Fogo, fogo, fogo! (por Paulo-Roberto Andel)

A gente vem de longe. De muito longe. Agora mesmo estou finalizando um livraço do Kleber que fala inevitavelmente dos Flu x Bota de 110 anos atrás.

Eu podia ter sido Botafogo. Sempre fui Fluminense, mas sempre tive simpatia pelo rival.

Fui completamente apaixonado por duas botafoguenses. Três. Não, uma só. Deixa pra lá.

Algumas das pessoas que mais admiro na vida são alvinegras.

Nunca escondi que um dos meus ídolos de texto – e tudo – é João Saldanha.

Numa noite, testemunhei quando boa parte do Brasil abraçou o Botafogo em 1989, e Maurício pôs fim ao jejum. Aquela foi uma noite fantástica. No dia seguinte, o Mourisco parecia Woodstock – eu vi.

Em 1979 tomamos um chocolate do Mendonça. Demos o troco em 1980 com um show do Adão. Ah, aquele Maracanã.

Neste momento, milhões de pessoas estão felizes. Algumas que adoro, outras que amei, outras que se foram mas estão aqui para sempre.

Quem tem dúvida de que Nilton Santos, Garrincha e Heleno de Freitas estão aí? E Mendonça? Quarentinha, Zagallo, o próprio Saldanha. Carvalho Leite. Basso. São muitos e muitos nomes. Beth Carvalho, Vinícius de Moraes.

Parabéns ao Botafogo, que se preparou para voltar ao seu cenário natal, que é o de protagonista.

Tantas e tantas pessoas emocionadas, o que é natural. Um título desse tamanho merece toda emoção. Todos sabemos.

Hoje é festa merecida na Guanabara. Muito merecida.

E como tem coisas que só acontecem ao Botafogo, o grande título vem do dia do aniversário da morte de Cartola, símbolo do Flu e do título carioca tricolor de 1980 – justamente quando a gente azucrinava eles.

Mas agora 30 de novembro é também um dia eterno para o clube cujo escudo não tem uma única letra, mas cuja imagem diz tudo. O velho e eterno rival, que nos ajudou a construir o que se transformou no futebol carioca.

Em 2025 no Estadual a chapa vai ferver quando a gente se encontrar. É o Clássico Vovô, agora das Américas. Que honra estar nessa.

Parabéns, Fogão. Fogões. Fogatas.

Paulo-Roberto Andel
Guanabara, 30/11/2024

Ídolo. Ídolo? (por Paulo-Roberto Andel)

Antigamente era outra coisa. Você tinha o craque e o ídolo, às vezes os dois se encontravam numa pessoa só. Se não acontecesse, tudo bem.

O craque era o craque, mostrava sua habilidade, a capacidade de resolver jogos difíceis, de realizar lances inesquecíveis. Ganhar títulos também, mas não necessariamente. É fácil lembrar de dois tremendos craques que foram ídolos do Botafogo e não foram campeões: simplesmente Heleno de Freitas e Mendonça.

O ídolo era o ídolo. Podia ser craque ou até não ser, mas precisava de qualidades especiais: liderança, garra, atitude, carisma, espírito de equipe, comportamento distinto. Muitas vezes o ídolo passava sua carreira toda num só clube. Agora, sendo craque e ídolo, era um foguete para o céu. Todos os clubes tiveram os seus.

Hoje em dia no Brasil, os jogadores ficam pouco tempo no clube, e quando voltam é para encerrar a carreira. Muitos são conhecidos dos torcedores pela TV, muitas vezes pela maioria de crianças e jovens, porque muitos campeonatos internacionais são disputados no fuso horário da tarde por aqui. E aí vem a confusão: o sujeito vira ídolo não necessariamente pelo que fez no clube, mas também em outros lugares.

Claro, não existe uma regra para se determinar quem é ídolo ou não. Cada um tem o seu e pronto. Basta respeitar a opinião do outro.

Na pequenina parte que me cabe, meus ídolos foram personagens da minha infância. Ainda tive um já adulto: Ézio. O artilheiro que certamente foi um dos jogadores mais dedicados e fidalgos que o Fluminense já teve em sua gigantesca galeria de ídolos. Antes dele? Ricardo Gomes, Assis, Edinho, a Máquina Tricolor toda. E Denílson, Telê, Waldo, Castilho, muitos nomes. Depois vieram grandes admirações e algumas decepções. É do jogo.

Os garotos de 2024 nem sempre têm ídolos que honram suas camisas com atitudes dignas. Alguns têm futebol, outros fazem gols, outros são polêmicos, outros criam confusão. Os tempos mudam, as visões também. Os grandes ídolos nem sempre são grandes pessoas. Talento com a bola não eleva o caráter de ninguém. Às vezes o sujeito é só uma celebridade talentosa. Para não se decepcionar, o melhor de sempre é checar quem é quem, dentro do possível. Mas ninguém precisa ficar chateado: dá pra curtir o time e as conquistas sem necessidade de ter um ídolo. No fim, o escudo sempre prevalece.

@p.r.andel

Tarde de bola (por Paulo-Roberto Andel)

SEXTA-FEIRA vadia, fria e meio silenciosa, então surge na TV Hungria versus Holanda pela Liga das Nações. Toda hora tem uma competição: Copa do Mundo, Copa América, Eurocopa, Liga das Nações. Bem, acabou a Copa das Confederações.

Jogo na Hungria, estádio lotado. Setenta anos depois de Puskás, Czibor, Hidegukti e Kocsis ainda alimenta sonhos e esperanças, mesmo que vãs. Um time daqueles de novo? Nunca mais. A Hungria fez 10 a 1 em El Salvador na Copa da Espanha, a maior goleada dos Mundiais. E também ganhou do Brasil por 3 a 0 em 1986, com um gol de Détári. Salvo engano, foi a última atuação de Leão como titular da Seleção Brasileira. Minha simpatia pela Hungria, além dos craques do passado, tem a ver com o Fluminense: a semelhança das cores. Ah, em 1982 tinha o goleiro Mészáros, que faleceu ano passado. Uma vez eu fiquei ouvindo pelo radinho Fluminense x Honved, eles ganharam por 2 a 0 no torneio de Córdoba. Não lrmbro se chegou a ter a transmissão ou só as informações da partida. O que sei é que perdemos para o grande Honved dos anos 1950. E o radinho estava colado na minha cara.

O sonho da Holanda não tem setenta anos, mas cinquenta. O que dizer do time de 1974 que, mesmo sem Cruyff, chegou à final do Mundial da Argentina em 1978? Um bando de craques geniais, malucos e humildes: todos atacavam, defendiam e trocavam de posição. Os adversários enlouqueceram. Krol, Neeskens, Rep, Suurbier. Jongbloed, uma legenda. Van era com a Holanda: Van Beveren, Van Breukelen, Van Der Kherkof, Van Basten – e na música, Van Halen. Agora quase não tem. A segunda leva, com a turma do Gullit, foi excelente também. O terceiro vice mundial, conquistado em 2010, serviu para que, apesar da frustração, a Holanda fosse tão grande a ponto de ser a única seleção que não conquistou uma Copa, mas com status como se tivesse conquistado.

[Máquina Tricolor e Laranja Mecânica têm tudo a ver, de ponta a ponta, da costa leste à oeste

A partida acabou sendo divertida, mas não brilhante. Prevaleceu a marcação da Hungria no primeiro tempo, quando a seleção mandante fez um belo gol: cruzamento da esquerda e finalização de primeira no alto à esquerda. No segundo tempo a Holanda predominou, mesmo com um jogador a menos, e acabou empatando no fim com bela cabeçada de Dumfries. Memphis Depay ainda não está por lá. Na hora da comemoração foi fácil ver como o uniforme holandês azul é bonito, embora a eterna camisa laranja seja imbatível.

Ah, no primeiro tempo teve um lance sensacional, que só se compara a uma decisão por pênaltis – sempre corrigida pelo eterno Mário Vianna, com seus dois ênes: “NÃO SÃO PÊNALTIS, MAS TIROS LIVRES DIRETOS DA MARCA PENAL”. Ufa! Vamos ao lance: dois toques dentro da área húngara, dez húngaros debaixo da trave, dez holandeses pensando onde a bola pode chegar ao gol, tensão discussão. A bola parada depois da marca do pênalti. A cobrança é uma bomba, mas o desfecho é improvável: o goleiro defende sem rebote.

No fim, os húngaros – que contaram com a vitória magra em boa parte do tempo – saíram meio decepcionados, mas não deixaram de cantar e gritar para seus jogadores. Foi uma boa partida. Não, não: Czibor, Hidegukti, Puskás e Kocsis, nunca mais. Cruyff e Neeskens, nunca mais. Contudo, toda vez que começa um jogo, todos os torcedores voltam a ter doze ou dez anos de idade – assim, tudo é visto com o amoroso doce licor da infância. Faz muito tempo, mas é impossível para Holanda e Hungria entrarem em campo sem abrir as cortinas do passado, um belo e fascinante passado.

O jogo do radinho. O Honved tinha outro Kocsis. O Fluzão? Paulo Goulart, Marinho, Ademilton, Edinho e Ricardo Longhi; Pintinho, Givanildo e Mário; Osni, Tulica e Zezé. Depois entraram Edevaldo, Rubens Galaxe, Robertinho e Parraro. O Flu vivia tempos de crise e não ganhava nada desde 1977, mas ninguém sabia que, meses depois, com sete desses jogadores que perderam para o Honved, surgiria um grande campeão. Certas coisas a gente só entende depois que o tempo passou.

Aquele radinho me traz muitas coisas.

@p.r.andel

Meu time (por Paulo-Roberto Andel)

CRACKS DA PELOTA

Tenho saudades do meu time. Ele não era apenas um time, mas um ambiente, uma atmosfera. Tanto fazia se a arquibancada estava lindamente lotada debaixo de uma nuvem continental de pó de arroz, tanto fazia: podia ser também uma quarta-feira vazia, chuvosa, com alguns bandeirões e a esperança numa vitória, mesmo que não significasse um título. Meu time era ter meu pai me puxando pela mão e me dando cachorro quente; era a sala das torcidas onde você espiava a dança das cores embalada pelo samba autêntico. Tenho saudades do meu time, todo de branco em campo, cheio de valentes jogadores negros, alimentando os sonhos dos garotos com o jogo de bola que, mesmo tão contaminado por ora, mantém seu fascínio através dos tempos. Eu tenho saudades de quando éramos quase todos anônimos e ninguém precisava se promover com polêmicas medíocres, porque o que realmente importava era o time – e não a patética vaidade do senhor dono da razão. Saudades de quando tudo era mais simples e humilde – o Maracanã era povo de verdade. Há quarenta anos, eu deitava sozinho no chão da geral e o céu me parecia uma grande tela circular: as nuvens lentamente navegando pelo céu, uma ou outra estrela sobressaindo e uma réstia de infinito que só revi anos depois nas telas circulares dos shows do Pink Floyd. Eu tenho saudades dos abraços sinceros na arquibancada, saudades dos maravilhosos vendedores de refrigerantes com seus capacetes, tanques de refresco nas costas, roupas brancas e visual de astronautas. Saudades das grandes bandeiras coloridas – vert, blanc, rouge! Saudades dos grandes placares eletrônicos com suas lâmpadas e o nosso escudo estampado nelas quando o time subia a escada do túnel à esquerda para entrar em campo – dezenas de garotinhos corriam loucamente pelo gramado, sonhando em estarem ali um dia como protagonistas. Está quase tudo morto pelo tempo, pois ele sempre vence, mas um refúgio permanente: o das minhas lembranças, o da saudade.

@p.r.andel

Sobre a Seleção (por Paulo-Roberto Andel)

Pensando bem, são muitos os motivos que explicam a queda de padrão do futebol brasileiro, e que naturalmente desaguam nos caminhos da Seleção. Muitos, muitos. Passam por dirigentes escroques e tenebrosas transações. E dão um livro grosso.

Contudo, o maior deles se repete inclusive noutros esportes, mas foi uma espécie de guilhotina cortando a excelência que, um dia, já povoou nossos gramados: o desprezo que o talento passou a receber em troca da atenção absoluta da parte físico-tática.

Em pouquíssimo tempo, o futebol no Brasil virou uma verdadeira febre. Quando o Brasil conquistou sua primeira grande colocação, o terceiro lugar na Copa de 1938, já tínhamos super craques como Domingos da Guia, Leônidas, Romeu Pelicciari e outros. Vinte anos depois, encantamos o mundo com Pelé e Garrincha. Dali, até 2006, com grandes colocações e quase sempre entre os cinco maiores do mundo, sempre tivemos grandes jogadores aos montes, a ponto de todo treinador da Seleção ser cobrado por ausências em sua lista de convocações.

De onde vinham esses craques todos? De milhares e milhares de campinhos Brasil afora. Éramos uma verdadeira fábrica de craques em larga escala. Campinhos de terra, de areia batida, de pedra inclusive. Milhares e milhares de garotos enlouquecidos pelo jogo em vielas, favelas, vilas, praças, na praia, onde desse pra jogar. E dessa multidão tiramos, durante décadas, dezenas de craques que inundaram o mundo com dribles, passes e jogadas geniais, descobertos por olheiros dos clubes. Foi o que fez a fama do futebol brasileiro, não necessariamente aliado ao rigor tático, mesmo tendo treinadores competentes e especializados.

Um golpe violento veio com a Copa de 1982. A derrota para a Itália levantou o argumento de que o “futebol arte” era inútil e deveria ser substituído pela força. A nova onda perversa dominou o Brasil, mas nosso petróleo da bola era tão farto que ainda aguentamos 25 anos com as reservas técnicas. E tome Romário, Geovani, Bebeto, Ricardo Gomes, Branco, Valdo, Raí, Leonardo, vários desses tetracampeões em 1994. E tome Amoroso, Edilson, Djalminha, Marcelinho, Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Roger, Alex, Felipe…

A Lei Pelé deu alforria aos jogadores. Em compensação, espatifou os clubes, saqueados por dirigentes e empresários. Em paralelo, os garotos passaram a ser formados para o combate em vez da criação. Veio a era dos volantes brucutus. Enquanto isso, os campinhos foram desaparecendo, os garotos descalços foram desprezados, os empresários tomaram o lugar dos olheiros e a indústria exige porrada e força em vez de destreza. E nós, que antigamente tínhamos vinte ou trinta jogadores para escalar onze, chegamos à Era Neymar, a do time de um talento só que seria responsável por resolver tudo em campo. Como se viu, não deu certo.

Há trinta e poucos anos, o sonho da Venezuela era marcar um gol no Brasil. Apesar da tradição, fazer seis gols no Paraguai e cinco no Uruguai não era difícil em 1979. O futebol mudou e muitos evoluíram em seus cenários. Nós, não: abrimos mão do melhor que tínhamos – nossa habilidade, capacidade de improvisação e perspicácia – para nós tornarmos inferiores às seleções que, um dia nós invejavam. Jogamos fora o principal combustível do nosso protagonista, o talento. Em compensação, temos uma indústria de marcadores.

O problema maior não está numa derrota para o Paraguai, hoje normal. Até segunda ordem, a classificação para a Copa do Mundo ainda não parece ameaçada. O problema mais grave é que, se conseguirmos confirmar o passaporte para o Mundial, ele será o de coadjuvantes. O problema é verdade que, nesta derrota de quarta, o Brasil não tem um único desfalque expressivo – o time que está lá é o que temos e só. Quem ali realmente faz diferença do ponto de vista da qualidade técnica?

Alguém espera por Neymar? Quem ainda acredita em sua volta ao futebol profissional de excelência?

O Brasil precisa refundar suas divisões de base e valorizar o talento, se não quiser se tornar de vez um centro inexpressivo do futebol. Precisamos voltar a fabricar craques em série e recuperar a identidade do nosso futebol.

Peço a compreensão dos mais jovens, não se chateiem comigo. Não é saudosismo, mas apenas meu olhar de criança como torcedor. Se naquele tempo alguém falasse de um camisa 10 (ou 8) talentoso e importante, você poderia lembrar facilmente de Dicá, Ailton Lira, Renato, Zenon, Pita, Adílio, Cléber, Zico, Rivellino, Guina, Palhinha, Sócrates, Jorge Mendonça, Falcão, Mendonça, Enéas, Douglas e outros.

Hoje falamos de quem?

@p.r.andel

Fair Play financeiro ou uma conveniência? (por Robertinho Silva)

Essa turma que agora faz defesa ostensiva de Fair Play financeiro está me fazendo voltar no tempo. Me lembro do ano de 2002, onde o Santos da segunda geração de “Meninos da Vila” se classificou em oitavo e depois, nos mata-matas, se sagrou campeão brasileiro.

Logo após isso, me lembro das mesas de dabate falando em mudanças na fórmula de disputa do campeonato. O argumento era de que o mata-mata, dava chance ao “imponderável de Almeida”, que não premiava a “regularidade”. Por outro lado, diziam que “ponto corrido era mais justo” que era “a vitória da regularidade e do planejamento”, que “na Europa era assim” e que aqui também tinha que ser.

O “Na Europa é assim” serviu pra mudar a fórmula de disputa. Mas, pra ter uma equidade/paridade nas receitas, aí o argumento mudou pra “Na Europa é na Europa, Brasil é Brasil”…

Dentro desse falso conceito de “meritocracia” (leia-se dar privilégios individuais a alguns em detrimento dos demais) instaurou-se a falácia de “Fulano tem mais torcida, dá mais audiência” e por isso “tem que receber mais dinheiro da TV”.

Todas as mudanças que são impostas na base da politicagem, vem acompanhadas de belos discursos, narrativas psicodélicas, dando conta de que tudo vai ser muito bom. Vinte anos depois, podemos dizer que o futebol brasileiro decaiu como um todo. Tivemos uma concentração absurda de receitas em um cartel de clubes, fulminando o equilíbrio técnico e financeiro da competição.

A pergunta que fica é: isso tudo foi bom pra quem?

Obviamente a questão aqui não é entrar no debate sobre mata-mata x pontos corridos. O caso é outro.

O que fica explícitoné que todas as mudanças que são impostas, que sempre vêm camufladas de “bem coletivo”, na real são só para privilegiar o umbigo de alguns.

A “Espanholização” está no formato de disputa, está na tabela que montam, que é sempre mais interessante pra A e B do que para os C, D, E e Fs que compõem o mesmo certame. Está na grade de horários, para gerar mais matchday pra uns e menos para outros. Está no noticiário sempre mais animado pra um e no cenário de terra arrasada para os demais.

É o famoso “aos amigos, tudo, aos inimigos a lei”. Nos tribunais desportivos, a gente já observa isso, onde as decisões são tomadas com a mesma parcialidade que se distribui as cotas de televisão.

Hoje, estamos vendo quem defende FAIR PLAY FINANCEIRO vindo com discurso bonito de “Não pode gastar mais do que arrecada” e “que é pra proteger os clubes”…

O Cruzeiro ficou três anos na Série B. O Bahia chegou a Série C. O Botafogo caiu três vezes. O Vasco disputou cinco vezes a Série B. Qual foi o mecanismo criado para salvar esses clubes?

Esse discurso obviamente está enviesado, é uma coisa que só vai até a página 2. Aqui, assim como nos principais países da Europa, estão visando manter a hegemonia de um seleto grupo.

Quando você faz interdição de investimentos, basicamente condena times médios e pequenos a sempre serem médios e pequenos. Você interdita possibilidade de crescimento.

Futebol não é monopólio. Ele vive da rivalidade. Da disputa. Da livre concorrência.

Em algum lugar de 1982 (por Paulo-Roberto Andel)

Faz muito tempo, a gente perdeu pro Corinthians num sábado à noite no Maracanã. Era o Torneio dos Campeões. Teve velório na geral de protesto e tudo, eu saí correndo. O Maracanã era minha segunda casa, e eu contava as horas para voltar lá. Fui sozinho. Eu gostava de ir sozinho aos jogos, fato que se repetiu inúmeras vezes.

Eu era bom jogador de botão. Sem falsa modéstia, jogava pacarai. Então era a minha vingança: se o Flu perdesse, eu tinha que ganhar todos os jogos da semana para compensar. Deixa estar.

O jogo teve pouco público e, por isso, poucos ônibus na saída – não havia metrô. Eu me lembro que aos pés do Viaduto dos Marinheiros o 434 estava bem cheio e apertado. Já devia ser quase meia noite. Estávamos chateados, mas alguns batucavam, outros ouviam a resenha no radinho e alguns até riam. A gente sempre esperava o próximo jogo, o próximo jogo, sempre em frente.

Quando passamos pela Rua do Riachuelo, teve alguma confusão sem gravidade, algo de gozação. O ônibus ficou parado uns cinco minutos, depois ficou tudo bem.

