de virar empresa, pois possuem modelos associativos bem consolidados, no qual a participação no capital do clube fica nas mãos dos sócios, e não de uma só pessoa ou grupos de investimentos.

Na Inglaterra, o final da década de 80 e início de 90 foi marcado por trocas nas propriedades de clubes. Ao contrário do Brasil, os times já tinham donos, mas eram empresários locais. Quem chegou ao país foram milionários de outros países, especialmente dos EUA, onde já estava consolidada uma indústria lucrativa de outros esportes. A formação da Premier League foi impulsionada por um grupo de cinco clubes —Everton, Manchester United, Liverpool, Arsenal e Tottenham. Atraídos por eles, os clubes de primeira divisão romperam com a Football League, que controlava todos os campeonatos, para criar uma liga independente que centralizaria todos os direitos de TV, patrocínio etc.

O fato de empresários que visavam o lucro serem donos nos principais clubes foi essencial na busca por um novo modelo. Seu objetivo, como em qualquer indústria, era maximizar as receitas de sua empresa. Para isso, precisavam reformar como o futebol se organizava e como passaria a ser comercializado. Logo de cara, fizeram uma concorrência que aumentou significativamente as receitas de televisão. Não havia mais espaço para a politicagem.

No Campeonato Mexicano a MP 984 também deixou marcas profundas. Muitos clubes chegaram a decretar falência. O rebaixamento teve que ser suspenso por 6 temporadas. Foi neste cenário que muitas das equipes resolveram adotar o sistema de franquias, tão comum nos esportes americanos. De toda a elite do futebol local, apenas o Pumas não tem um dono e é constituído por uma associação civil.

A forte presença de empresas privadas fazem o campeonato ter mais de 180 jogadores estrangeiros, cerca do triplo do Campeonato Brasileiro. Atletas sul-americanos são a maioria. “Os mexicanos pagam em dólar e a mudança do câmbio nos países sul-americanos aumentou a atratividade”, explicou o empresário Marcelo Robalinho, que atua no mercado de transferências há mais de 20 anos. Do ponto de vista esportivo, a presença de estrangeiros também eleva o nível da competição. “Aqui, a maioria (dos jogadores) é convocado para as seleções de seus países. O futebol jogado aqui é muito rápido. Eu, particularmente, evoluí muito nesse quesito de jogar mais rápido. O Campeonato Brasileiro é um pouco mais lento. Aqui é mais rápido, jogam bastante com jogadores abertos, rápidos”, afirmou ao Estadão o volante Rafael Carioca, titular do Tigres.

No futebol italiano, a SAF do Milan comandada pelo grupo americano Elliot Management é o melhor case de sucesso. Os rossoneros se encontravam em uma dívida milionária de 200 milhões de euros quando o chinês Li Yonghong comprou o clube do então antigo dono Sílvio Berlusconi. Para piorar, ainda teve uma debandada dos investidores do clube.

Diante da pressão de salvar a instituição da falência, o fundo americano precisou fazer uma escolha; ou seguia os anseios da torcida por ver o Milan de volta as glórias ou equilibrava as contas. O clube rossonero optou por equilibrar as contas, o que mostra que não é só o dinheiro que irá resolver o problema dos clubes, mas sim, um conjunto de ações que levarão a eficiência. Um clube precisará gastar menos e arrecadar mais.

No futebol existem atalhos, mas são mais caros. Por isso eu digo que scouting é o principal caminho. Em mercados mais maduros, onde tem liga, como por exemplo a Premier League, a correlação entre salários e investimentos total, compensação, atletas, bônus, valores de transferência e resultados esportivos é altíssimo. Ou seja, a correlação é muito alta e isso torna o jogo muito competitivo e muito caro para brigar entre as três ou quatro posições. Por isso, o único jeito de mudar o jogo é através de scouting.”, afirmou o CEO Jorge Braga, fazendo uma referência ao sucesso desportivo do clube italiano.

Segundo Braga, o scouting não deve servir apenas para fazer contratações, mas principalmente conseguir um resultado esportivo desproporcional ao investimento que é feito dentro da folha salarial de atletas.

“É especialmente para desenvolvimento de performance e aumento de valor. Ter bons olhos e bons números para contratação é bom, mas o que ganha jogo é poder evoluir a performance individual e pontual e naturalmente expandir o valor dos direitos econômicos e dos jogadores. Isso faz muito a diferença”, completou.

A profissionalização do futebol, como aconteceu com o Milan, vai demandar uma enorme mudança cultural dos brasileiros. Encontrar o equilíbrio entre o fluxo de caixa e a paixão do torcedor não é uma tarefa simples. Os apaixonados não têm paciência para se comprometer com o médio e o longo prazo. Haverá a necessidade, de parte dos clubes, de muita habilidade para comunicar aos associados a estratégia e a sua viabilidade. Transparência e maturidade dos dirigentes, aqui, farão a diferença; ao mesmo tempo que contratos bem firmados com as SAFs, resultantes de negociações feitas à luz do sol”, projetou.

Acredito que as SAFs no Brasil terão dois papéis importantes; um é a questão da formação da Liga, fazer o futebol ter uma visão mais empresarial. O outro, é a profissionalização das gestões dos clubes, que em maioria ainda são perdulárias e amadoras. Os clubes nas mãos de investidores terão propensão a uma maior qualidade de administração.

A grande questão é como cada clube vai gerir os gastos, como farão pra ter equilíbrio entre a parte comercial e o sucesso esportivo.

Tivemos casos de clubes que aderiram ao modelo da SAF e decretaram falência. O Málaga da Espanha foi adquirido por um xeique que pouco tempo depois desistiu do negócio. O time foi rebaixado para segunda divisão e acumulou dívidas.

O Parma da Itália, que por muito tempo foi gerido e bancado pela Parmalat, decretou falência e por conta das dívidas deixadas precisou ser refundado com um novo nome e na última divisão do Futebol italiano.

Muita gente fala em Profissionalização da Gestão, mas será que estão dispostos a pagar o preço? Os cases de sucesso mostram que a consistência vence a conveniência.