Meia hora depois saltei na Siqueira Campos. Estava tudo fechado, com exceção da Bella Blú. Lanchei uma fatia de pizza. O Sniff’s já estava sendo lavado, todo mundo tinha se mandado. Fui pra casa. Meus pais já estavam dormindo. Entrei de fininho com zero barulho, tomei banho e fui deitar. Logo seria domingo. Não ia ter Fluminense mas eu sonhava com um bom café e almoço. Lasanha da Torna. Conversa de Arquibancada na TV, depois minha mãe ia ver o Silvio Santos – como ela gostava!

As coisas não eram assim tão boas, longe disso, mas eu tinha um negócio a meu favor: o tempo. Todo o tempo do mundo. Ele sempre vence, mas na juventude a gente sempre tem chances de virar o jogo. No futebol então, onde tudo pode mudar a cada três dias, imagine. Eu ficava esperando chegar a hora de ir ao Maracanã: juntava moedas, todos os trocos possíveis, era um programa muito barato.

Bom, desta vez eu não cheguei em casa, porque vi o jogo na TV. São duas da manhã. Estou sozinho e muito longe da juventude. Não há jornais para se comprar neste domingo, nem frios na padaria, nem lasanha da Torna nem nada. Sem pai nem mãe.

O que sobrou?

Alguns botões estão perto da TV, uma saudade que me rasga da testa aos pés.

E o Fluminense, claro, que não pode esperar e já tem uma decisão na próxima terça. Futebol é assim: não se pode esperar.

@p.r.andel

Amaral jogava demais, demais! (por Paulo-Roberto Andel)

São quatro da manhã e acabo de saber que Amaral morreu. Tinha 69 anos.

Ele jogou demais.

Aos quinze anos, já era titular no Guarani. Só não foi campeão brasileiro pelo Bugre porque já tinha sido negociado com o Corinthians.

Salvou o Brasil diante da Espanha na Copa de 1978, num dos lances de mais talento já vistos em todos os Mundiais de Futebol. Tirou a bola em cima da linha de gol. Só quem viu, sabe o que foi. Oscar e Amaral, uma tremenda dupla de zaga.

Na vila perto da minha casa, todo mundo queria ser Amaral. Essa tarefa coube ao Renato, que também era um monstro da bola e a conduzia igualzinho ao ídolo.

Amaral tinha muito talento, muitos recursos técnicos. Saía jogando com toda a calma do mundo, como se aquilo fosse simplório. Era um digno representante de nomes como Domingos da Guia e Zózimo. Gente que tratava a bola como se dissesse “oi, meu bem”.

Depois dele, um nome de tanta elegância na defesa foi Ricardo Gomes. Altair também. Mestres do futebol, da técnica do jogo, do futebol onde a bola é o estandarte.

Amaral jogava de cabeça erguida, olhando para a frente. A bola deslizava nos seus pés, como se o granado fosse uma mesa de snooker. Cada passe era uma degustação refinada.

Que craque!

Manga, para sempre (por Paulo-Roberto Andel)

Quando me tornei um verdadeiro torcedor mirim, daqueles que liam jornal todo dia em busca de notícias de futebol, eu tinha uns onze anos de idade. Naquela época, Manga estava no final da carreira mas jogava em altíssimo nível no Grêmio. E foi pesquisando que eu descobri sua carreira grandiosa, protagonista de timaços como os do Internacional e do Botafogo. Meu pai falava com grande admiração dele.

Eram tempos em que o amor pelo futebol falava muito mais alto do que o ódio, e jogadores de times rivais eram admirados, respeitados e até idolatrados. Imagine nos anos 1960 e 1970, com os times repletos de grandes jogadores?

Dou um outro exemplo da minha geração: nós, garotos tricolores de 1979 e 1980, éramos todos admiradores de Roberto Dinamite, uma verdadeira máquina de marcar gols em cima do nosso time. A gente não tinha raiva do Roberto; na verdade nosso sonho era tê-lo como o camisa nove do Fluzão. Não deu. Ok, não se pode ganhar todas.

De repente Manga sumiu. Foi para o Equador e nunca mais voltou. Virou uma verdadeira lenda.

Quis o destino que, depois de tantos anos, meu breve encontro com Manga tenha sido justamente na noite de 21 de maio, um dia muito difícil por ser o aniversário da morte de meu pai. E novamente um dia histórico para o Fluminense: 16 anos da vitória espetacular sobre o São Paulo, com o golaço de cabeça de Washington.

Quando cheguei ao Pizza Park, Manga já estava cercado por admiradores, autografando cards e réplicas de sua linda camisa de goleiro botafoguense. Eu logo lembrei do meu amigo Fernando Guilhon, super alvinegro que adoraria estar lá. E foi bonito ver vários tricolores com camisa do Flu por lá, num gesto de fraternidade e respeito.

Ouvi Nei Conceição falar coisas muito bacanas a respeito de Manga. Carlos Roberto também. Cracaços.

Em dado momento eu estava ao lado de Manga, quando lembrei daqueles quarenta e tantos anos atrás. Tudo passou tão rápido. Resolvi então tirar uma foto dele, de lado. Mas não o procurei na mesa, nem tirei uma outra fotografia nossa, nem pedi seu autógrafo. A verdade é que a figura de Manga é tão grande que paralisou a mim, reles mortal que sou. Eu lembrei de meu pai e me emocionei: quantas vezes ele não viu o velho Manga fechar o gol no Maracanã e aporrinhar a todos nós, tricolores?

Diante de um dos maiores goleiros de todos os tempos, me senti tão pequeno e mortal que preferi ficar apenas admirando-o em silêncio, como ídolo que é. Fiquei tão paralisado que nem peguei meu card. E se um tricolor feito eu estava assim, imagine o coração dos inúmeros botafoguenses presentes ao Pizza Park?

Levei muitos anos para ver Manga de perto. Finalmente consegui. Espero revê-lo e aí sim conversar com ele. Ontem não deu. Eu queria muito, mas simplesmente não consegui. É que o mito, o arquétipo do goleiro supremo, a fera da Seleção Brasileira e tudo isso junto ali, representando a era de ouro do futebol brasileiro, me deixou paralisado pelo amor que tenho ao futebol. Algo que só tinha me acontecido desse jeito quando entrevistei Gilberto Gil, outro super ídolo. Quando fui embora, só pensava em quanto meu pai, um super tricolor, estaria contente em estar ali comigo. Desci a rua Marques e chorei sozinho antes de pegar o táxi. Foi melhor assim.

Manga é para sempre. Retrato fiel de um dos nossos maiores goleiros, de um futebol brasileiro que encanta o mundo até hoje. De um Maracanã botando gente pelo nariz, cheio de povo, de massa humana rindo e chorando em jogos que são verdadeiro cinema a encantar nossos corações. O Maracanã, nossa igreja definitiva de amor ao futebol.

@pauloandel

Valeu, Apolinho! (por Paulo-Roberto Andel)

Neste exato momento, tem muuuuita gente chorando. Eu também, mas vou tentar fazer um réquiem.

Falar de alguém que a gente sempre ouviu desde a infância, por quase meio século.

Do tempo em que o Maracanã tinha seus astronautas vendendo Coca-Cola na arquibancada, e com tanques de refresco nas costas – no copo era só espuma, mas deliciosa.

Quando Victorio Gutemberg fazia ecoar sua voz potente nos alto-falantes de som abafado, para escalar os times, falar da Loteria e lançar o bordão inesquecível “Suderj informa”.

E no fim dos clássicos abarrotados, quando as vinhetas de minutagem das rádios faziam o som psicodélico de _gran finale_? Cento e tantas mil pessoas. Corações a mil no maior estádio do planeta, enquanto Rivellino, Adílio, Roberto, Mário Sérgio, Paulo Cezar Caju e outras feras escreviam a história do futebol brasileiro com seus dribles e passes, suas jogadas de arte.

Apolinho viu tudo isso e muito mais. Foram décadas do melhor futebol do mundo, que encantou adultos e crianças para sempre – até hoje vivemos de restos dessas lembranças. Ganhou o apelido pelo transmissor que levava nas costas, atrás do gol, e ficou Apolinho para sempre. Consagrou-se ao lado de Garotinho e Denis Menezes numa equipe que ficou imortalizada no rádio carioca, depois passou anos na Rádio Globo e muitos outros na Tupi, onde ficou até o fim – e é inacreditável que este fim tenha sido hoje, porque depois de muitos anos a gente se acostuma com a ilusão de que monstros do rádio como ele, Washington Rodrigues, são imortais de carne e osso.

Apolinho deu no pé em dia de goleada do seu Mengão. Tudo a ver com seu amor. Também é o dia de Super Ézio. Pronto, já tem um Fla x Flu armado para animar a eternidade.

Um dos maiores jornalistas esportivos da história, ele viu tudo torcendo, trabalhando ou os dois: voos munumentais do goleiro americano Pompeia, folhas secas imperdíveis de Mestre Didi ou gols e gols do jovem Pelé. Precisa mais? Não, mas ele teve o privilégio de ver os melhores, entrevistá-los e depois comentar.

É fim de quarta-feira. A cidade está em lagrimas porque Apolinho deu tchau e, aos poucos, a gente se toca do tamanho da perda, mas morrer é algo no mínimo discutível para quem sempre teve o talento para a imortalidade.

Washington Rodrigues, gênio do rádio brasileiro, familiar a milhões e que fez tanta gente humilde feliz com seus comentários, galhofas e barbaridades sempre populares.

Os gênios dizem adeus, a saudade fica pra sempre. Viva o eterno Maracanã do Apolinho!

@pauloandel

Um garoto, uma bola azul (por Paulo-Roberto Andel)

Passei pela Pedro Lessa a caminho de um evento por volta das cinco e meia da tarde. Começo de mês, perto do Dia das Mães – cadê a minha? -, pelo menos a Banca do André estava cheia de gente na happy hour, uma das poucas saudades dos meus tempos de escritório.

As pessoas bebendo em pé, em volta de mesinhas circulares cheias de long necks, rindo e conversando, salvando um pouco a imagem perturbadora que o Centro agora tem, de lugar abandonado e vazio. Do outro lado, o gourmetizado Amarelinho também tem sua turma. A partir daí, desolação. Não, na Santa Luzia tem um churrasquinho onde brota gente – e garotas bonitas paca.

Ainda a Pedro Lessa. Quem diria que ali existiu um império de música por anos, com CDs espetaculares e muita movimentação? As bancas de metal continuam lá, completamente vazias. Há três anos, acho, ou menos, comprei um Morphine importado, a banda de rock jazz “sujo”, underground, liderada pelo antológico Mark Sandman, que morreu em pleno palco se apresentando. Aquelas bancas metálicas vendiam sonhos: rock, jazz, bossa nova, sambas da antiga. Tudo passou. Ainda bem que tenho minha lojinha.

Depois da turma bebericando, uns dez metros adiante, havia um garotinho, provavelmente filho de alguém ali. Dez anos de idade. Baixinho, magriço, vestindo uma camisa 9 amarela em algodão, bem longe das marcas oficiais. Será que era uma camisa da Seleção? Não sei. Um garotinho de menos de um metro e meio, de bermuda e chinelos, com sua bola de futebol azul escura. Ele e mais ninguém. Dava uns passinhos, chutava a bola num muro da rua, ele voltava e repetia, depois tabelava. Tudo sozinho, ele e mais ninguém.

Eu me identifico porque apesar de já ter 56 anos de idade, nunca deixei de ser um garoto de dez no melhor que isso pode oferecer. Futebol, lanche, descanso e tudo, coisas que a gente vivencia quando criança da melhor maneira possível, e que carrega para sempre. Eu tinha dez anos em 1978 e o futebol me deixava louco: queria jogar na praia, na vila perto de casa, queria ouvir futebol na Rádio Globo, juntar figurinhas, jogar botão e esperava ansiosamente pela revista Placar toda semana – ela trazia escudinhos que você podia recortar para ornamentar seus botões.

O menino e sua bola azul. Ele toca para o fundo de um gol imaginário, faz da Pedro Lessa um Maracanã que ninguém vê. Comemora sozinho, não há torcida nem abraços, sou o único e silencioso espectador. Mesmo sozinho, ele se diverte. Um garoto com sua bola de futebol pode ser o mais feliz do mundo. É o que ele faz ali e me comove – é que eu também era daquele jeito dele quando eu tinha futuro. Lembro de tanta coisa em instantes: quem fui, o que sonhei e vivi. Chutei muita bola sozinho na vila, bem em frente ao colégio onde estudei, entre confusões, de 1977 a 1980.

[Pensei em oferecer meus serviços de ex-bom jogador ao garoto, mas desisti.

Sigo a caminho do evento. Estou prestes a atravessar a rua México. Olho para trás novamente e, enquanto a Banca do André dita a festa do pedaço, o futebol continua vencendo. É o menino solitário em seu mundo particular, tabelando e jogando. Sozinho, ele tem o Maracanã e o Morumbi. Não importa quem não está, mas sim o que virá. Continuo voltando 45 anos no tempo, quando eu sonhava em ter uma bola adidas Tango, até hoje a mais linda de todos. E sonhava em ter alguém para jogar dupla de praia domingo. E ficava horas e horas na praia. É por isso que entendo a nobreza daquele jovem magriço, porque mesmo com 70 quilos a mais, o futebol tem sido meu remédio, oxigênio do dia a dia, alívio contra as piores causas.

Sigo para o evento, o tempo não para. O garotinho, meu amigo desconhecido, insiste nas tabelas com o muro. Ele joga por ele e por mim, sem saber. O futebol insiste, e isso enche meu coração de esperança.

@pauloandel

O goleiro que lavava carros (por Paulo-Roberto Andel)

São três horas da manhã do dia de São Jorge e me lembro de Ortiz. Talvez só eu lembre porque talvez eu seja o único sobrevivente daquele tempo. Não, eu sou o único mesmo.

Em 1976 meu pai tinha uma loja no centro de São João de Meriti. Chamava-se Heduwi. Eu sabia que as três sílabas do nome eram referência a três sócios, mas não cheguei a conhecê-los. Na loja trabalhei pela primeira vez, empacotando compras e fazendo contas. Eu tinha oito anos de idade.

Aquele ano seria um dos mais tristes da minha vida por causa do Natal, mas não quero falar disso agora. A própria loja faliu no fim de 1976. Um duro golpe para meu pai. Justamente nos tempos de grande badalação da Máquina Tricolor, ele nem tinha como saboreá-la por tantos problemas pessoais.

Eu ia para a loja quase todos os dias. Ela era grande e tinha várias coisas, de roupas a produtos capilares. Perto de nós, morava o Seu Dalmo numa casa bem grande e numa rua sem asfalto, lembro bem. Uma vez fomos visitá-lo e ele fez um sanduíche de queijo para mim. Foi a primeira vez que me lembro de ter visto um cortador de queijo. Seu Dalmo era legal.

O Ortiz. Ele não tinha esse nome, nunca teve, foi uma invenção minha. Ele era atarracado, louro e usava uma faixa na cabeça, era igualzinho ao Ortiz, goleiro do Atlético Mineiro. Lavava carros. Ele sempre carregava uma lata bem grande de óleo Castrol GTX para carregar água, e ela era tricolor. Tudo era Fluminense pra mim em meus sonhos de criança, vivendo dias difíceis com meu pai falindo. Alguém disse que o Ortiz tinha sido um homem de posses, mas perdera tudo por causa do alcoolismo – imagine o meu desespero ao ver meu pai bebendo tanto por desgosto. Enfim, o homem que lembrava o goleiro ia e vinha quase todo dia com sua grande lata, que era seu instrumento de trabalho.

A véspera de Natal de 1976 foi a última vez que estive na loja. Ela fechou de vez dias depois. Nunca mais voltei ao Centro de São João de Meriti, nem vi Seu Dalmo, nem o Paulista, um vendedor corintiano que estava sempre por lá e, claro, tirando uma onda com seu time. Foi no chaveiro do Paulista que vi pela primeira vez o escudo do Corinthians e achei bonito. Semanas antes, falecera o Sr. Santana, que sempre levava pão de queijo para mim e minha mãe. Também me lembro que a primeira vez que bebi um refrigerante tirado de máquina foi perto da loja, na rua da Matriz. Foi um copo de Pepsi, achei delicioso.

São várias lembranças de uma época difícil da minha vida, mas que estão muito presentes. Sou a única pessoa viva das citadas acima, eu era uma criança. Ali perto, ainda nasceria uma garota bonita chamada Patricia, que eu só iria conhecer trinta anos depois, na faculdade, não na UERJ.

Ortiz, nunca mais. O que terá sucedido? Não sei dizer. Só sei que lembro e lembro. Eu sou o único sobrevivente dessa miscelânea toda de quase 50 anos atrás. Até quando, não sei.

@p.r.andel

Memórias do Torneio dos Campeões (por Paulo-Roberto Andel)

Olha, eu gosto muito de futebol, muito mesmo. Gosto de jogar e de ver. Ir ao Maracanã é uma coisa muito boa, e está mais fácil porque meus pais agora me deixam vir sozinho, inclusive à noite. Só o passeio já valeria a pena: eu pego o 434 na Figueiredo Magalhães e faço uma viagem pelo Rio. É um percurso muito bonito que serve de roteiro turístico pela zona sul do Rio, o Centro e, logo depois, Praça da Bandeira e São Cristóvão até chegar ao maior estádio do mundo.

Praticamente todo o meu dinheiro eu gasto com futebol. Também não tenho muito, é a mesada que meu pai me dá. E também vou ao cinema. Só que o futebol é sagrado. Para poder ir a mais jogos, eu vou de geral que é bem mais barato, quase o preço da passagem de ônibus. Se estiver com tempo de chuva, aí a geral é certa, porque você aguenta o primeiro tempo e, no intervalo, o pessoal da Suderj abre uma escada que vai até a arquibancada.

Eu sou Fluminense desde que nasci, gosto demais do Fluzão, mas venho ver jogos de outros times. Já assisti Vasco, Botafogo, Flamengo, America e Bangu.

Não sei por que, mas uma coisa que eu gosto muito é de chegar ao Maracanã ainda vazio, bem silencioso. Esse silêncio me faz muito bem, é como se acalmasse tudo. Gosto de ver o campo, bem verdinho, mesmo quando tem alguns defeitos. Ah, e eu gosto também de me deitar na geral vazia e ficar olhando o céu. A cobertura de concreto do Maracanã faz o desenho de um círculo, o céu parece um disco voador, é muito bonito. Claro que o estádio cheio é maravilhoso também, mas eu gosto dele deserto. É um jeito diferente de ver.

Outra coisa ótima da geral: a gente pode jogar bola antes do jogo. Outro dia teve Vasco e Botafogo, então viemos com uns amigos da escola. A gente marcou o golzinho e ficou três para cada lado. Tinha o Luiz Cláudio, que é Flamengo, o Bolaman também. O Chico, vascaíno. Não me lembro se tínhamos um botafoguense na trupe. Nossa bola oficial, a Dente de Leite. Acho que foi num sábado à tarde.

Foi uma ótima ideia fazerem o Torneio dos Campeões. Vários jogos excelentes, tem Maracanã quase todo dia. Logo mais eu vou de novo pra ver Vasco e São Paulo. Sempre alguém me pergunta por que eu vou numa partida que não tem o meu time. É que futebol é bom demais. Só de subir a rampa e passar pelo tunelzinho da arquibancada, já é uma emoção enorme.

O Maracanã é grande, é gigante. Espero poder acompanhar o futebol pelo resto da vida. Toda vez que vou ao jogo, é como se eu continuasse um sonho que nunca termina. Há pouco, o Fluminense quase foi campeão brasileiro, mas deixamos escapar a vaga pro Grêmio de virada. Foi um jogão. Perdemos, paciência. A coisa não está fácil para o Flu, mas espero que em breve a gente tenha um time que possa ser campeão. Eu tenho fé que isso vai acontecer.

Me dá um Barão? (por Paulo-Roberto Andel)

Eu era garoto, tinha uns dez anos. Certamente minha vida foi melhor do que a de 90% das outras crianças, mas esteve longe de ser fácil.

Estávamos muito pobres, meus pais batalhavam demais.

Surgiu o Barão, em meio à inflação. Era um sonho. Eu quero um Barão. Você me empresta um Barão? A nota de 1.000 cruzeiros estrelada pelo Barão do Rio Branco.

Foi uma das cédulas mais queridas pela população, embora a maioria não tivesse nada.

O Barão me traz à tona um tempo distante, longe de ser fácil mas que me dá saudade. Não é saudosismo, mas saudade. É que essa coisa dos sete aos catorze anos passa com velocidade astronômica, a gente não aproveita direito e, quando vê, tudo voa longe.

No tempo do Barão, meu grande sonho era o lanche no Bob’s da Domingos Ferreira. Às vezes meu pai me levava lá. Minha mãe preferia o da Avenida Copacabana, ao lado do Externato Santo Antônio. Tudo se foi.

Ou ganhar um time de botão cristal Gulliver. O do Fluminense era lindo, verde vivo, com o escudinho envolto por um círculo amarelo. Wendell, Miranda, Moisés, Edinho e Carlinhos; Pintinho, Cléber e Rubens Galaxe; Doval e Zezé. Faltou alguém.

Ou ganhar uma linda bola de couro com 32 gomos e me sentir um craque feito aqueles que apareciam no “Gol: o grande momento do futebol”, programa da Band apresentado por Alexandre Santos, só com gols, gols e gols maravilhosos. Tinha Ademir da Guia, Leivinha, Ailton Lira, Edu Bala, Sócrates, Palhinha, Serginho e também as feras do Rio: Luisinho, Tita, Nunes, Cláudio Adão, Roberto, Zico, Luisinho das Arábias.

Sonhar com os times de vidrilha da loja de brinquedos Dom Pixote, que ficava na Santa Clara, bem em frente às Massas Suprema com seus inigualáveis pasteizinhos.

Outro sonho de garoto: ir à Kayat Sports da Figueiredo Magalhães (que não sei ao certo se era do Seu Carlson Gracie ou não) e comprar o escudo tricolor bordado, lindo, mais um número 5 verde, do Edinho, daqueles de grudar na camisa passando ferro. Com o escudo e o número, era só comprar uma camiseta Hering branca e fazer a camisa de futebol mais bonita do mundo. O problema era que dinheiro não era nada fácil e conseguir um Barão…

A gente jogava bola na vila, quase todo dia. Na praia também, até o início da noite. Quando escurecia, não dava pra ver mais nada. Ver a praia de Copacabana hoje toda iluminada é engraçado: os mais jovens nem sabem que a iluminação só começou em fins dos anos 1980, talvez 1988 se não me engano.

Morria de medo de tirar uma nota vermelha. Podia perder a bolsa de estudos. Não podia errar.

Sempre que dava, via desenhos animados com minha mãe. Flintstones, Pepe Legal, Papa Léguas, Corrida Maluca. Até hoje vejo no YouTube. Só falta a mãe do lado.

[A dor de ser órfão é tão grande que não há como descrever, apenas sentir

Às vezes a gente jogava botão no Shopping dos Antiquários, debaixo da escada rolante. Só fiquei chateado um dia, quando os amigos não queriam que eu participasse do campeonato porque “ganhava tudo”. Eu podia até ganhar, mas minha grande alegria era jogar. Até hoje me sinto bem só de mexer nos botões em casa.

Quando tinha grana em casa, minha mãe fazia Strogonoff e bife à rolê. Nos tempos de maré baixa, carne moída com arroz, ou asinhas de frango. Pouco importava: com ela e meu pai em casa, eu acreditava até em felicidade plena.

@pauloandel

O futebol por vários (da Redação)

EDUARDO GALEANO
“Futebol ao sol e à sombra”, 1995

A história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever. Ao mesmo tempo em que o esporte se tornou indústria, foi desterrando a beleza que nasce da alegria de jogar só pelo prazer de jogar. Neste mundo do fim de século, o futebol profissional condena o que é inútil, e é inútil o que não é rentável. Ninguém ganha nada com essa loucura que faz com que o homem seja menino por um momento, jogando como o menino que brinca com o balão de gás e como o gato brinca com o novelo de lã: bailarino que dança com uma bola leve como o balão que sobe ao ar e o novelo que roda, jogando sem saber que joga, sem motivo, sem relógio e sem juiz.

O jogo se transformou em espetáculo, com poucos protagonistas e muitos espectadores, futebol para olhar, e o espetáculo se transformou num dos negócios mais lucrativos do mundo, que não é organizado para ser jogado, mas para impedir que se jogue. A tecnocracia do esporte profissional foi impondo um futebol de pura velocidade e muita força, que renuncia à alegria, atrofia a fantasia e proíbe a ousadia.

Por sorte ainda aparece nos campos, embora muito de vez em quando, algum atrevido que sai do roteiro e comete o disparate de driblar o adversário do time inteirinho, além do juiz e do público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança na proibida aventura da liberdade.

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MARCELO FROMER E NANDO REIS
“Repetimos idênticos erros de 74,78 e 90”
(Especial para a Folha, 11/06/1994)

Esta estúpida obsessão pelo futebol rígido e obtuso, calcado na máxima do coletivismo europeu de hoje.

Desde que perdemos a Copa da Inglaterra, quando a dona da casa foi brutal e descaradamente favorecida pela arbitragem, algo só comparável ao escândalo protagonizado pela Argentina de Videla e o Peru de Quiroga, criou-se a ilusão de que devíamos nos dobrar diante da “eficiência” do futebol do Velho Mundo.

Que grande bobagem. O futebol não é nada mais do que uma das expressões culturais de uma nação. Nós aqui gostamos mesmo é de feijão.

Estamos patinando nos mesmos erros que nos levaram aos fracassos de 1974, 78 e 90 que não se comparam às inconsoláveis frustrações de 82 e 86.

E o que afinal de contas estão pretendendo esses dois técnicos? Enjaular a explosão do futebol desses craques exibindo videoteipes da seleção alemã?

O próximo passo seria copiar o modelo da Inglaterra e ficar de fora do Mundial.
Talvez a única coisa que ainda tenhamos de original seja o nosso futebol. Mas até quando?

O que tentamos colocar através de tantos artigos nesta coluna é que não concordamos com essa fixação que o Teimoso e o Velho Zaga mantêm pelo futebol “competitivo” e “vencedor” dos europeus.

Talvez essas sejam as últimas linhas que ainda riscamos vociferando contra a alienação das nossas características.

Afinal o Pelé não era branco e nunca jogou na Bundesliga.

Estamos entrando no túnel de acesso de mais uma Copa do Mundo e não há outro modo de agir que não seja com a paixão.

Mas antes de encerrarmos a nossa contagem, aguardaremos ainda mais uma semana na expectativa de que a grande teimosia dê espaço a um pouco de razão.

E por isso então sugerimos ligeiras mudanças na escalação: no lugar do batedor de petecas Taffarel, Zetti.

A providencial lombalgia de Branco se encarregou de endireitar a espinha dorsal da nossa defesa através da categoria de Leonardo.

Vamos deixar que o Dunga do banco possa assistir Mazinho descongestionar o meio-campo com toques rápidos e eficientes.

E já que jogaremos com quatro homens no meio-campo por que não trocar a burocracia do bom Zinho pela saúde e pela onipresença do Cafu?

Se o esquema é esse e a foto oficial já foi tirada, bem que poderíamos entra em campo contra a Rússia com a seguinte escalação: Zetti, Jorginho, Ricardo Rocha, Ricardo Gomes e Leonardo; Mauro Silva, Mazinho, Cafu e Raí; Bebeto e Romário.

E antes que ele assuma o cargo que virá depois da Copa, cabe a seguinte pergunta: se o Teimoso tá levando US$ 500 mil por ano, com quanto é que fica o Velho Zaga?

Com o Teimoso faltam 11 dias para começarmos a perder mais uma Copa.

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IVAN LESSA
“FIFA fofa”
BBC Brasil, 01/06/2011

Como vivo dizendo, no meu tempo era diferente. Feito dizem todos com pouco tempo pela frente e não se lembram direito de nada. Corrupção e suborno eram coisa de pobre. Ou seja, jogadores e juízes. Futebol dava pouco dinheiro e o bem-bom mesmo ficava para o que chamávamos na época de “cartolas”. Os jogadores, coitados, ganhavam uma miséria. Muitos clubes (sim, é você mesmo, “seu” Fluminense) não deixavam sequer que eles botasem os pés na social em qualquer evento festivo. Só entravam para renovação ou transação de passe. E feliz do jogador que tivesse voz ativa na transa, ou, para ser franco, tramóias.

Já o que se passava em campo era bom para valer. Mesmo. Jogava-se futebol. E como. Graças ao YouTube e outros sítios dá para conferir. Não é (só) papo de velho. Sim, claro, tinha corrupção e suborno comendo solto. Bastava comprar o juiz, o que não era difícil, o goleiro ou o artilheiro do time adversário. Saía a preço de banana e havia desconto para o pacote. Depois, como tudo mais, o futebol passou a dar uma nota. Hoje bilhões correm soltos pelas pontas sem marcação. Os “cartolas”, se globalizaram, viraram notícia tão ou mais importante que o gol de Pelé no apagar das luzes da contenda, para pedir emprestado um pouco da locução esportiva, que, como tudo ligado ao balípodo (esse não pegou), virou refrescante fonte de renda.

Já vi menino na rua discutindo os méritos de João Havelange e Sepp Blatter. Antes o pau saía do verbal para o físico quando o assunto eram os atributos artísticos de cobras como Lemerson e Celimar, para ficar em dois exemplos felizmente inexistentes. Das gerais e das arquibancadas, de uma social ou outra, até mesmo das tribunas de imprensa, quando o suborno de sua excelência o juiz era gritante, vinha o berreiro, quase que em uníssono, “Filho da…”. Mais bonito que cantar hino ou desfaldar bandeira do time.

Chegando a nossos dias, e peço dispensa deles por motivo de saúde, futebol é o esporte-beleza, ou the beautiful game, como dizem os ingleses e até os americanos, que, vez por outra, a ele dedicam umas páginas em seus semanários dito sérios. Tão esporte e tão beleza que quem anda frequentando mais páginas nos jornais e na televisão são os dirigentes, para não ter que botar cartola na cabeça de quem não merece sequer boné dos New York Yankees. Como tudo que vale a pena merece patrocínio, e alto, o futebol está na farta lista de distribuição de grifes de seleção titularíssima, feito a Coca-Cola, a Adidas, a Nike, Visa e – salve, salve Primavera Árabe! – o grupo Emirados.

Eles estão preocupados com esse ventilador que anda soprando e espalhando coisa mal-cheirosa: acusações e alegações, se diferença houver entre um e outro, sobre o órgão que cuida dos interesses do – segurem outro chavão – esporte das multidões. O órgão atende pelo nome de Fifa. Trata-se de uma gostosura de organização que cuida dos interesses dos donos do futebol. Ou seja, nada a ver com quem o pratica ou acompanha. Boca riquíssima, papa fina, um verdadeiro banquete segundo acusadores e alegadores. Tudo porque correu a notícia, ou boato canalha, de que a Fifa “vendeu” a realização da Copa de 2022 no Catar. (Dá-lhe, Primavera Árabe!). Para não falar (mas vamos falar, tá bom?) das acusações de próprios Fifeiros graúdos sobre licitações em flagrante impedimento para o local da realização das Copas de 2018 e 2022. Por uma vez, nenhuma acusação ou sequer menção do Brasil em 2014.

Em compensação, é voz geral, arquibancada e cadeira numerada de que países caribenhos andaram pegando, ou tentando pegar, nossos mui conhecidos “incentivos fiscais”. Mal o Barça estraçalhou o poderoso, ou o mais rico time de futebol do mundo, o Manchester United, e já não se fala da magia do argentino Messi. Esse já era, segundo o populacho que compra tablóide sensacionalista. Bom mesmo, celebridade quentérrima, é o suiço Sepp Blatter, de 75 anos, atual dirigente da Fifa, com seus 107 anos de existência e guardiã zelosa dos 208 países a ela afiliados.

Sepp Blatter, nesta quarta-feira, concorre, sem adversário que tenha posto a cabeça para fora, a mais um mandato nesse pastel auto- premiado que é a fofa Fifa. As associações inglesa e escocesa de futebol andaram ameaçando boicote, adiamento devido ao mau tempo reinante, qualquer coisa, mas Sepp desarmou os atacantes todos com a bela jogada de lançar no meio de campo o velho esquema de “crise, que crise?” vai tudo bem, muito bem, pombas! Ou palavras nesse sentido. Não é que colou? Tudo bem estava e tudo bem continuará. Sepp e patrocinadores marcaram o gol da vitória. Vitória por desistência e abandono da possibilidade da contenda.

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MATINAS SUZUKI JR.
Folha de São Paulo, 01/06/1994

Meus amigos, meus inimigos, disse aqui outro dia que há uma safra de livros sobre futebol saindo dos fornos.

Ano de Copa, época de renascimento do interesse pelo futebol aqui no Brasil, graças à qualidade dos jogadores e dos técnicos etc.

Tempos de renovadas paixões pelo futebol. De olhar textos cheirando a estantes, de procurar velhas anotações, de rever teipes e jogos, de dar novos sentidos para os erros e acertos do passado.

Taí uma coisa que talvez seja muito difícil para o Datafolha medir, mas em ano de Copa (e de bom futebol) deve aumentar muito o percentual de devaneios – as “impossibilidades” do poeta – nas cabecinhas brasileiras.

(Se fosse possível mensurar cientificamente o quanto a força deste imaginário pesa para a formação da índole da população de algum lugar, talvez pudéssemos estabelecer uma relação que cobrasse mais responsabilidades sociais e culturais de quem dirige o futebol no Brasil).

Mas, como eu dizia acima, vivemos momentos de esperanças, de expectativas e também de memórias sentimentais – e literárias – do futebol.

O cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, por exemplo, tem umas belas anotações que comparam o “calcio” (o futebol, em italiano), com a literatura.

O texto chama-se “Uma Linguagem de Poetas e Prosadores”.

Foi escrito na época do caloroso debate acadêmico sobre a ciência dos signos, a semiótica. Pasolini usava o futebol como demonstração da poesia e a poética como demonstração do futebol.

Para este cineasta de final trágico — é um daqueles extraordinários artistas que deixam não só a sua obra para depois, mas também a vida vivida — o jogo é também um sistema de signos.

Pasolini dizia que existe o futebol-prosa e o futebol-poesia. Ele dava exemplos de alguns jogadores italianos da sua época (que vou tentar adaptar para melhor compreensão do leitor brasileiro).

Mauro Silva, por exemplo, seria um “prosador realista”; Palhinha, por outro lado, seria um poeta, mas um poeta, ainda assim, realista. Já a constelação poética dos Romários e Deners seria outra: a do poeta “maudit”, extravagante.

Pier Paolo Pasolini supunha ainda que existe uma “zona do agrião” nesta classificação: César Sampaio, por exemplo, que joga um futebol em prosa, mas uma prosa poética, com instantes de clara iluminação da poesia.

(Se fôssemos rigorosos na nossa adaptação, teríamos ainda que criar algumas tipologias como a do jogador-concreto, racionalista, geométrico, essencialista, e aí não há dúvidas: Ademir da Guia).

O cineasta-poeta também dizia que ele não fazia distinção de valor entre as duas formas de se jogar futebol: era apenas uma distinção técnica.

Só haveria um momento exclusivamente, puramente, castamente poético – onde a prosa ficaria de fora: o momento sublime e absoluto do gol.

“Cada gol é sempre uma invenção, é sempre uma subversão do código: cada gol é inelutabilidade, fulguração estupor, irreversibilidade. Próprio como a palavra poética”, escreveu ele.

Pasolini também dizia que a classificação literária valeria para as diferentes escolas de futebol. O futebol europeu seria prosa. O futebol brasileiro, poesia.

“Se o drible e o gol são o momento individualista-poético do gol, isto quer dizer que o futebol brasileiro – ao contrário do italiano, que seria uma prosa estetizante – é um futebol de poesia”, anotou.

Meu sobrinho santista (por Lello Di Sarno)

Estava com três sobrinhos na praia e decidimos comprar um pipa pra cada um.

Primeira aula: um pipa. UM pipa. Nesse caso, três Maranhão.

A Bibi pediu uma de águia bem cabulosa. Ela é mesmo uma guria de rapina e voa. O Cuca escolheu a dele e o vendedor disse que era “de menina”. Eu sou daltônico, então não entendi a frase do amigo, até meu irmão intervir e dizer que isso era babaquice e comprar a rosa pro filho dele. Eu não enxergo mas admiro essa cor que estimula próstatas ou pior… Nem dá esse prazer pros babaca…

E meu sobrinho mais novo e muito meu chegado gostou da que tinha o brasão do time local. Sabia do que se tratava e mesmo assim escolheu. Eu mostrei a contradição mas não vetei. Ele pegou outra e saiu correndo. Mas aquilo ficou nas nossas ideias. Amor a gente não escolhe. E esse mulecote leva maior jeito pra lambari mesmo…

Passou o tempo e a hora que eu esperava chegou. Ele decidiu pelo Peixe. Confesso que foi mais uma das suas lições. E aí, Tio Lello? Você, que tem o futebol como algo tão importante na vida. Que tem seu time como algo mais importante ainda.

Confesso que nunca imaginei tal situação.

Confesso que fiquei emocionado ao ver o primeiro contato de uma criança com aquele que pode ser um amor pra toda a vida. Assim, encontrado através de uma pipa. Ando meio orgulhoso de mim. Somos pessoas em construção.

E como posso negar esse momento dele? Outrora eu sabotaria? E com um filho… E se a opção fosse por um dos outros dois times rivais?

Não sei como seria…

Pensei em argumentar mas não vi como fazer isso sem ser desonesto. Minha relação com meu time é totalmente pessoal e arbitrária. Tudo de indiscutivel, absoluto e colossal que ele tem é assim quando visto por mim. E amor a gente não escolhe. Sentimento não se compra na farmácia. Não há glória, história, pressão externa ou manto sagrado que possa ficar entre uma criança e o rumo do seu coração. Sendo assim. Não posso mentir pro meu sobrinho. O MEU VERDE É O MEU VERDE PORQUE É O “MEU” VERDE.

Ele é e sempre será assim PRA MIM.

Ele sabe que o Palmeiras anda ganhando tudo. Não sabe que até ter o dobro da sua idade eu nunca tinha visto um título e nem sabia se ia ver.

Não é disso que se trata.

Paciência, mulecote!

Admiro sua sensibilidade em reconhecer o encontro. Se decidiu ser freguês, vou defender seu mau gosto até o fim!

Um dia te conto sobre o Camanducaia.

Te amo.

Football (por Paulo-Roberto Andel)

Ah, se não fosse o futebol… Como eu ia me entorpecer em sonhos diante do mundo injusto e cruel, cheio de mortes por covardia e gente dizendo adeus muito antes do razoável? Como eu ia ter alguma alegria durante a semana ou na noite de domingo?

Escrevo sobre muitas coisas, mas futebol é essencial para mim. Ele é o álcool que pouco bebo, ele é o cigarro verde que não fumo, é o alívio para noites silenciosas e viradas por simples tensão. Há cinquenta anos o futebol me salva do suicídio, então não pode ser pouca coisa.

O jogo, o gol, o lance, a gente que faz da arquibancada aquarela, a gente que se abraça e ri ou chora, a gente que namora e deseja. Ah, o futebol, que já foi samba e rock e agora é cumbia, é ele que me tira da miséria e do desespero.

Quer uma noção da importância? Neste sábado mesmo no Nilton Santos. Em qualquer outro lugar, uma queda de luz diz pouca coisa. Agora, faltar luz durante um jogo de futebol é plantão jornalístico.

Meu futebol tem botão, dadinho, bolinha de isopor, areia da praia, figurinha, mesa de preguinho, boneco, camisa, flâmula e livros, muitos livros. Tem saudades da família, beijo da namorada, sacanagem nas cadeiras, abraço de irmãos, choro, riso, suspiro e tudo se resume num UUUUUUHHH quando a bola passa pertinho da trave ou o goleiro espalma para corner.

Meu futebol tem gente banguela, camisa rasgada, chinelo de dedo e geral abarrotada, todo mundo se apertando na chuva e torcendo para a Suderj abrir o portão que dá acesso ao alto da arquibancada, onde tem uma enorme cobertura de concreto que faz o som ecoar pela terra.

Ah, o futebol. Noites em claro, viradas impossíveis, sonhos e drama. Futebol de lembranças, que faz voltar no tempo e ver na tela momentos arrebatadores.

Talvez o meu futebol nem exista mais, mas ele é tão bom que a sua simples lembrança já alimenta muitas fantasias maravilhosas. Todas elas me fazem sentir vivo, sereno, com o coração cheio de esperança mesmo que as probabilidades sejam minúsculas.

Claro que há defeitos mis no futebol, mas o saldo positivo justifica a batalha.

@p.r.andel

Sir Robert Charlton (por Paulo-Roberto Andel)

Morreu Sir Robert Charlton.

Foi o maior jogador da Copa do Mundo em 1966, aquela que se intromete em nosso período maior de glórias, que vai de 1958 a 1970.

E foi justamente em 1958 que, meses antes do Brasil encantar o mundo, Bobby Charlton sobreviveu ao maior desafio de toda a sua vida: o desastre aéreo que vitimou oito jogadores do Manchester United. Bobby tinha 20 anos de idade e, refeito da tragédia, ainda escreveria muitas histórias do futebol.

Não bastasse sua trajetória monumental no English Team, Bobby foi um nome lendário do Manchester United na década de 1960, jogando 758 partidas, marcando 249 gols e ganhando nada menos do que dez títulos com a não menos lendária camisa vermelha. Os números são incontestáveis: Bobby foi um monstro.

A única Copa vencida pela Inglaterra sempre gerou especulações, desde o fato de ter sediado a competição até a polêmica envolvendo a final do Mundial de 1966, com o terceiro gol inglês marcado pelo artilheiro Geoff Hurst. Melhor dizendo, um gol onde a bola não entrou mas que, uma vez validado, derrubou de vez os alemães e consagrou o título inglês diante de quase 100.000 torcedores em Wembley.

Se a conquista inglesa foi controversa e deixou dúvidas é fato, mas, se naquela competição houve uma certeza, ela responde: entre tantos craques e craques, a Inglaterra teve o melhor de todos naquela disputa. Naquele tempo, até nós, brasileiros, supremos no esporte, podíamos sonhar com Bobby Charlton ser brasileiro – num país de Garrincha, Pelé, Didi, Gérson e tantos outros gênios.

Por mais que fosse inevitável porque o tempo é implacável, esse é o tamanho da perda do Sir.

Ademir da Guia: a matada do Divino (por Lello Di Sarno)

Todos sempre me disseram sobre como o Ademir matava a bola. Cresci imaginando, sem ver.

De quantas poesias de meio campo nos privaram os programas televisivos e a humana obsessão pelo gol?

Até que um dia eu vi, naquele estádio que construíram no lugar do meu, o Adãozinho.

Sim, o Adãozinho! Querendo aparecer num jogo festivo, deu um bico lá de trás.

Uma pancada toda torta. De quem não gosta da bola e de quem a bola não gosta nada. A bigorna atravessava a cancha como um helicóptero sem hélice e ia em direção a um senhor de aparência frágil.

Que sem noção esse Adãozinho!

A torcida fez silêncio, prezando pela integridade física do idoso, que recebia aquele presente de grego. Grego escrito em garrancho.

O fogo amigo dos infernos tinha como destino o Divino.

Toda a arquibancada queria gritar que ele não tinha obrigação de matar aquela bola.

Implorar para ele que não se colocasse diante daquele paralelepípedo irresponsável. Que para nós ele continuaria sendo sempre o maior. Afinal, era Ele.

Sempre ouvi sobre a matada do Da Guia.

Ouvi errado.

O que passou quando a parábola encontrou o ponto B foi o antônimo de qualquer violência. Onde “matar” nem dicionarizado está. Onde o John Lennon na cama passa vergonha. E o amor não é cantado pelos jabaculês radiofônicos. O amor é de mãe preta da periferia. É de avô se relendo nos olhos do neto. Neto se conhecendo no cheiro da avó.

Era filho de Domingos. Eram os profetas do Aleijadinho. “Estrada do Sol” com a letra da Dolores. Tinha mais de 70. Era o rio da minha terra que soterrou todos os seus rios e era bem mais bonito que o Tejo.

Foi de chaleirinha…

A Copa União e a grande ilusão (por Paulo-Roberto Andel)

(Com a colaboração fundamental de Flávio Souza e Edgard Freitas Cardoso)

A gente via os campeonatos brasileiros cheios de times e jogos. Nos anos 1970 houve exagero, com quase 100 clubes. Nos 1980 passou para 40. Todo mundo reclamava do calendário, do excesso de jogos, que só devia ter partidas no final de semana. De toda forma, o esporte era uma paixão popular que dominava nosso país continental, com estádios abarrotados.

Veio a TV. As cotas. Numa grande costura, na virada de 1987 veio a Copa União. Todos os problemas do nosso futebol estavam resolvidos: criou-se uma divisão de elite, cópia do então Campeonato Italiano, para dominar a atenção do país inteiro. O resto já não importava. Ao mesmo tempo, começou timidamente um lote de movimentos para que os estádios tivessem menos gente, compensada por ingressos majorados – luta encampada pelo então diretor de futebol da CBF, Eurico Miranda.

Se a Copa União deu folga no calendário, por outro lado nasceu a interessante Copa do Brasil. No Continente, a Supercopa dos Campeões da Libertadores e a Copa Conmebol. A folga, claro, foi para o espaço.

Pouca gente percebeu que ali poderíamos ter embarcado numa verdadeira canoa furada. Não por causa das novas competições, que fique claro.

Com a elitização do futebol brasileiro, clubes importantes do cenário nacional foram jogados aos tubarões e nunca mais retornaram à órbita original. Podemos falar do Pará, da Bahia, de Pernambuco, cujos principais times passaram ao comportamento de gangorra nas séries, ou mesmo nunca mais voltando à tona. Estados como Mato Grosso do Sul e Amazonas, que tinham cenários locais disputados, naufragaram. E mesmo nos Estados onde prevaleciam os grandes clubes brasileiros, os campeonatos locais foram esvaziados e as equipes de menor investimento despencaram. O resultado foi nefasto, porque afetou diretamente a formação em larga escala de jogadores talentosos – e não é à toa que desde 2002 os fora de série desapareceram do futebol brasileiro.

Mais tarde, outros movimentos como a espanholização provocada pela desigualdade nas cotas de TV afetaram a própria Série A.

Hoje, o calendário continua extremamente apertado. Nada mudou nesse sentido. As competições se amontoam, os clubes abandonam as campanhas para focar em uma única. As dívidas se acumulam. E curiosamente, um dos xodós dos torcedores brasileiros é a Copa Libertadores, que tem um formato de grupos e mata-mata que lembra os antigos certames brasileiros.

Durante a semana, à tarde, em qualquer boteco que tenha um aparelho de televisão, torcedores acompanham atentos os jogos da Champions League, também no mesmo formato dos Brasileiros de outrora.

Pensemos no America, no Bangu, na Portuguesa de Desportos, em Guarani e Ponte Preta, em Operário de Campo Grande e Comercial, no Nacional de Manaus e no Rio Negro. Em Sport, Náutico e principalmente o Santa Cruz. Em Tempo, Paysandu e Tuna Luso. No Paraná Clube e até mesmo no Coritiba. No Juventude. No Vitória.

O sonho da Copa União pode ter gerado muitas fortunas pessoais, mas para a maioria dos jogadores e dos clubes brasileiros, parece ter sido uma grande ilusão.

Jan Jongbloed, diferente em tudo (por Paulo-Roberto Andel)

Morreu Jongbloed, um dos poucos goleiros a jogar duas finais de Copas do Mundo. Eu me lembro do Taffarel e do Schumacher.

Sua trajetória foi marcada por fatos inusitados. Por exemplo, não era cotado para ir à Copa de 1974, mas acabou sendo não apenas convocado como titular.

Nos anos 1960, ele já fazia algo que hoje é exigência para um bom goleiro: jogava com os pés. E como o treinador da Holanda era Rinus Michels, diferente pela própria natureza, acabou sentando praça numa das maiores equipes de todos os tempos.

Sua convocação para a Seleção Holandesa parecia tão inesperada que, segundo reza a lenda, estava pescando quando soube que disputaria o Mundial da Alemanha. Aliás, Jongbloed adorava jogar e depois treinar times, mas não era muito ligado em futebol como espectador.

Jogando com a camisa número 8 e sem usar luvas, ressalte-se.

Em 1978 era titular na primeira fase, depois perdeu a posição mas a recuperou a tempo com a contusão de Schrijvers, foi à final e esteve a uma bola na trave do título mundial.

Sendo holandês, em mais de uma ocasião esnobou propostas do Ajax.

Já veterano, viveu a tragédia de ver o filho morto em campo por um raio. E ele mesmo teve um infarto em campo, mas se recuperou a tempo de viver mais quarenta anos.

Nós, garotos de Copacabana, que vivemos o primeiro sonho de uma Copa do Mundo, começamos na Argentina 1978. Curtimos Jongbloed como também Sepp Meyer e, claro, Leão Goleirão – era mesmo.

Como o tempo não perdoa, um dos garotos daquele tempo chora a morte de seu goleiro de botão. É que as feras da infância nunca envelhecem: elas permanecem no imaginário de torcedores que, embora sintam no corpo as marcas do caminho, continuam com dez anos de idade.

Por isso, jamais se esquecem de um time laranja, cheio de malucos que trocavam de posição e um goleiro de camisa amarela, sem luvas e que jogava com os pés.

Ah, sim, um dos poucos a vencer o Brasil numa Copa.

Agarra Jongbloed!

@pauloandel

Táláaaaaaaaaaaa! (por Paulo-Roberto Andel)

Durante anos, uma das vozes marcantes do futebol brasileiro foi ouvida à meia noite de domingo, quando começava na querida e saudosa TVE a reprise do jogo de domingo no Maracanã.

Uma voz clássica, retumbante, de falas pausadas a cada novo jogador que tocasse na bola. Uma explosão quando havia um lance de lperigo para os goleiros. E se o perigo virasse gol sofrido, um segundo de silêncio e uma bomba atômica: TÁLÁAAAAAAAAA! Em seguida, o nome do jogador e, em alguns casos onde o gol havia acontecido numa rebatida na área, cravava: “Numa sinuca maluca!”.

José Cunha, um tremendo locutor esportivo, veio de Minas para o Rio e por aqui ficou. Passou por várias rádios, sentou praça na TV e, fora do futebol, participou do fenômeno popular “O povo na TV”, programa ao vivo na TVS, depois SBT, ao lado de futuros ícones da mídia como Sérgio Mallandro, Wagner Montes, Cristina Rocha, Roberto Jefferson (ele mesmo!), Anna Davies e Wilton Franco.

Cunha foi chefe, mestre e líder de gerações de jornalistas de suas equipes. Muitos profissionais o definiram como uma figura de extrema doçura, generosidade e carisma. Num meio onde vaidades costumam pipocar, ele foi uma unanimidade profissional.

Os garotos de 1979, 1980 e 1981 que escutavam José Cunha nunca mais vão se esquecer dele. A poderosa voz do narrador contou incontáveis partidas recheadas de craques por todo o gramado do inesquecível Maracanã. Com seu TÁLÁAAAAAAA, ele imortalizou grandes lances de Mendonça, Zico, Roberto Dinamite, Edinho, Cláudio Adão e tantas outras feras do futebol daquele tempo de arquibancadas populares, geraldinos ensandecidos e a festa permanente que o Rio desfraldava no maior estádio do mundo.

Sua despedida leva muitos torcedores de agora a se reencontrarem com a juventude, talvez nos melhores momentos de suas vidas. Sua voz é o registro de outro sobre um futebol fascinante, popular e extremamente humano.

Viva José Cunha!

Jabaculê contra a Lusa Carioca (por Wagner Victer)

TENTATIVA DE JABACULE CONTRA A PORTUGUESA NO JOGO DE VOLTA DAS QUARTAS DE FINAL DA SÉRIE D

Há no ar uma tentativa de JABACULÊ contra a Portuguesa no jogo das quartas de finais do Campeonato da Serie D, tentando retirar o jogo do Estádio da Portuguesa na Ilha e levando para Volta Redonda.

Primeiro, há de esclarecer que o estádio Luso-Brasileiro, palco alternativo importante do futebol carioca, que já recebeu jogos até de Sul-americana e dos clubes de maior investimento do Rio de Janeiro, como Flamengo e Botafogo, tem todos os laudos técnicos atualizados do estádio, o que permite que a partida de volta das quartas de final, diante do Caxias-RS, aconteça no local, assim como ocorreu nesta mesma fase em 2022, no confronto entre Portuguesa e Amazonas.

Levar o jogo para Volta Redonda, que fica a 200 quilômetros da Ilha do Governador é vergonhoso, cheira a jabaculê e a CBF está em um movimento estranhíssimo.

O Luso-Brasileiro tem capacidade liberada pelo Corpo de Bombeiros para 5.144 torcedores e pela Polícia Militar do Rio de Janeiro para 4.400 torcedores, o que atende perfeitamente o regulamento previsto pela competição, de capacidade mínima de 4.000.

Não à toa, em 2022, nesta mesma fase, diante do Amazonas FC, a Lusa quebrou um recorde dos últimos anos colocando um público de 4.300 torcedores em seu estádio.

A Portuguesa lutou bastante ao longo de todo o campeonato justamente para ter o direito de decidir todos os jogos em seu estádio. O clube investiu em segurança, conforto e comodidade para os torcedores que comparecem ao estádio. Entregamos hoje um campo com gramado que, sem dúvidas, está entre os melhores de todo o Brasileirão Série D. A iluminação está dentro dos padrões e, inclusive, foi aprovada para um jogo do Brasileirão Série A entre Vasco da Gama e Cuiabá.

É a hora de todos os cariocas, insulanos e torcedores da Lusa se indignarem contra essa manobra.

O histórico Fluminense 1973 (por Paulo-Roberto Andel)

Parece outro dia, faz muito tempo e celebra uma data histórica: em 22 de agosto de 1973, há exatos 50 anos, Fluminense e Flamengo decidiam o Campeonato Carioca daquele ano.

Deu Fluminense com folga: debaixo de uma tempestade, mas jogando pelo empate, o Tricolor abriu 2 a 0, mas o Flamengo conseguiu empatar, para então o Flu liquidar a fatura com mais dois gols.

Há quem diga que boa parte da chuvarada que alagou o Maracanã se deveu a Manfrini, que literalmente fez chover: acabou com o jogo no talento e na raça. E como todo campeão começa com um grande goleiro, Félix defendeu tudo e mostrou mais uma vez porque foi campeão do mundo.

No primeiro tempo só deu Fluminense, mas a vantagem terminou em apenas dois gols. Num Fla x Flu, é pouco para garantir qualquer coisa. No segundo tempo, mexendo no time, o Fla conseguiu reagir e igualar o marcador, mas não havia a força para a virada e aí o Tricolor prevaleceu.

Alguns jogadores daquela noite acabaram vestindo a camisa adversária a seguir. No Flamengo, Renato, Rodrigues Neto e Paulo Cezar Lima viriam a integrar a Máquina Tricolor. No Fluminense, o lateral Toninho Baiano, autor do segundo gol tricolor, faria história na Gávea. E o artilheiro Dionísio, que fechou a goleada, tinha uma longa trajetória no time rubro-negro.

Fora do segundo turno e da decisão por contusão, Gerson finalmente conseguiu ser campeão pelo seu clube de coração. À beira do campo, pela primeira vez Zagallo perdia uma decisão.

Vindo de uma época espetacular no fim dos anos 1960, o Fluminense manteve a trajetória iniciada em 1969, também num título carioca sobre o grande rival da Gávea. Campeão brasileiro em 1970 e Carioca em 1971 – desta vez sobre o Botafogo -, o Flu 1973 é motivo de orgulho para todos os tricolores. Os garotos daquele tempo hoje são cinquentões e sessentões que carregam consigo as memórias de um Maracanã popular, divino e inesquecível. Não há entre eles quem deixe de falar “Naquela noite o Manfrini arrebentou, rapaz”. E para quem achava que a sequência tricolor esmoreceria, depois de um tímido 1974 viria simplesmente a equipe mais emblemática da história do clube, sob a batuta do Maestro Francisco Horta.

A chuva não importa: cinquenta anos depois, o Fla x Flu da final de 1973 ainda pega fogo. É uma brasa, mora?

Sampaio Corrêa no topo (da Redação)

Fundado em 2006, depois de 17 anos de luta, o Sampaio Corrêa Futebol e Esporte conseguiu sua maior glória: ao vencer o Olaria por 3 a 1 neste sábado (18) em Saquarema, tornou-se campeão da Segunda Divisão do Rio de Janeiro, assegurando vaga na elite do futebol carioca para a disputa de 2024. Parabéns gerais.

A grande rampa (por Paulo-Roberto Andel)

Para quem vai ao Maracanã há muito tempo, é certo que muita coisa mudou. O velho estádio setorizado virou uma arena, mas também segmentada e pior, gradeada. Não há vestígios da velha geral, nem do glorioso setor de cadeiras azuis, que já tiveram a cor laranja também.

Sábado passado, para aliviar um pouco das dores da vida, fui assistir Fluminense e Palmeiras. Comprei o ingresso em cima da hora no único local disponível, Leste Superior, que antigamente chamávamos de meio de campo e, mais tarde, de cadeiras brancas. Resolvi fazer um caminho diferente, de muitos anos atrás: saltei no metrô São Cristóvão, indo a pé pelo Cefet e rememorando caminhadas fascinantes com meu pai rumo ao palácio do futebol. Mais policiado do que eu esperava, com pequenos grupos de tricolores rumando para o Maraca, eu fui junto.

Uma saudade: parar bem na esquina e lembrar da antiga bilheteria, onde comprávamos nossos ingressos em 1978 e 1979, também onde garotinhos pediam moedas. Várias vezes meu pai comprou três, quatro ou cinco ingressos e deu para eles, que saíam enlouquecidos para entrar no Maior do Mundo e viver duas horas de sonho. Saudade que ia se repetir mais duas vezes: primeiro, ao lembrar que na entrada da Leste vi Alberto Lazzaroni pela última vez, há uns dois meses, e ele queria doar um ingresso sobressalente. Nos anos 1970 mil garotinhos viriam correndo, mas não conseguimos ninguém. E Alberto foi embora muito antes do justo e razoável. Segundo, bem perto do encontro de Alberto, fica um degrau da escadinha onde eu sentava com meu pai, às vezes uma hora antes dos portões abrirem – ele adorava chegar cedo. Tempos em que o Maracanã era cercado por bancos de praça e vendedores de laranja, a fruta mesmo, mais cara quando descascada.

Ir de Leste Superior, assim como na Oeste, dá direito a uma experiência maravilhosa: subir a rampa original do Maracanã, a imortal, que serve aos torcedores há 73 anos. Dela, eu já aproveitei quase 50. Subo lentamente com meu chinelinho velho e sinto vontade de chorar muitas vezes, porque todos aqueles anos incríveis vêm à tona: a emoção de rever a infância, a sensação de ter meu pai ao lado, espiar às torcidas organizadas vendendo seus produtos nas pilastras, aqueles garotinhos da bilheteria subindo e rindo tão felizes mesmo com roupas rasgadas ou descalços, os senhores carregando suas almofadinhas para aliviar o calor na arquibancada. Subidas com esperança em vitórias maravilhosas que nem sempre vieram, a seguir descidas de cabeça quente ou repletas de vitória.

Dois minutos de subida que valem uma vida. Agora estou sozinho, ninguém me acompanha e o novo Maracanã tem uma pequena rampa anexa para continuar o percurso até a entrada do setor. Para quem viveu muito o Maracanã, um jogo não é só um jogo: há toda uma carga do passado maravilhoso. Então compro meu velho cachorro quente, um mate, vou para a arquibancada e repito um ritual de muitos e muitos anos: olhar para o novo e rever os anos inesquecíveis de minha vida.

O jogo é duro, meu amigo Edgard não pôde vir, o Luciano chegou atrasado e vimos o Fluminense vencer bem. Teve gol de pênalti e gol bonito. Ver o Marcelo tocando a bola e driblando relembra momentos espetaculares do nosso futebol, que eram muito comuns. Tudo é diferente, sem dúvidas, mas tem sabor. Difícil foi ver o Alberto no obituário do telão, é estranho demais porque ele era cheio de vida e, num estalar de dedos, tudo mudou.

Fim de jogo, a torcida do Fluzão sai feliz e confiante, então descemos a rampa e me sinto em berço esplêndido como em nenhum outro lugar. Há mais de 70 anos, quanta gente desceu ali? Quantas vezes houve alegria ou tristeza. Quantas vezes não saímos inebriados com um golaço ou uma jogada inesquecível? Fui feliz ali muitas vezes, mesmo nos piores momentos.

Logo depois do portão, me despeço do Luciano e, à esquerda, está o nosso degrauzinho, meu e do meu pai. É a lembrança, é o que me resta. Tal como na ida, faço a volta diferente e vou a pé para o metrô de São Cristóvão, depois salto no Catete, peço um lanche no Big Néctar e lamento muito que meu amigo Eric não esteja lá para me acompanhar num sanduíche. Ainda vou pegar um táxi para casa. Na terça que vem eu vou de Norte, então não vai ter a emoção da grande rampa, mas espero que se repita em muito breve.

@pauloandel

America, agosto de 2023 (por Paulo-Roberto Andel)

O futebol não é a minha vida, definitivamente (para surpresa de muitos), mas ele é uma parte bastante considerável da minha vida. Talvez a parte mais sonhadora e romântica, ao mesmo tempo que tem todas as mazelas da vida real. À essa altura, o que tento fazer é algo que lembro de uma letra de Renato Russo: viver pequenos momentos divertidos.

Há mais de quarenta anos, quando mal era adolescente, meu sonho era o Maracanã permanente. Lá eu me sentia bem – lá, na praia, em acampamentos e no cinema. Além do Fluzão eu ia ver outros jogos sempre que dava, especialmente do América. Vi quase todo o Torneio dos Campeões e a Taça Rio. Tempos depois, sacaneado pela força da grana covardemente, o America entrou num buraco de onde nunca mais saiu. Primeiro, alijado das competições nacionais e, a seguir, fora da primeira divisão do Rio onde, nos últimos anos, faz uma espécie de gangorra.

Recebi notícias de colegas americanos há pouco. Soube que, ao ser eliminado da fase final da segunda divisão carioca, o America viveu uma situação que beira o inacreditável: torcedores, jogadores e o treinador Alfredo Sampaio promoveram uma briga campal. O fato ocorreu nesta quarta (2/8) em Saquarema, após a derrota para o Sampaio Corrêa por 4 a 3.

Há anos, o America tem verdadeiros tumores dentro de si. Posso falar bem: há dez anos, ofereci meu trabalho para o clube junto com meu sócio, quando fomos ridicularizados por um cidadão que utiliza o codinome de “Professor”. Nosso objetivo era trabalhar com redes sociais e história, criar uma grande rede de apoio ao clube, captar sócios etc. Em pouco mais de uma hora de reunião, o sujeito se propôs a rir das nossas ideias e interromper nossos argumentos, perguntando “Mas que dinheiro você vai trazer para o clube?”. Depois da terceira intervenção grosseira, disse-lhe que fomos lá para oferecer nossa mão de obra e nossas ideias, e que dinheiro se consegue em bancos. Enfim, uma reunião inútil mas que nos serviu de lição e que talvez traduza muito do sofrimento do America: gente que vê o clube e sua história apenas como um banco, mesmo que sob escombros, sugando o que puder até o fim. O final da reunião foi patético: o cidadão pediu meu cartão de visitas e o recomendei a procurar meu nome no Google…

Nestes dez anos, o America já caiu várias vezes, viu sua sede se transformar em ruínas e vive uma agonia de paciente terminal, respirando por aparelhos. Para os garotos dos anos 1980 como eu, é uma derrota pavorosa. A gente tinha nossos times, mas adorava o America, assim como outras agremiações cariocas que vivem à míngua. Para nós, o Diabo era grandão, atrapalhava a gente e especialmente os rivais. Não ganhava mais títulos, mas estava na briga. Quantos de nós, já adultos, estivemos na arquibancada rubra em 2006, pela final da Taça Guanabara contra o Botafogo?

Eu e meu sócio fomos ridicularizados naquele dia da reunião. O “Professor” continua espetado no America. Resta saber que aulas estão sendo dadas no clube. Uma tristeza.

@pauloandel

Brasileirão 2023 x 2012 (por Robertinho Silva)

O Brasileirão de 2012, edição vencida pelo Fluminense, foi um certame marcado por grandes nomes. Muitos craques renomados mundialmente disputaram esta edição. Ronaldinho Gaúcho no Galo, Neymar no Santos, Deco e Fred no Fluminense, Juninho Pernambucano no Vasco, Seedorf no Botafogo, Diego Forlan no Internacional.

O Grêmio tinha Elano e Zé Roberto na meia. O O São Paulo tinha os jovens Lucas Moura e Casemiro. O Timão tinha Paulinho, o Cruzeiro tinha Walter Montillo, o Flamengo tinha Vagner Love, o Palmeiras tinha Marcos Assunção. Grandes nomes que fizeram história no mundo da bola, e que deram um tempero especial ao futebol brasileiro.

A temporada de 2012 foi recheada de grandes partidas. Grandes nomes e equipes que abrilhantaram o espetáculo. Porém, ao longo dos anos, isso foi diminuindo, por fruto de más gestões nos clubes e desequilíbrio econômico.

Vivemos um período de declínio em nível de competitividade. Um Brasileirão de cartas marcadas, onde antes da bola rolar, já sabíamos quem seria o campeão.

Anos depois de ter várias estrelas disputando o campeonato Brasileiro, o cenário se repete. A expectativa para a Série A aumenta cada vez mais, uma vez que grandes nomes que já fizeram história no futebol mundial jogam por aqui.

Temos Marcelo no Fluminense, Luís Suarez no Grêmio, Hulk no Galo, Renato Augusto no Corinthians, Charles Aranguiz e Enner Valência no Inter, Fernandinho no Athlético, Dudu no Palmeiras, Arrascaeta no Flamengo, Tiquinho Soares e Marçal no Botafogo, mais a mais recente contratação James Rodríguez no São Paulo.

É natural que surjam comparações entre 2023 e 2012. Apesar de Palmeiras e Flamengo terem dominado o cenário nacional nos últimos anos, com o Galo quebrando a hegemonia em 2021 vindo logo atrás, é possível se acreditar que o campeonato esteja retomando o equilíbrio técnico.

A chegada de dinheiro novo nos clubes e a mudança de modelo de gestão fazem com que tenhamos elencos mais robustos e grandes nomes, o que fortalece quem deseja desafiar a hegemonia de Verdão e Fla.

A tendência é que tenhamos um campeonato nivelado pra cima na parte técnica, e esses nomes sendo diferencial para as equipes. Óbvio, que vários deles não estão mais no auge da carreira, mas poderemos ver lampejos do que vimos de muitos deles na Europa em solo brasileiro.

Além desses grandes nomes, equipes intermediárias muito bem administradas, que vêm de temporadas sólidas. Equipes que conseguem fazer com que apostas se consolidem no mercado da bola, além de ter um bom trabalho na base.

Elementos muito bons para o futebol brasileiro retomar seu protagonismo.

America e Madureira, Luisinho e Wolney Braune (por Paulo-Roberto Andel)

Acordei com a cara no celular. Ainda meio zonzo, espio e a primeira postagem é da boa página Primos Pobres do Futebol. Opa, tem um vídeo de America e Madureira, vitória por três a zero, disputada no antológico estádio Wolney Braune.

Clico no vídeo e volto mais de quarenta anos no tempo. Dia 30 de agosto de 1981, um sábado à tarde em Vila Isabel ou Andaraí, conforme o gosto do freguês. Até então, o mandante rubro não conquistava um título estadual desde 1960 e não decidia um turno desde a Taça Guanabara de 1975.

Numa partida de maior brilho no segundo tempo, o grande americano foi o artilheiro Luisinho Lemos. Ele fez um golaço em cobrança de falta, que abriu o placar do jogo, chegando a 13 gols no Campeonato Carioca de 1981.

Algumas lembranças admiráveis. Aquela tarde foi gloriosa para os pouco mais de 2.000 americanos presentes. Na preliminar de juniores, o America venceu por impiedosos 5 a 0. No jogo de fundo, além do destaque de Luisinho, a classe do meia Manoel “Português” com excelente qualidade, afora o goleiro Ernâni, o volante Pires (ex-Palmeiras) e o jovem atacante Porto Real.

Será que os torcedores presentes naquele sábado sabiam que o estádio Wolney Braune trazia consigo uma longa história de futebol desde os tempos do Andarahy, depois passando pela Portuguesa, até chegar ao America?

Pelo Carrossel Suburbano, vale lembrar o experiente atacante Jorge Demolidor, com passagens em várias equipes cariocas.

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AMERICA 3 x 0 MADUREIRA
30/08/1981

Local: Wolney Braune (Rio de Janeiro);
Árbitro: Artur Ribeiro Araujo;
Renda: Cr$ 420.800,00;
Público: 2.104;
Gols: Luisinho 36 do 1.º; Lima (contra) 12 e Zé Paulo 42 do 2.°;
Cartão amarelo: Rogério

AMERICA: Ernani, Zé Paulo, Osmar, Heraldo e Alcir; Pires, Nélio e Manuel; João Carlos, Luisinho e Porto Real. Treinador: Marinho Peres

MADUREIRA: Gilson, Ramiro, Ivã, Rogério e Lima; Luis Carlos, Edson (Manfrini) e Tita; Chiquinho, Jorge Demolidor e César. Treinador: Jorge Ferreira

Internacional de Limeira, 1986 (por Paulo-Roberto Andel)

Dia 03 de setembro de 1986. Uma noite inesquecível para o futebol paulista e brasileiro. Depois de um campeonato disputadíssimo e das semifinais, Palmeiras e Internacional de Limeira decidiram o título do Paulistão diante de quase 80 mil pessoas no Morumbi, 90% delas palmeirenses.

O Palmeiras era tido como favorito natural, apesar de estar na fila de conquistas desde 1976. Tinha investido forte para quebrar o jejum, contando com jogadores consagrados como Lino, Jorginho, Edmar, Mirandinha e Éder. O que ninguém sabia era que a Inter, montada sem estrelas mas com ótimos jogadores, iria crescer como nunca para a decisão.

Pensando com mais calma, dava para perceber que o time alvinegro de Limeira não seria vida fácil: tinha feito um excelente segundo turno no campeonato paulista, contava com o excelente treinador Pepe e, nas semifinais, havia deixado o Santos pelo caminho. Definitivamente, a Inter não era favas contadas.

A primeira partida da decisão havia sido um empate sem gols, o que se repetiu no primeiro tempo da partida de volta – ambas no Morumbi, contrariando a ética futebolística. Resignada, a Inter aguentou a injustiça e botou seu bloco na rua. Logo fizeram dois gols, um com o saudoso Kita e outro com o ponta Tato. O placar de 2 a 0 bateu firme no senso comum e silenciou o Morumbi. Mais tarde o Palmeiras descontou com o zagueiro Amarildo de cabeça, após escanteio cobrado por Éder, dando novos tons ao jogo: a Inter recuou, procurando contra-ataques, e o Palmeiras foi desesperadamente em busca do empate. Kita perdeu uma chance com o gol vazio, e no último minuto o Palmeiras desperdiçou numa cabeçada de Mendonça, ídolo do Botafogo.

Pela primeira vez em 84 anos um time do interior paulista conquistava o campeonato estadual. Para muitos, uma infeliz lembrança daquela noite tinha sido a bola mal recuada pelo lateral Denys, provocando o segundo gol da Inter de Limeira, mas o grande jogo do time campeão não pode ser creditado apenas a uma falha do adversário. Lá estavam Gilberto Costa, o veterano zagueiro Bolívar, mais os atacantes Lê e Tato, nomes de respeito do nosso futebol.

A querida e simpática Inter de Limeira realizou uma grande campanha no ano de 1986. Conseguiu uma façanha que, quase quatro décadas depois, ainda é das maiores em nosso futebol.

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INTER DE LIMEIRA 2 x 1 PALMEIRAS

Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo, Morumbi;
Data: 3 de setembro de 1986;
Público: 78.564;
Renda: Cz$ 2.443.660,00;
Árbitro: Dulcídio Vanderlei Boschilia;

Gols: Kita 4’, Tato 8’ e Amarildo 29’ do 2ºT;

Inter de Limeira: Silas; João Luiz, Juarez, Bolívar e Pecos; Manguinha, Gilberto Costa e João Batista (Alves); Tato, Kita e Lê (Carlos Silva). Técnico: Pepe.

Palmeiras: Martorelli; Diogo (Ditinho), Marcio, Amarildo e Denis; Lino (Mendonça), Gerson Caçapa e Jorginho; Mirandinha, Edmar e Eder. Técnico: José Luiz Carbone.

Fluminense 121 (por Paulo-Roberto Andel)

Ainda me lembro do exato momento em que me tornei Fluminense, há 50 anos: meu pai veio me mostrar um álbum de figurinhas da Copa de 1970 e abriu na página da Seleção Brasileira. Apontou e disse: “Esse é o Félix, ele é do Fluminense”. Desde então, essas duas palavras nunca mais saíram da minha memória, Félix e Fluminense. Eu não me apaixonei pelo escudo, pelas cores ou pelas bandeiras, mas pela palavra – e se coincidência não existe, está explicado porque, muitos anos depois, escrevi vários livros sobre o clube.

Cheguei em 1973 e o Flu já tinha uma história maravilhosa. Embora não seja o primeiro clube de futebol do Brasil, foi o pioneiro de tudo: inventou os campeonatos, o estádio, a torcida, o cuidado com a grama – pelo impecável burro Faísca -, o ídolo – e sex symbol – e, por fim, a Seleção Brasileira, para quem forneceu dezenas de jogadores nas Copas do Mundo.

Provando sua vocação suprema para o futebol, o Fluminense logo tratou de ganhar muitos títulos na era do amadorismo. Depois deu um tempo e, quando veio o profissionalismo, montou aquele que provavelmente foi o maior time de sua história, dominando o Rio de Janeiro em fins dos anos 1930 – e se não fosse a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era candidato certo a ganhar o Mundial de 1942 com um escrete tipicamente tricolor. E já que a guerra veio, o Fluminense colaborou com um avião de combate para o Brasil. No fim dos anos 1940, a Taça Olímpica deu ao Flu o título de perfeita organização desportiva. Quando o futebol brasileiro foi reduzido a pó na Copa de 1950, correndo grande risco até de desaparecimento, veio o Fluminense e ganhou o Mundial de Clubes, reacendendo o interesse popular pelo esporte.

Desde então, o Fluminense viveu de tudo, tal como um verdadeiro ator de cinema: ganhou e perdeu grandes títulos, foi condenado à morte com rebaixamentos mas ressuscitou para sempre, teve dezenas de grandes craques, vários perebas, lutou muito e atravessou décadas. Foi às vias de fato, encarando a luta. Time de guerreiros. Tudo isso foi testemunhado pela maravilhosa massa tricolor, muitas vezes imersa na mais apaixonante nuvem de pó de arroz que já se tem notícia. O grande Flu dos clássicos imortais, de times inesquecíveis como a Máquina Tricolor de 1975/17, a mocidade independente de 1980 e o grande grupo tricampeão carioca e campeão. O time do gol de barriga, os campeões da Copa do Brasil em 2007, o vice-campeão da Libertadores em 2008, os dois títulos brasileiros em 2010 e 2012, mais o recente bicampeonato carioca em 2022/23.

O Fluminense é o time dos gols no último grão da ampulheta, das vitórias inacreditáveis, dos heróis improváveis. É o time da playboyzada que não se limita aos bairros nobres – é muito mais um estilo do que qualquer outra coisa. O time das garotas mais bonitas de todos os tempos, não importando se têm 18, 27, 42 ou 66 anos. O time que, por sua longa trajetória, já irritou e contrariou as redações e estúdios de boa parte da imprensa convencional. De Waterman a Welfare, depois passando por Batatais e Romeu, Rivellino e Edinho, Assis e Washington, Renato e Romário, até agora desembocar em Arias e Cano, o Tricolor é sonho, realidade, drama, conquista e emoção, tudo isso envolto em três cores que contam a história do futebol brasileiro há 121 anos.

@pauloandel @p.r.andel

Uma breve história sobre futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Há quem diga que o futebol é bobagem. Santa insensibilidade: se não fosse o futebol, o mundo seria muito pior porque, para centenas de milhões de pessoas, ele é a única chance de alegria em meio a um monte de ódio, opressão e covardia. Hoje à tarde, conversando com Raul, lembramos que o velho Maracanã era o único espaço de real convivência democrática da cidade entre ricos e pobres, abraçados nos gols e chorosos nas derrotas. Em muito menor escala, eu só consegui viver o mesmo no grupo de escoteiros: todos acampávamos com ou sem dinheiro, fazíamos vaquinha, apertávamos a comida, o ônibus mais barato. No grupo éramos uns setenta; no Maracanã, cem mil. Quantas vezes o futebol me salvou? Não sei dizer. Quando meu pai chegava derrotado e violento por causa da bebida, eu corria para o 434, ia para a geral e chorava vendo um jogo. Noutras vezes, eu ficava no corredor da arquibancada olhando a UERJ e sonhando em estudar lá. Noutras vezes eu ia porque era o único lugar em que, tão solitário, eu não me sentia sozinho. Foi assim muitas vezes. Sem o futebol, a depressão teria me vencido, eu teria executado o suicídio que iniciei e teria sido um desperdício, porque escrevi muitas coisas legais a seguir, o que eu não faria morto por motivos óbvios. O futebol me deu a ilusão de um monte de amigos juntos, caso da arquibancada; me deu sonhos em jogos e lances inesquecíveis; preparou meu espírito para saber encarar as derrotas. O futebol me deu muitos colegas, com quem interagi e trabalhei muitas vezes. Por exemplo, nesse domingo há 28 anos o meu time ganhou um dos maiores jogos de todos os tempos, com um gol de barriga. Naquele ano quase tudo deu errado pra mim, mas o campeonato valeu muito a pena. Muitos anos depois, foi o futebol que permitiu minha estreia em livro e, por gratidão, escrevi um monte de livros sobre o tema, vários ainda inéditos. Por causa do futebol vivi admirações, paixões e conheci minha esposa. Também conheci pessoas do Brasil inteiro, com quem converso sempre que posso – algumas colaboram com o meu site. O futebol só não me ofereceu mais abraços do que minha mãe. Você conhece ou segue um artista, acaba gostando mais dele quando é um entusiasta do futebol. Ele me faz esquecer as dores no corpo, a minha tragédia pessoal, a melancolia cotidiana. Por uma hora e meia, mesmo que o jogo não seja bom eu tenho meu pequenino momento de felicidade. Tanto faz se é uma partida importante ou esdrúxula – o jogo começa, eu volto a ter dez anos de idade e meu olhar persegue a bolinha na tela da televisão. Ah, se não fosse o futebol, como eu teria conversado com a Bibi Ferreira, o Gilberto Gil e a Letícia Spiller? E a Maria Bethânia? E o Italo Rossi? E como eu ia suportar o mundo agora, que me humilha todo dia enquanto sinto dores pelo corpo e choro por tanta gente humilhada feito eu? É domingo à noite, tudo parece perdido, tenho vontade de desistir mas penso na terça-feira, tudo pode ser diferente e surgir pelo menos uma luzinha no fim do túnel. Pode ser que eu não tenha um único amigo, pode ser que eu não consiga vender e está tudo perdido, mas a terça-feira me serve de esperança. Vou pensar no jogo, vou conversar com colegas para chegar logo o horário da partida. Agora é uma noite melancólica como todas de domingo, onde esperamos ótimas semanas que nunca, mas nunca chegam – ao menos para mim -, só que eu carrego comigo o futebol, a minha esmolinha, os meus botões que minha mãe comprou com tanto sacrifício, as histórias que vi e escrevi, as histórias que ainda preciso contar quando era garoto e, na Copacabana de orla escura, chutava a bola na areia com os colegas mesmo sem vê-la direito, nem o goleiro e o gol – assim como só nos resta viver, nos campos da praia só nos restava jogar, pouco importando se a bola iria para a direção correta, ou se um gomo da bola estivesse soltando. Aqui falo de quarenta ou quarenta e cinco anos atrás, que foram há um susto porque tudo é brevidade, mas a bola na praia, na vila, no playground do Gordinho e mesmo no Maracanã – meu pai me levou para ver não apenas o Fluminense, mas o America, o Bangu e até o Campo Grande, todos contra o Flamengo – eram tudo uma coisa só: um pequeno suspiro de felicidade.

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Uma rua sem nome (por Paulo-Roberto Andel)

Pode não ter sido o primeiro jogo que fui, mas é o primeiro jogo que me lembro de ter ido ao Maracanã. Foi em 1974, quando eu tinha cinco para seis anos de idade.

Eu não me lembro de nada da partida, mas do campo vazio quando o jogo acabou. Era noite, muito provavelmente de domingo.

Quando olhei o placar, tenho quase certeza de que foi um zero a zero. O Fluminense contra alguém, lógico.

Achei os degraus da arquibancada muito altos. Claro, eu era pequenininho, minhas pernas eram bem pequenas. Aí meu pai veio me dar a mão e desci para o túnel de acesso, bem escuro e estreito. Parecia uma aventura secreta por trinta segundos.

Então vinha a saída pelo corredor do Maracanã. Não era um jogo de muito público. Várias pessoas caminhavam na mesma direção que nós, outras vinham no sentido contrário. E um certo silêncio prevalecia dos dois lados, o que reforça minha impressão de empate.

Andávamos tranquilos, eu e meu pai de mãos dadas. Não me recordo de outro pai e filho por ali, não feito a gente. Éramos únicos.

Para mim, aquele corredor que levava à grande rampa de saída, imensa, gigantesca para mim, era como se fosse uma rua. Uma rua de futebol, com as pessoas indo e vindo depois de um jogo.

Depois da descida, havia carroças de cachorro quente com vários fregueses, e vendedores de laranja oferecendo uma promoção. Em frente ao portão do Maracanã, tinha uma grande estrutura de concreto, bem grande, com peças vazadas que me lembravam um palito plástico de picolé Chicabon.

E então pegávamos o trem para a Central e, de lá, o ônibus 154 para Copacabana, que nos deixava na porta de casa na rua Santa Clara.

Essa é uma lembrança de 1974, prestes a completar 50 anos. Infelizmente, meu pai não está mais aqui para me dar a mão e ninguém mais dará. Muito tempo se passou. O Maracanã agora é outro, super outro.

De toda forma, eu ainda procuro o túnel escuro e ínfimo, ainda espio a rua sem nome cheia de gente indo e vindo, todos ansiosos pelo próximo encontro, o próximo domingo no Maracanã, os altos degraus da arquibancada.

É que cinquenta anos não são nada diante do sonho de uma criança, descobrindo seu lugar preferido no mundo.

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Tiro de meta (por Paulo-Roberto Andel)

(publicado originalmente em 2002 na Usina de Letras)

Fiquei observando a televisão ligada de forma ocasional. Era um jogo de bola, desses de garotos pelos quais ninguém dá nada ainda e, quando ninguém espera, oferece jogadores para ainda manter viva a chama do nosso futebol, tão combalido nos dias atuais.

Partida num estádio do interior, transmitida pela rede pública, reprisada de madrugada, o jogo correndo enquanto paralelamente eu lia jornais.

Interrompi a leitura por um instante, fitei a tela e me deparei com um tiro de meta.

Era uma jogada qualquer?

Naquele momento, o único ser vivo na tela focada à grande distância era o goleiro, um solitário goleiro com a responsabilidade de reconduzir o jogo carente de torcedores, repórteres e outros participantes – imagem que permaneceu por muitos segundos, dado um bloqueio momentâneo na transmissão.

Eis que a tela da televisão me pareceu um grande quadro, uma monumental aquarela, com aquele solitário menino estático a observar a bola e pensar em como iria chutá-la, para onde e com que força, tudo cercado pelo silêncio do estádio vazio. Mais segundos, mais silêncio, mais solidão do goleiro na tela como se ninguém mais estivesse no estádio a apreciar sua intenção, exceto eu.

Quando se pensa em futebol, é certo que muitos imaginam de imediato o grande gol, a jogada mirabolante, o passe apurado, o domínio com categoria, o drama do pênalti. O tiro de meta, meus amigos, é um importante momento marginalizado: difícil a sua consecução terminar em algum dos lances anteriormente descritos. Entretanto, não sei se pela solidão a mais ou alegria de menos, pus-me a contemplar aquela imagem congelada como um princípio de esperança – era um tiro de meta, amigos.

Naquele chute, naquela cobrança, é possível identificar até um cotidiano de nossas vidas: é do tiro de meta, após uma interrupção, que o jogo recomeça. Ali tracei na memória uma relação com minha própria vida, machucada por infortúnios que deviam sair por uma imaginária linha de fundo, representados por uma bola.

A vida, ávida por si própria, voltaria após um breve intervalo a ser vivida, tão logo fosse trocada a bola por outra e a devida reposição pelo tiro de meta seria um recobrar de ânimo, um renascer das cinzas, um poente a abafar a tempestade – talvez seja este o significado da expressão popular “bola pra frente”, não vinda de um lançamento primoroso mas sim do desprezado e esquecido tiro de meta.

Talvez disso venha a razão do futebol ser tão apaixonante e cobiçado por gente de todo o mundo. No jogo, podemos encontrar relações diretas com nosso viver através da vida e morte: a derrota pelo gol sofrido e a alegria pelo tento marcado; a beleza da jogada articulada e a besteira da bola perdida; a pressão que não derrota através do chute que vai pela linha de fundo e o recomeçar pelo tiro de meta.

É preciso entender a força, o vigor e a esperança que um tiro de meta é capaz de mostrar. É preciso notar a perspectiva que um tiro de meta pode trazer a um jogo de bola, tão preciso quanto um recomeçar na vida depois de uma derrota circunstancial.

Num súbito, a imagem voltou à tela. O goleiro continuou solitário na TV, desferiu o chute e a bola foi para o meio de campo, com vários jovens a disputá-la numa outra imagem. O estádio continuava vazio e é possível que eu fosse um dos poucos telespectadores na reprise.

Depois do revés, o jogo recomeçou tal qual minha vida faz e fará após um desânimo breve, marcante porém passageiro. A vida continua, a partida também.

O botão (por Paulo-Roberto Andel)

Perto da cabeceira da cama, encontro um botão do Flu.

Basta um segundo e o futebol dá mil voltas na minha cabeça.

O botão tem vida própria, muito além da mesa de jogo. Ele te leva ao Maracanã, a São Januário, ao Andaraí.

Um gol de Robertinho, de Parraro, de Cano ou até um inédito de Alexandre Jesus.

O botão navega pela grande nuvem de pó de arroz na arquibancada. Abre um bandeirão gigantesco. Vira um super-herói como Ézio, ou viaja 60 anos no tempo para incorporar Waldo, 80 para Romeu Pelicciari ou ainda um século para reviver Welfare, o tanque tricolor.

O sonho que um botão proporciona pode virar cena de cinema dos aspirantes, com um golaço de ninguém menos do que Paulo Cezar Saraceni, fera tricolor que deixou os gramados para mergulhar em câmeras e ação. E torcendo pelo amigo, Mário Carneiro testemunharia o grande gol da geral.

Um botão do Fluminense para atravessar o tempo, recordar histórias maravilhosas e outras terríveis, porque a vida é imperfeita.

Ah, o botão: ele pode ser Telê Santana, Brant, Jair Marinho ou Doval. Pode ser Preguinho, Pinheiro ou Cléber, pode ser Vander Luiz ou Ângelo.

O botão, em campo ou sob simples admiração, é uma vida. Ele é o futebol em riste, a alegria, a saudade.

A saudade.

Um Kichute há 2.200 domingos (por Paulo-Roberto Andel)

(Lembrança de uma noite de 1979)

Domingo, fim de noite, meus pais estão dormindo e estou vendo a TV com o som bem baixinho para não acordá-los. Estou esperando os Gols do Fantástico para dormir.

Tenho um plano grandioso para esta semana, que vai exigir um sacrifício. Se eu não comprar nenhum botão, nenhum pacote de Futebol Cards e economizar o dinheiro dos lanches de terça a sexta-feira, finalmente vou poder comprar meu Kichute. Imagina poder jogar com ele já no fim de semana na vila? É um sonho.

Há muito tempo eu vejo o Kichute na vitrine da Casa Orensana, que fica aqui perto, aos pés da Ladeira dos Tabajaras. Ele é muito bonito. Só de colocar nos pés, você se sente um jogador de futebol de verdade. Eu não coloquei ainda, mas tenho certeza disso. A gente sente. Mal vejo a hora de estrear. Quando vejo a propaganda na TV ou nas revistas, me sinto o Edinho em campo, ou o Miranda. Ou um becão que nem Abel ou Rondinelli.

Quando você olha o Kichute de lado na vitrine, ele tem as travas iguaizinhas às da chuteira, e é todo preto também. Já pensou se tivesse uma mágica em que, ao calçar o Kichute você vá parar no túnel do vestiário do Maracanã, pronto para subir a escada e ver a multidão soltando fogos, enquanto chega ao gramado? Meu coração bate mais forte só de pensar nisso.

Eu sei que não vai ser fácil ficar uma semana sem lanche nem Futebol Cards, também sem nenhum reforço para o meu time de botão, mas eu não posso perder essa oportunidade. Jogar de Kichute é igual a aparecer nos gols do Fantástico ou na reprise da TVE, ou ainda no Bola na Mesa da Bandeirantes – Paulo Stein, Márcio Guedes, Alberto Léo e José Roberto Tedesco, está certinho?

E se o Kichute me fizer jogar no Maracanã e fazer um gol? Meu Deus, não sei o que dizer. Chega logo, sexta-feira, para eu comprar na Orensana. É a hora de virar um craque! Meu pai vai ficar bem orgulhoso de mim.

@pauloandel

Onde está aquele garoto da foto? (por Paulo-Roberto Andel)

Graças à internet, qualquer torcedor pode se divertir e até mesmo com uma quantidade incomensurável de fotos e pôsteres de times de futebol, em todo o mundo. Não é diferente no Brasil, nem no Rio.

Imagine o Maracanã. Quanta gente já jogou ali? São nomes, nomes e nomes. Muitos foram conhecidos e consagrados, outros nem tanto, alguns simplesmente não foram. E quem jogou no maior estádio do mundo num único dia ou noite? Times do interior, times de outros estados, times de menor investimento. Cada um a seu modo, eles viveram a experiência fantástica de subir as escadas dos velhos e maravilhosos túneis do mesmo jeito que Pelé e Garrincha.

Volta e meia me deparo com uma foto de time no Maraca, vejo os jogadores e, se for dos anos 1970 em diante, tenho familiaridade porque tenho sido um torcedor. É um mergulho maravilhoso ao recordar nomes e rostos de jogadores que vi quando criança, ou li nos jornais e na fabulosa Revista Placar. Para a humanidade, 40 anos não são nada, mas para a vida individual é muita coisa, são muitas lembranças. Onde foi parar fulano? E beltrano que morreu? Sicrano mudou para o interior?

Há um tipo de foto que me comove ainda mais: a dos times de juniores, à época chamados de juvenis. Em cada uma delas, você encontra ao menos um jogador conhecido e até mesmo um craque consagrado, ali registrado como um menino desconhecido. Agora, em sua maioria, as imagens mostram jovens que, tão perto do sonho da bola, simplesmente desapareceram e sequer defenderam suas equipes profissionalmente. Nomes desconhecidos, rostos sem identificação. O que foi feito de cada um deles? Muitos jogaram para mais de cem mil torcedores em preliminares dos clássicos, mas não chegaram ao topo da carreira. Outros eram grandes promessas que ficaram pelo caminho. O que será que aconteceu?

Em tempos difíceis, onde o futebol brasileiro está sendo posto à prova pelo escândalo que envolve jogadores e apostas, o que será que pensa aquele senhor maduro que, há quarenta anos, vivia o sonho juvenil do futebol no Maracanã que jamais se tornou uma realidade profissional?

Onde está aquele garoto da foto, além das vagas lembranças da nossa meninice?

Duas décadas vascaínas de glória (por Paulo-Roberto Andel)

Se nas últimas temporadas, os resultados no campo não atendem à expectativa histórica do Vasco da Gama, vale a pena lembrar de uma época maravilhosa do clube, testemunhada pelos torcedores com mais de 50 anos de idade neste 2023: o período entre 1980 e 2000.

Durante as duas décadas em questão, o Vasco não apenas conquistou títulos muito importantes, mas viu sua camisa vestir inúmeros craques aliados a uma trajetória extremamente competitiva.

Nos anos de 1980, 1981, 1982, 1984, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 1992, 1994, 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000, o Vasco cumpriu temporadas de protagonismo, decidindo títulos em todas as instâncias. Três dos seus quatro títulos brasileiros estão compreendidos neste período, além da conquista da Taça Libertadores de 1998, a Copa Mercosul de 2000 e os dois vice-campeonatos mundiais, em 1998 e 2000. Dentro das grandes praças do futebol, poucas equipes do mundo decidiram tantas competições em 20 temporadas ou aproximadamente falando.

Na primeira metade dos anos 1980, os vascaínos vibraram com jogadores como Guina, Dudu, Wilsinho, Pedrinho Vicençote, Pintinho, Paulo Cézar Lima, César, Arturzinho, Mário, Cláudio Adão, Geovani, Pires, Mário, o saudoso Daniel Gonzalez, dentre outros. Na segunda metade, Acácio, Paulo Roberto, Lira, Mauricinho, Dunga, Tita, Mazinho, Sorato, William, Vivinho, Romário, Bebeto e Bismarck. Nas duas fases, o maior ídolo do clube, Roberto Dinamite.

Já nos anos 1990, marcados pelo primeiro tricampeonato carioca do clube, as conquistas nacionais e internacionais, o Vasco mesclou revelações do clube com grandes contratações. Alguns nomes: Carlos Germano, Torres, Ricardo Rocha, Gian, Yan, Valdir Bigode, Leandro, Carlos Alberto Dias, Luisinho, o saudoso Dener, Edmundo, Luizão, Viola, Valber, Donizete, Juninho Pernambucano, Juninho Paulista, Jorginho, Ramon, Mauro Galvão, Felipe, Helton, Pedrinho, Euller, além da volta de Romário.

Treinadores como Antônio Lopes, Nelsinho Rosa, Joel Santana, Jair Pereira, Edu Coimbra e Abel Braga conquistaram taças e títulos para o Vasco em vinte anos onde o clube foi um verdadeiro caçador de títulos em todas as esferas. Setores indecorosos da imprensa esportiva tentaram diminuir a trajetória do clube, com a pecha de vice-campeão, injustiça que o tempo tratou de apagar. O que ficou foi a memória de um Vasco protagonista, que perdeu mas também ganhou várias finais, que fez história em jogos abarrotados no Maracanã e em São Januário e que, por fim, teve entre 1980 e 2000 uma lista imensa de jogadores com destaque permanente na galeria vitoriosa do clube.

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Ainda sobre o Fla x Flu (por Paulo-Roberto Andel)

Racionalizando todo o processo, aí está uma parada bem difícil para o Tricolor. Em qualquer decisão, a diferença de dois gols é significativa. Contudo, só até a bola rolar; depois disso, o favoritismo precisa ser comprovado em campo. E se os fatos atuais comprometem a esperança, como a possível escalação do Flu, a história está recheada de superações tricolores que beiram o inacreditável – mesmo!

Por exemplo, fazer três gols no São Paulo tricampeão mundial em 2008 era uma tremenda façanha. Aconteceu. Muita gente não lembra que, para chegar às semifinais do Campeonato Brasileiro de 1991, o Fluminense precisava ganhar os último cinco jogos, perdendo zero pontos – e conseguiu. Nem tão longe assim, lembram do drama de 2010 no Brasileirão? Faturamos no último jogo, na luta. E lá longe, pra gente ganhar de 3 a 0 com o camisa 10 deles perdendo pênalti, em 1979, foi um suor que nunca mais esqueci. Quem se lembra do golaço do Cristóvão? E do Fla x Flu da Lagoa em 1941?

Do outro lado, está o grande rival, que tem vantagem considerável e que não perde um título por três gols de diferença há quase 60 anos.

É fácil? Claro que não. É difícil paca? Sim. É impossível? Não. Eles têm a vantagem que a gente tinha ano passado e confirmou.

Mesmo depois de ter visto a apoteose de Assis, sempre preferi o lado mais sóbrio da coisa, só que futebol vai além disso, muito além, felizmente. Tem magia, crença, passado. Todos os cadáveres vitoriosos querem entrar em campo para decidir. Todos os admiráveis mortos querem torcer feito nunca nas arquibancadas e na geral, também mortas, mas todo mundo vai lá. Um clássico decisivo nunca se resume à obviedade do momento, ainda que ela tenha naturalmente muito peso e não se possa desprezar a ciência.

Falando sobre sobriedade: eu tinha 26 anos, muitos títulos e uma seca monumental no colo quando veio a decisão de 1995. Lembro daquele dia com detalhes. O tempo, a chuva, meu ceticismo. Mas aí fizemos um primeiro tempo devastador e poderíamos ter feito 5 a 0, mas só fizemos dois gols. Na segunda etapa, o Maracanã viveu a tarde mais gloriosa de sua história e o rival, acuado o tempo inteiro, acertou uma bola no travessão, fez dois gols, incendiou sua torcida e tudo, absolutamente TUDO dizia que ia virar a partida, até porque tinha um homem a mais em campo.

Quando eles empataram, boa parte do Maracanã tricolor foi embora. Àquela altura, já era demais esperar pelo desfecho que acabaria acontecendo. Eu, anônimo, formiguinha na multidão, poderia ter ido embora também mas simplesmente não me movimentei. Não acreditava nem desacreditava; na verdade eu estava em choque pelo empate, porque havíamos jogado muito melhor e pusemos tudo a perder em cinco ou sete minutos. E lá fiquei, meio que por osmose.

Foi a decisão mais acertada de toda a minha vida. Aconteceu o apoteótico gol de barriga e, sinceramente, aquilo só se vive uma vez. Fui um dos poucos tricolores a ver tudo aquilo de perto – muitos outros que já tinham saído, voltaram a tempo e viveram experiências ímpares nas rampas do Maracanã. Eu vi gente chorando, vi um senhor de joelhos agradecendo a Deus, vi gente abraçada rolando pelas arquibancadas enlameadas. Anos mais tarde, escrevi três livros sobre aquele dia e aquele campeonato, mas considero que ainda falta alguma coisa.

Por isso tudo, perdi o direito de não acreditar. Mesmo quando tudo parece perdido – longe de ser o caso deste domingo -, eu desejo acreditar. Mesmo quando perebas inacreditáveis estão em campo, eu consigo acreditar. Mesmo quando o time é mais fraco – que também não é o caso de agora -, mesmo quando a política é uma farsa. Em mais de 120 anos, o Fluminense resistiu a um milhão de jogadores, treinadores, dirigentes e até torcedores ruins, feito esses que querem c@g@r regra sobre o que o outro deve sentir ou achar. A camisa já ganhou títulos que fizeram Deus coçar o queixo com as pontas dos dedos da mão.

Por favor, me entendam, não é fuga da realidade – nenhuma! – mas o breve sentimento de quem já viu muita coisa mesmo.

Já se passaram quase trinta anos daquele gol de barriga. O mundo mudou, o Maracanã também. Tudo mudou. Escalação é coisa muito séria para uma decisão e acho que Fernando Diniz deveria pensar nisso. Não se ganha um título só com as glórias e superações do passado, de jeito nenhum. Com o rival que temos, precisamos entrar com voo rasante em campo. Não há outra saída, mesmo com a possível escalação extraterrestre.

Agora, se abrir a cortina do passado é bom presságio, importante dizer: não são nem nove da manhã, está chovendo paca e o Fluminense não vive só de 1995. Tem 1973 também, debaixo de uma chuvarada, recentemente relembrada em livro.

Para muitos, agora é rezar. Eu vou com o patrono Chico Buarque: “minha cabeça rolando no Maracanã”.

Estão rolando os dados. Vamos ver no que dá. De toda forma, entendo que você não acredite por mais de uma razão. Entendo e respeito. Eu é que perdi o direito de não acreditar, compreende?

@pauloandel

O campeonato mais difícil do mundo? (por Robertinho Silva)

Daqui a alguns dias daremos início a mais uma edição do Campeonato Brasileiro. Em 2023, comemora-se 20 anos do sistema de pontos corridos no Brasil. Mas será que temos algo a comemorar?

Em homenagem ao 1° de abril, vamos relembrar algumas das maiores mentiras do futebol brasileiro, que são diariamente fomentadas pela “clarividente” imprensa esportiva.

1- Campeonato mais equilibrado e disputado do mundo com, pelo menos 10 equipes favoritas ao título. Pois bem, vejamos:

Quem acompanha os bastidores do futebol brasileiro, sabe bem que após a destituição do Clube dos 13, a divisão de cotas se transformou. Um projeto de hierarquização artificial denominado “eapanholização” foi elaborado, e hoje funciona a todo o vapor.

Limitamos a disputa a apenas dois ou três clubes, enquanto o restante luta pelas migalhas que caem da mesa, se limitando a brigar por vagas ou a permanência, ou quem sabe, ter uma sorte nas Copas. Perdemos em competitividade, perdemos em abrangência.

Ao contrário do ecossistema europeu, onde se tem quatro clubes grandes por país, e no máximo cinco clubes de médio porte, no Brasil acontece o oposto. Tínhamos os ditos 12 grandes, e cerca de ao menos 20 clubes médios. Com a diminuição do número de participantes, mais a disparidade nas receitas, os clubes de médio porte precisaram conviver com acessos e descensos constantes, o que dificulta qualquer tipo de planejamento.

2- O sucesso é fruto de projeto de grande gestão:

O discurso de gestão inteligente é repetido exaustivamente na imprensa esportiva para justificar o duopólio do Campeonato Brasileiro. É óbvio que a administração dos recursos importa, mas o dinheiro importa muito mais.

Se o problema fosse tão somente a gestão, Ceará, Fortaleza, América Mineiro seriam potências. São bem organizados e possuem eficiência administrativa em vários setores, mas têm receitas de direitos de transmissão muito inferiores àquelas dos adversários. Avaliar uma gestão nessas condições exige a elaboração de critérios um pouco mais sofisticados. Esses clubes não lutarão por títulos porque a disparidade financeira basicamente inviabiliza a competitividade. Duas ou três décadas de contas organizadas serão incapazes de alterar isso substancialmente.

Do outro lado, na ponta da pirâmide, temos o Flamengo e o Corinthians, que sozinhos concentram 24% dos direitos de transmissão. Um campeonato que já começa com times ganhando 20 vezes mais que outros, já começa praticamente decidido.

O futebol brasileiro precisa se reinventar. Hoje, somos a Série D do futebol mundial. Perdemos para a Segunda Divisão Alemã em média de público… perdemos, aliás, em média de público pra um país onde football é outra coisa. O mundo hoje se interessa muito mais pela Segunda Divisão Inglesa ou Espanhola do que pelo Brasileirão. E isso não se deve ao poder econômico, como muitos insistem em dizer. Sul-americana? Libertadores? Isso ainda faz sentido na nossa aldeia.

Por exemplo, nos últimos 10 mundiais de clubes, o futebol brasileiro ficou de fora de cinco finais. Se estendermos pra nível Sul-americano, aumenta para sete. Isso não é “papo de colonizado”. É simplesmente constatar o óbvio. África, Ásia, Oriente Médio, América Central, escolas que em outrora eram marginais, evoluíram. O Japão foi pioneiro, le mais recentemente veio a explosão dos mercados chinês e árabe, muitas vezes levando nossas revelações direto pra lá.

Falando de seleção, o Brasil chega a próxima Copa com 24 anos de jejum. Dos últimos oito finalistas de Copa do Mundo, sete europeus e apenas a Argentina em 2014 e 2022. Há 15 anos, o Brasil não tem um jogador eleito o melhor do mundo.

Até o início dos anos 2000, os times brasileiros eram extremamente competitivos. Muitas vezes superavam os europeus na raça. Mas, hoje, é hora da famosa autocrítica. Estamos habituados a perder. Estamos nos contentando com o simples fato de jogar de igual para igual.

Quem se interessa por um campeonato onde temos mais tempo de bola parada que bola em jogo? Quem se interessa em ir pro estádio ver jogador simulando contusão, saindo de maca e “milagrosamente” se levantando pra voltar ao gramado? Quem vai continuar se interessando por um campeonato onde dois ou três times detêm mais da metade das cotas de TV de todo o campeonato? Quantos outros 7 a 1 em casa ou Mazembes, Casablancas, Tigres e Al-Ahlys teremos que passar pra aprender?

Pronto… agora podemos voltar à nossa aldeia.

O jogo que nunca termina (por Paulo-Roberto Andel)

Vem aí mais um Fla x Flu. Na verdade dois, pela decisão do Campeonato Carioca de 2023, nos próximos dois finais de semana.

Para o maior cronista do futebol brasileiro em todos os tempos, Nelson Rodrigues, o grande clássico inventou a multidão quando o Rio de Janeiro era uma cidade triste, de ruas vazias. Assim foi em muitos jogos eletrizantes na rua Paissandu e no Estádio das Laranjeiras, depois na Gávea e finalmente no Maracanã, seu habitat natural desde 1950. E como o Fla x Flu envolve até as relações familiares, Nelson Rodrigues tinha um grande cronista rival dentro da própria casa: Mário Filho.

Muita coisa mudou, para não dizer tudo: os próprios Rio de Janeiro e Maracanã, hoje muito diferentes de outrora. O Fla x Flu, que facilmente levava 140 ou 120 mil pessoas às arquibancadas, cadeiras e geral, hoje não passa de 70 mil até porque o estádio não disponibiliza todos os ingressos. Mesmo assim, estará lotado pelo contraste das cores e gritos. Todos os bares, biroscas e congêneres estarão cheios de olhinhos atentos à TV, suspirando por jogadas que, de alguma forma, celebrem o futebol de Romeu Pelicciari, Dida, Waldo, Silva, Rivellino, Zico, Ézio e tantas outras feras que escreveram a história desse clássico imortal, único no mundo pela quantidade de gente que já levou ao campo e também porque é o único nascido de uma cisão no ventre: o futebol rubro-negro nasceu de uma dissidência dentro da casa tricolor, como se sabe.

Os homens de 55 anos carregam para sempre os Fla x Flus abarrotados no fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Só nesse pequeno intervalo, jogos antológicos tiveram a assinatura eterna de nomes como Cristóvão, Tita, Paulo Goulart, Luiz Fumanchu, Lico, Nunes (para os dois lados) e, claro, Assis, dentre outros. Já os de 65 primaveras vão se lembrar de Félix, Samarone, Paulo Henrique, Fio Maravilha, Flávio Minuano e grande elenco. Os nonagenários viram tudo que aconteceu no grande Fla x Flu de 1941. E quem já não está mais aqui viu o clássico nascer em 1912. Mas será que não está? Quando o Fla x Flu acontece no Maracanã cheio, parece que tem um milhão de pessoas presentes, entre gente viva e morta, gente que persegue o combate entre as duas camisas para sempre. Parece que todo mundo abraça o Fla x Flu pela eternidade.

Nos últimos anos, Pedro e Gabigol, Cano e até o incrivelmente subestimado John Kennedy têm dado as cartas. A partir do próximo sábado, começará a ser escrito mais um capítulo de um livro infinito, o do jogo que nunca termina. Homens, mulheres e crianças vão gritar, sofrer, rir, chorar, sonhar e registrar momentos que serão carregados para sempre. Seja ao vivo no calor infernal do Maracanã, num restaurante sofisticado com telão ou numa sala de plantão profissional, o Fla x Flu prevalecerá. Pode ser também no radinho humílimo de um trabalhador à portaria ou num trem. Quem sabe numa mesa de botão Estrelão e seus craques de acrílico, ou numa mesa de totó num boteco metropolitano? Ou no futebol de preguinho?

As cores, os gritos, as bandeiras, os contrastes e a velha cisão de 111 anos batem seus tambores como nunca. É Fla x Flu, decisão, literatura e dramaturgia.

O tricolor e o flamenguista andam lado a lado, feito o leão e o tigre numa calçada de Nova York no texto inconfundível de Tom Wolfe. É toda a eternidade que parece ter sido escrita no frescor de ontem.

CRB, Operário, as letrinhas e o goleiro Quebrangulo (por Paulo-Roberto Andel)

Dez para as quatro da manhã. Acordo e percebo que não desliguei a TV. A grama não deixa dúvidas: tem futebol no bom e velho videotape. A maravilhosa Copa do Brasil, o campeonato que mais gosto de ver. Muita coisa no futebol piorou com o tempo, mas se tem algo bom hoje em dia é poder ver todos os times, seja pela TV ou internet.

De cara, reconheço o CRB e levo algum tempinho para identificar o Operário de Mato Grosso do Sul. O jogo está corrido, parece disputado. Aí é que olho para o alto esquerdo da tela e descubro que o alvirrubro alagoano está disparando uma goleada: CRB 5 a 0. Casa cheia.

O comentarista acaba falando do grande rival nas Alagoas, o CSA, que está de fora da fase final do certame local. Alagoas, a terra do time das letrinhas: CRB, CSA, CSE, ASA. Como era bom ler o Tabelão da revista Placar com as súmulas dos jogos e até os escudinhos para os jogos de botão.

Falando em CSE, vem um nome inesquecível da minha juventude: o goleiro Quebrangulo, que chegou a ganhar prêmio no Fantástico por sua atuação, e que infelizmente morreu afogado. Além dos campos, houve também uma situação heróica de Quebrangulo salvando pessoas, não me lembro ao certo se foi na ocasião da morte ou antes. Bom, em sua cidade local existe o garboso Estádio Goleiro Quebrangulo.

O CRB, alvirrubro, joga com números pretos na camisa listrada. De onde será que vem o preto? Antigamente o Atlético Mineiro jogava com números vermelhos em sua camisa alvinegra. Noutras ocasiões, trocava o vermelho pelo amarelo. E falando em Atlético, minha cabeça voa para o Paranaense, que agora é Athletico e tem um escudo diferente do de todo mundo. Antes, era redondinho e antes do antes era igualzinho ao do Flamengo. Aliás, a camisa do Athletico também era igual à do Fla, com as listras horizontais, que depois viraram verticais.

E o Operário? Sempre será lembrado pela brilhante campanha do Brasileiro de 1977, quando chegou às semifinais e tinha no gol o veterano Manga (que depois jogaria pelo Grêmio, deixando seus fãs colorados ensandecidas), além de Roberto César, que depois faria história no Cruzeiro.

Acaba o VT do CRB, entra Ituano versus Ceará. Num estalar de dedos, vem o momento mais nobre do futebol: a disputa de vagas em cobranças de pênaltis. Tirando quando é com meu time, é bom demais. Impossível não ter emoção e, em muitos casos, vêm as surpresas. O futebol é cinema em sua essência mas, numa disputa de pênaltis, ele é teatro puríssimo. Ribalta, drama e emoção. Deu Ituano, o pessoal comemorou paca.

Atlético Goianiense e Volta Redonda. Eu digo que é bem estranho ver o querido Voltaço todo de branco, apenas com os detalhes aurinegros na beirinha da manga. Tudo bem. Essa eu já sabia: deu de novo no fascinante ballet da morte nos pênaltis. E deu Volta Redonda. Junto com o Nova Iguaçu, pela primeira vez duas equipes do segundo escalão econômico do Rio chegam à terceira fase da Copa do Brasil. Muito legal. Ano passado a Portuguesa fez bonito.

Pego um copo de refresco de pêssego, tomo os remédios para pressão, deito e só então me dou conta de que desabei de sono após Vasco e ABC. Numa noite ingrata para os vascaínos, o time potiguar – e também das letrinhas – aprontou e tirou o Cruz-maltino da Copa do Brasil em pleno São Januário, também no drama dos pênaltis. Meu amigo Catalano xingou o time, alguns jogadores e o árbitro, por motivo justo. Certas coisas não mudam nunca.

Hora de mais um cochilo antes do trabalho. Cinco e vinte da manhã. A bola ainda pega fogo no VT de Volta versus Goianiense. Pouco importa o jogo ou os atletas individualmente em si: fato é que a Copa do Brasil é instigante demais, maneira demais. Daqui a pouco o Catalano vai acordar e xingar tudo de novo, mas já estaremos ligadíssimos no Carioca e loucos para nos encontrarmos na final Vasco e Fluminense. Assim seja.

Onde quer que esteja, que Quebrangulo esteja em paz.

@p.r.andel

Moisés e o Bloco das Piranhas (por Paulo-Roberto Andel)

Em 1971, o Rio de Janeiro não podia ser considerado exatamente um mar da tranquilidade por vários motivos, mas tudo se acalmaria quando chegasse o Carnaval. E num amigável dia de treino no Vasco da Gama, no garboso estádio de São Januário, surgiu uma das maiores instituições de samba e futebol do país, criada por um dos maiores personagens da cidade, hoje pouco falado.

Nasceu o Bloco das Piranhas, idealizado pelo zagueiro vascaíno Moisés, com uma pegada polêmica e, ao mesmo tempo, popular: a formação contava com jogadores do futebol carioca, todos devidamente vestidos de mulher e com toda a vaidade que o carisma feminino exige.

O bloco passou a desfilar em Madureira e, por conta da popularidade de seus integrantes, logo arrastou uma multidão pelo bairro. Moisés, embora nascido na cidade de Resende-RJ, era o arquétipo do carioca, com sua irreverência, bom humor, malandragem e cultura – quem já viu suas entrevistas sabe que praticava um português perfeito e elegante. Com seu carisma, o zagueiro logo trouxe uma turma da pesada do futebol, ligada ao Vasco: o volante Alcir Portela, o zagueirão Joel Santana e o artilheiro Dé O Aranha. Em pouquíssimo tempo os jogadores de todos os times começaram a aderir ao desfile, que só sofreu um desfalque forte uma única vez, em 1975, quando os jogadores do Fluminense passaram o sábado de Carnaval no Maracanã por um motivo nobre: a apoteótica estreia de Rivellino diante do Corinthians, numa goleada por 4 a 1. Outros personagens marcantes do bloco foram os saudosos Manguito e Perivaldo, respectivamente zagueiro do Flamengo e lateral direito de Botafogo, Bangu e Seleção Brasileira, e os ativíssimos Brito (campeão mundial em 1970), Vanderlei Luxemburgo e Zé Roberto Padilha.

Até o final dos anos 1990, o Bloco das Piranhas foi um sucesso absoluto, mas acabou não renovando o quadro de jogadores – muitos surgidos estavam mais ligados nos desfiles da Sapucaí – e então encerrou suas atividades. Mas durante duas décadas e meia ele foi um símbolo glorioso do Carnaval do Rio, onde jogadores acostumados a estrelar manchetes e jogar no Maracanã para mais de 100 mil pagantes, eram simplesmente divertidas e simpáticas transformistas que levavam a alegria do futebol para a maior festa popular do Brasil. A cada ano, o Bloco e seus personagens são rememorados, mostrando a força de sua representação.

Moisés, o responsável por toda aquela farra, foi um símbolo de carioquice e jogou em muitos dos principais clubes brasileiros, encerrando sua carreira no Bangu e, por isso mesmo, vivendo um Carnaval à parte sob a liderança de ninguém menos do que Castor de Andrade, um personagem que desafia definições. Apesar de sua fama de durão e de suas frases de efeito, como “Zagueiro que se preza não ganha o prêmio Belford Duarte”, foi bom jogador e depois teve tudo para ser um excelente treinador, mas recebeu menos chances do que deveria. Homem do futebol, do samba e da praia, Moisés ainda merece o devido reconhecimento como uma das personalidades mais marcantes de seu tempo.

Cano de placa! (por Paulo-Roberto Andel)

O golaço redime, o golaço liberta.

Ele desafia paradigmas e definições. Muda roteiros de forma inesperada.

E deixa sua tatuagem para sempre nos corações e memórias.

Há mais de sessenta anos, em alguma ocasião vemos os gols e a alegria de Garrincha na final carioca de 1962. Outros se emocionam com a arrancada de Rondinelli e sua cabeçada monstruosa em 1978. Outros, com o voo esguio e certeiro de Assis em 1984. Esses gols nunca vão acabar.

Mas também há os grandes gols de partidas que não necessariamente decidiram títulos, mas estão condenados à eternidade. O fantástico drible de Mendonça em Júnior em 1981, os mil dribles de Washington em 1987. O chutaço lpde Neto do meio da rua em 1991. Os golões de Roberto contra o Corinthians em 1980. São muitos e muitos gols.

Neste domingo, o argentino German Cano fez história no Maracanã. Um gol de placa, dos mais bonitos da história do estádio. Chutou do meio de campo e fuzilou o goleiro vascaíno, completamente batido. O estádio viveu um de seus grandes momentos.

Até então, Cano já estava consagrado no futebol carioca e brasileiro, por sua carreira no Vasco e agora no Fluminense, com mais de 40 gols na temporada 2022. Desta vez, assim como a bola que chutou cruzou o Maracanã até ganhar as redes, ele mesmo ganhou o mundo de vez. Não há lugar na Terra onde não se esteja falando do golaço que aconteceu no coração do Rio de Janeiro, no outrora maior estádio do mundo.

Lembram que o golaço muda roteiros? Pois é. Num jogo de muita luta, transpiração e lances razoáveis, o Vasco foi melhor do que o Fluminense no primeiro tempo, cujo destaque foi o veteraníssimo goleiro Fábio, do Tricolor. Melhor, mas sem a capacidade de definição. E no segundo tempo a coisa ficou mais equilibrada, até que o mesmo Cano aproveitou um cruzamento e marcou com oportunismo. Desesperado, o Vasco se lançou em busca do empate, sem êxito, novamente esbarrando em Fábio até que o corte final aconteceu – e a magia do futebol prevaleceu. O golaço tornou tudo pequeno no Maracanã.

As crianças tricolores que estavam no Maraca hoje vão perseguir o Fluminense para sempre, assim como outros garotos perseguiram por causa de Assis e Washington e eu, criança, vi Pintinho e Cristóvão destruírem o Fla x Flu de 1979, mais Paulo Goulart pegando pênalti. E Edinho e Rivellino. Eu ainda persigo o Fluminense.

Não precisa ser um título, uma decisão. Às vezes, não precisa nem ser um clássico. Basta que num segundo surja a magia do grande momento do futebol: ela explode e encanta pelo resto da vida.

@pauloandel

Ivan Lessa e um Fla x Flu (da Redação)

Original: “Tempo e tape”, Diário Carioca, dezembro de 1965

A cidade inteira comentava o Fla-Flu que terminara e eu, nas profundezas de um sétimo andar ainda não começara a torcer. Todos traziam guardados na lembrança os gols de Silva e Samarone como quem leva consigo um objeto de uso pessoal novinho em folha, e eu, insulado em outra faixa temporal, num sétimo andar, preparava-me para o início da partida ‒ ainda nem entrara em campo. Eu era um jogador antes do jogo; friccionavam-me com álcool, colocavam-me joelheiras; davam-me instruções. Eu confiava na vitória e estava certo de que tudo faríamos para vencer a peleja. Eu e o time estávamos em boa forma ‒ física e psicológica.

Enquanto isso a cidade comemorava ou explicava. A bola chutada, machucada, esvaziada, que conhecera os pés dos jogadores, as mãos cuidadosas dos goleiros e, por três vezes, o fundo acolhedor das redes, ainda rolava macia e saltava fagueira. Todos os gols acontecidos ainda estavam por acontecer. Mas os flamengos sorriam e os fluminenses justificavam e eu ‒ eu não sabia de nada. E além do mais sou botafoguense.

O seguinte: o jogo começaria às 18h:00 e terminaria lá por volta de 20h:00. Às 20h30 o video-tape completo na TV Continental. Às 18h, pois, tranquei-me em casa sem rádios, nesta época em que as pessoas sem rádio estão cada vez mais desvalorizadas. E esperei. Por duas horas esperei. Mas há uma técnica: há que cuidar para que os barulhos da rua não denunciem os tentos. Gol do Flamengo vem, geralmente, acompanhado de muito foguete. Já os tentos do Fluminense são mais sóbrios: fazem-se sentir pela presença na janela de dois meninos sorridentes, e quietos. Os do Botafogo só aparecem perto de um bar em rua de muita árvore: são vistos na expressão de um senhor com um cachorro ao lado. Os do Bangu são silenciosos: um rapaz para a bicicleta e agita uma pequena bandeira alvirrubra. Os do América surgem em praça vazia e é quase certo que serão anulados. Barulho mesmo só nos tentos do Flamengo. E do Vasco, é claro, que vem a dar no mesmo.

A salvo dos tentos da rua, precisa-se evitar que um amigo ‒ totalmente alheio às coisas do futebol ‒ entre em casa no intervalo do jogo real e o jogo em tape, exclamando:

‒ O Fla-Flu foi vencido pelo Flamengo por dois a um…

Esse camarada não diz nunca Fla-Flu, chama de Fluminense-Flamengo ou, o que é ainda pior, de Flu-Fla. Evite-o.

E de 20h15 às 21h40 assiste ao jogo que terminara às 19h45. Na televisão havia sol, lá fora escurecia. Na minha casa, pelo menos, o Fluminense ainda poderia ganhar a partida. Havia tempo para reações e tentos nos últimos instantes. Havia tempo. Um tempo em tape. Preso e difícil. Preso a um sol que se acabara, difícil como mastigar o que já fora engolido.

Futebol e Carnaval (por Paulo-Roberto Andel)

O preconceito contra o futebol é tão estúpido como qualquer outro, especialmente quando comparado/associado com outras manifestações populares, feito o carnaval.

Nos dois casos, são paixão de milhões de pessoas e também alvo de grupos inescrupulosos que deles se aproximam/ocupam para lucrar ilicitamente e se locupletar. Mas é bom que se diga: são os mesmos grupos que, de alguma forma, se assemelham aos que estão envolvidos nas grandes corporações, entidades de classe, partidos políticos etc. Ou seja, por toda parte.

As duas temáticas são riquíssimas, cheias de contradições, tensões e flutuações que merecem não somente debates, mas estudos aprofundados. Por sinal, muita gente séria costuma orbitar pelos dois focos.

Interessante lembrar que futebol e carnaval também são divididos praticamente em castas. A série A do futebol brasileiro tem muito mais privilégios que a C ou D, assim como existe a clara distinção econômica entre os desfiles da Sapucaí e da Intendente Magalhães, por exemplo.

Os que minimizam a importância do futebol e do carnaval não percebem que, para milhões de brasileiros, estas são as únicas diversões possíveis, às vezes numa TV velha ou um radinho. Há muito em jogo. Não é exagero afirmar que, em ambos os casos, talvez aconteça a única possibilidade de cidadania real num país que, hoje, luta para se erguer dos escombros do fascismo.

Ninguém é obrigado a gostar de futebol nem de carnaval, é óbvio, mas desprezar a importância destes movimentos na cidade, no estado e no país é, de alguma forma, exercer a ignorância sobre dois polos fundamentais para se entender o próprio Brasil, pelos aspectos sociais, econômicos, geográficos, políticos e humanos. Ambos estão há mais de cem anos tatuados no cotidiano brasileiro e, muitas vezes, se misturam de maneira maravilhosa.

Há muitos livros sobre os dois assuntos, juntos e separados. Para quem se interessar, os temas são vastos e ainda precisam de mais gente estudando, filmando, gravando, entrevistando, escrevendo. Dois motores que explicam e podem impulsionar muita coisa boa pelo Brasil afora.

@pauloandel

O vergonhoso silêncio do mundo do futebol sobre o caso Daniel Alves (por Paulo-Roberto Andel)

Vi Casagrande começar a carreira. Bom jogador, artilheiro e um dos mais conscientes nomes do futebol brasileiro. Cria de Sócrates, não podia dar noutra coisa. Virou um dos melhores comentaristas de futebol do Brasil, justamente porque não se limita às quatro linhas. Tem profundidade. E tanto faz sua orientação política, poderia ser de direita mas não é.

Justamente por isso, o caso do “Bife de Ouro” deu repercussão. Ronaldo, um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos (e cartola contestado na Espanha), ficou irritado e achou absurdo que não pudesse encher sua pança com a carne dourada em paz. Afinal, o que são milhões e milhões de brasileiros em insegurança alimentar e miséria, não é mesmo? Ele só se esqueceu de uma coisa: o bom senso em respeito ao povo que o idolatra. Kaká disse que, no Brasil, não se respeita ídolos e que, se andasse na rua, o próprio Ronaldo não passaria de um… gordo. Com todo o desastre da analogia, parece que o problema é de antropologia, de ida ao campo: o próprio Kaká não deve andar na rua…

A seguir, o que não faltou foi gente colocando a boca no trombone. Por exemplo, o mesmo Kaká e Marcos, dois ex-jogadoraços mas que, na hora da opinião pública, são tremendos pernas de pau. Desastrosos. Eram bem melhores quando falavam o mínimo em entrevistas.

O deboche da panelinha pentacampeã mundial rendeu muitos memes e likes, que no fim das contas dão lucro, mas mostrou de certa forma quem é quem nesse tabuleiro do futebol.

A ausência de “tetracampeões” e “pentacampeões” mundiais ao velório de Pelé foi muito comentada, mas contou com a cara de paisagem da turma. Afinal, para que homenagear Pelé sem um cachet no estilo da FIFA, não é verdade? Hipocrisia pouca é bobagem.

Os “penta” morreram de rir quando Casagrande foi indicado numa enquete do UOL como o pior comentarista da TV. Enquete, feita com duas dezenas de jogadores, em sua maioria baba-ovos da, digamos, “patota” da FIFA. Enquete, que vale menos do ponto de vista científico do que o estudo de uma casca de banana podre. Riram e debocharam, mas é compreensível: todos são multimilionários, ganharam uma Copa do Mundo, têm poder mas não possuem nem o talento, nem a qualificação, nem o senso crítico de Casagrande – e isso é que lhes dói. Há pessoas que são tão pobres que só têm fortuna e mais nada. Carisma e intelecto não se compra com bifes de ouro, nem relógios no pulso que valem um apartamento…

Tudo isso bate nos últimos dias com um acontecimento lamentável, abominável e criminoso, praticado por um membro honorário da turma: Daniel Alves. Estas linhas não são escritas para cometer leviandade nem hipocrisia: dadas as informações e apurações, dificilmente o jogador escapará da sentença condenatória por motivos evidentes e publicamente conhecidos. Aliás, é quase impossível que escape, pelas provas já colhidas e noticiadas.

Os jogadores acima citados e outros da “rapaziada” como Cafu e Rivaldo, até agora não deram um pio diante da barbaridade de Daniel Alves. Uma única sílaba. Vários “penta” o conhecem ou são amigos pessoais, alguns jogaram com ou contra ele.

É um silêncio que, embora perturbador, não surpreende quem conhece futebol: há muito tempo, a maioria absoluta dos jogadores de sucesso no exterior não tem o menor compromisso com a Seleção, imaginem com o povo brasileiro.

Em certo momento, parecem crer que são seres intocáveis, iluminados, incontestáveis e que conseguiram suas fortunas exclusivamente pelo mérito individual – o que sabemos ser impossível no esporte de alto rendimento.

Talvez não seja apenas corporativismo: nenhum deles deu qualquer pio sobre o massacre dos Yanomamis, cujas imagens fazem qualquer pessoa ter vontade de chorar por remeterem aos campos de concentração nazistas. É alienação, mesmo. Ignorância. Estupidez. Querem ditar a idolatria ao povo brasileiro mas o ignoram solenemente.

A grande verdade é que a maioria dessa turma não está nem aí para nada. Acreditam até ser pentacampeões tendo vencido apenas uma vez. Vivem num mundo à parte, onde não cabem 99,99999% do povo brasileiro, que ama o futebol muito tempo antes da existência desses caras, que aliás não seriam titulares de nenhuma das seleções campeãs em 1958, 1962 e 1970. Esse é o principal motivo de não serem tratados como reis; é mais fácil jogar a culpa nos outros do que admitir a própria inferioridade em relação a jogadores de épocas anteriores. Poderiam pelo menos olhar o YouTube de vez em quando para lhes servir de injeção de simancol.

O silêncio sepulcral dessa turma diz muita coisa. Nada de positiva.

Para não esquecer: o artigo foi em cima dessa turma, mas se estende a todos os jogadores de futebol que passam pano ou fazem cara de paisagem diante de um crime de estupro.

Só lembrando: o futebol é maravilhoso e apaixonante. É o esporte mais visto e praticado no mundo. Infelizmente, isso não o isenta de péssimas pessoas que dele obtiveram ou obtêm fama e fortuna. Mas elas poderiam ao menos se lembrar de que tiveram ou têm mães, esposas e filhas, fato que por si só não permite a nenhum homem digno fazer silêncio diante de algo tão hediondo quanto um estupro.

@pauloandel

Atualizado às 14:32h, 26/01/2023

A voz do Gilsão (por Paulo-Roberto Andel)

Houve um tempo em que o futebol era a vivência no estádio e a voz do rádio. Sim: imagens eram raras na televisão, raramente as partidas eram transmitidas, as fotos só ficavam disponíveis nos jornais do dia seguinte e, num domingo, você só via os gols no Fantástico, lá pelas dez da noite, ou o VT da partida na TVE à meia noite. Assim sendo, gerações e gerações de futebol foram criadas pela narração, locução e reportagem esportiva.

Lá atrás, marcaram época no Rio de Janeiro nomes como Ary Barroso e Oduvaldo Cozzi. Depois, Orlando Baptista, Waldyr Amaral, Jorge Curi, Antônio Porto, Loureiro Neto, Danilo Bahia, Doalcey Bueno de Camargo, Ruy Porto, João Saldanha, Mário Vianna (com dois ênes), Alberto Rodrigues, Luiz Mendes e muitos outros. Neste domingo, sentou praça na eternidade Gilson Ricardo, que apesar de baixinho era chamado de Gilsão. Explica-se: a baixa estatura não era páreo para o enorme vozeirão que, por muitos anos, marcou as jornadas esportivas da Rádio Globo e, posteriormente, da Super Rádio Tupi.

Nas últimas décadas, Gilson Ricardo formou um trio de ferro ao lado de outros dois gigantes que dispensam apresentação: o Garotinho José Carlos Araújo e Gerson Canhotinha de Ouro. Tão poderosos que, com o tempo, ampliaram seus domínios, chegando também à televisão.

Gilsão criou dezenas de bordões, mas dois deles se tornaram inesquecíveis: “Que zoeeeeeiiiiraaaa!”, celebrando a comemoração da torcida na hora do gol, e “Para com isso”, geralmente criticando uma jogada errada – este ficou tão popular que os ouvintes ligavam para a Rádio Globo e pediam o bordão personalizado. Dos anos 1980 até ontem, foram muitos e muitos gols comentados por seu talento e voz inigualáveis. Passam por nomes como Assis, Zico, Roberto, Romário, Edmundo, Bebeto, Fred, Renato Gaúcho, Felipe, Roger Flores, Túlio Maravilha, Obina, Gabigol, Pedro, Seedorf, Washington e muitos outros. São muitos nomes.

A Gilson Ricardo, devo uma grande chance, cavada pela amiga Lau Milesi: em seu programa da Rádio Globo, tive minha primeira oportunidade de divulgação na grande mídia, falando de meu primeiro livro “Do inferno ao céu – a história de um time de guerreiros” em 2010. Anos mais tarde, com o apoio da querida jornalista e produtora Nathália Pereira, participei diversas vezes do programa esportivo de Garotinho no SBT, sempre com Gilsão e Gerson, inclusive lançando outros dois livros lá. Eu achava impressionante como aqueles caras, todos craques, se encontravam a um minuto do início da transmissão e, de repente, explodiam como se ali estivessem por horas. Coisa de feras entrosadas.

Agora, o que devo a Gilson Ricardo e também a Garotinho, Gerson, Edson Mauro, Ricardo Mazella e tantos outros gigantes do rádio esportivo é, sem dúvida, a melhor coleção que tenho: a de memórias de jogos imortais, de lances divertidos e inusitados, de paixão e drama, de romance, de futebol com Maracanã de geral e orelhão atrás do gol, de craques e figuraças. As memórias que comecei a juntar ainda garoto e continuo colecionando por aqui. É o rádio, a voz, a voz que dita cenas inesquecíveis que posso sequer ter visto, mas as sonhei.

Hoje não tem zoeira, mas sim uma saudade gigantesca.

@pauloandel

Suárez, a euforia do Grêmio (por Robertinho Silva)

Luisito Suárez foi a contratação mais emblemática do mercado da bola no Brasil. Um dos maiores centro avantes deste século, jogador símbolo da retomada uruguaia atuará no futebol brasileiro. É óbvio que o momento de “El Pistolero” é de declínio técnico, mas o peso, a representatividade desta contratação no esporte é magnífico.

O Grêmio faz um movimento de mercado histórico e emblemático ao assinar com o jogador de 35 anos. Seu mero acerto é um orgulho e um sinal de grandeza dos gremistas. O sucesso dentro de campo não é garantido, embora este simples escriba acredite que tem tudo para ser. Na sua breve passagem pelo Nacional do Uruguai, “El Pistolero” foi líder do Bolso no título do Campeonato Uruguaio.

Luisito Suárez pisou no gramado da Arena, recebeu o carinho dos torcedores e trouxe consigo a esperança de dias melhores para o torcedor gremista. O astro chegou com uma recepção de gala, digna de tudo que ele foi e representa no cenário do futebol. O camisa 9 uruguaio vem pra ser o símbolo da retomada gremista, nesse momento que é de reconstrução do time gaúcho, após a fatídica queda a série B.

O Grêmio viveu dias melancólicos. Um ano muito irregular na Série B. Apesar do retorno, a torcida ainda tinha uma certa desconfiança. Uma nova diretoria assumiu, e o novo presidente Alberto Guerra prometeu um time competitivo. Até aqui, foram nove contratações, e Suárez chegou para ser a cereja do bolo.

O quinto maior artilheiro em atividade do futebol mundial prometeu que não veio a passeio. Bem mais do que isso, fez questão de mostrar que conhece o clube e que deseja ajudar o Grêmio a retomar o caminho das conquistas.

Suárez será não só motivo de orgulho para os gremistas, como para o futebol brasileiro. Os gramados tupiniquins com certeza agradecerão por ver desfilar aqui, um atacante deste quilate, com passagens por Ajax, Liverpool, Barcelona, Atlético de Madrid, e de momentos marcantes com a camisa da seleção uruguaia.

Agora nos resta torcer para que Luisito honre sua trajetória, e consiga por aqui relembrar pelo menos um pouco a máquina de gols que tanto encantou pelos gramados mundo a fora.

Acredito que a relação com Renato Portaluppi será diferente de todas que o Pistolero já teve com outros treinadores na sua carreira. Porém, tem tudo pra dar certo, pois Renato costuma falar bem a língua dos boleiros.

Também levo fé em que Renato conseguirá montar uma estrutura tática, que consiga municiar o astro uruguaio, e consiga fazê-lo entregar o melhor que pode. O treinador gremista sabe muito bem o calibre do jogador que terá a sua disposição.

Pesquisão UOL e o suprassumo da ignorância (por Paulo-Roberto Andel)

Segundo os dados mais recentes do CAGED, cerca de 80% dos atletas assalariados de futebol recebiam até R$ 1 mil mensais em 2012.

Apenas 0,12% recebiam entre R$ 200.000,01 e R$ 500 mil mensais.

Desses 0,12%, sob critério de anonimato e amostral desconhecido, 26 nobres jogadores do futebol brasileiro responderam ao “estudo” denominado Pesquisão UOL e determinaram seus paradigmas luminosos do esporte no país, indo do melhor ao pior comentarista ao narrador, o melhor ao pior programa esportivo e até mesmo o jogador mais bonito do país – o que não deixa de ser uma vitória num ambiente profundamente machista e hipócrita, onde a homossexualidade é invisibilizada de forma patética. Também foram pesquisados o melhor e o pior árbitro, o jogador mais legal e o mais chato, além de outras pérolas.

Neste momento há uma grande repercussão por conta das críticas da jornalista Milly Lacombe (do próprio UOL) ao Pesquisão, rechaçadas em vídeo pelo comentarista Pedrinho, envolvendo evidentes questões de machismo, e imediatamente rechaçadas por jogadores como Neymar e Thiago Silva.

Para os 26 iluminados, Casagrande (do UOL) é o pior comentarista de futebol, seguido por Ana Thaís Mattos, Roger Flores e Fábio Sormani. O melhor foi Pedrinho, seguido por Grafite e Ricardinho.

Caros, uma amostra de 26 entrevistados para tratar sobre qualquer tema nacional chega a ser um delírio tão grande quanto os que temos visto nas portas dos quartéis. Nenhum calouro da faculdade de Estatística apresentaria em público um trabalho com esse fator para tratar de coisas sérias, mas, vamos lá. Tratemos o Pesquisão como o que é: uma enquete sem nenhum valor científico, mas suficiente para causar celeumas e ridicularizar pessoas.

Alguns resultados são constrangedores: o melhor árbitro do campeonato também foi apontado como o pior…

O que são o melhor e o pior? Quais foram os critérios para tais determinações? Sentimento? Achismo? Corporativismo?

É difícil crer que tamanha barbaridade fosse publicada sem a noção devida das inconsistências. É possível que tenha sido feita exatamente para isso: causar, gerar engajamento, likes, grana. Em janeiro o esporte é parado. Precisa de notícias e movimentação.

Posto isto, é bom que se diga: Pedrinho é ótimo comentarista e Milly ressaltou isso em sua coluna. Sua crítica foi ao processo em si e não a um indivíduo. Foi o que bastou para ser apedrejada em público por jogadores famosos, todos eles ligados ao primitivismo bolsonarista e ela, uma ativista LGBTQIA+, verdadeiro terror para o que restou do fascismo brasileiro.

E aí temos outra pauta interessante, mas que fica para outra hora: jogadores nascidos na miséria que, por competência e também sorte (nem todos os talentos emplacam) se tornam multimilionários e, a partir daí, vivem em outro mundo, muitas vezes desprezando por completo seus semelhantes de outrora.

Casagrande, o “pior comentarista” para os 26 iluminados, é um crítico como todos deveriam ser. Não se limita ao protocolo de passes e gols, a falas econômicas e pausadas – e aí não é coincidência que para a amostra do Pesquisão, Ricardinho e Grafite sejam os melhores. No Brasil, todos os jogadores da série A são pessoas públicas em potencial e muitos inclusive ganham dinheiro com isso, então já que aceitam o jogo de exposição por dinheiro, que o aguentem na hora das críticas.

Críticas? Que horror! Os jogadores podem ser criticados? Isso é um absurdo!

É claro que Casagrande incomoda por tudo isso e também por ser um militante de esquerda. O bozismo relincha colericamente. Se Juninho Pernambucano tivesse continuado na Globo, seria tão incômodo quanto.

Numa outra dimensão, Roger também incomoda porque não poupa falhas e más performances individuais. Ana Thaís ainda tem um agravante para o universo da boleiragem: é mulher. O machismo não tolera isso.

Por fim, o desastre estatístico proposto pelo UOL poderia ter sido amenizado por uma pergunta sincera, honesta, que ajudaria a debater o ridículo armário onde a homossexualidade no futebol precisa ficar trancada.

Bastava acoplar uma pergunta em seguida a do jogador mais bonito: “Se ele te desse chance, você ficaria com ele?”.

Em tempo: Pedrinho, ótimo comentarista, tem sido muito falado também em função de sua ótima forma física. Quem sabe esse não possa ter sido mais um encanto para os iluminados 26 eleitores, por simples admiração, sem qualquer conotação homoerótica?

Enquanto isso, nenhum dos famosos jogadores enfurecidos contra Milly fez questão de estar no velório de Pelé. Isso diz muita coisa sobre o universo dos jogadores de futebol bem-sucedidos no Brasil contemporâneo, há 20 anos sem uma Copa.

PELÉ (1940-2012) (por Paulo-Roberto Andel)

Faleceu o Atleta do Século XX – o do XXI, ainda não temos certeza ou talvez nem tenha surgido ainda.

O brasileiro mais conhecido do mundo.

Ao lado de nomes como Oscar Niemeyer, Tom Jobim, Carmen Miranda, Glauber Rocha, Lula e Paulo Coelho, dentre outros, Pelé foi um embaixador do Brasil na Terra. O maior de todos eles.

Também o maior jogador de futebol de todos os tempos. Todos, sem exceção, sem necessidade de teoremas confusos e verborragia barata. Com todo respeito aos que discordam desta sentença, não tenho tempo a perder.

Dentre os gigantes da história do futebol, Pelé foi o maior porque nenhum outro fez mais de 1.200 gols, nem ganhou três Copas do Mundo, nem municiou sete dos dez maiores artilheiros da história de um clube de futebol, somando mais de 1.700 gols. Nenhum outro dos maiores craques de todos os tempos tem geniais gols perdidos como ele na conquista de um título mundial – basta lembrar das jogadas maravilhosas contra a Tchecoslováquia e Uruguai no México em 1970 (quando o Brasil deu o troco de 1950), frequentemente reprisadas 50 anos depois. Está tudo no YouTube, felizmente.

Até 1958, o Brasil era um ponto de interrogação no mundo, frequentemente ligado às zombarias da Disney. A infeliz derrota de 1950 nos fragilizou a ponto de Nelson Rodrigues denunciar o complexo de vira-latas como um paradigma brasileiro. A imortal vitória na Suécia transformou a nossa imagem diante do mundo, e o país experimentou uma euforia jamais vista: numa só tacada, vieram à luz a Bossa Nova, o Cinema Novo, o Teatro Brasileiro de Comédia, o futebol brasileiro, o Concretismo, o desenvolvimento à vista, a reforma gráfica nos jornais começada pelo Jornal do Brasil (com Janio de Freitas, ele mesmo) e os sinais de que finalmente o país daria certo.

Entre 1958 e 1970, Pelé deu as cartas no futebol. Fez centenas de gols, liderou o Santos à gloria mundial – lotando o Maracanã com 250 mil torcedores em dois dias – e escreveu boa parte das melhores histórias da Seleção Brasileira.

Ao lado do gênio Garrincha, Pelé disputou 40 partidas com a camisa amarela. Nunca perdeu um jogo.

Há muitos dados que poderiam caber aqui, mas tudo é pequeno diante da despedida do Rei. Ele está para o esporte assim como Miles Davis está para o jazz, Pablo Picasso para as artes plásticas, Saramago para a literatura e Bob Dylan para a canção. Gente que, diante de tanta gente espetacular, teve em si as vírgulas para sobressair.

Ademir da Guia, Dicá, Rivellino, Zico, Sócrates, Falcão, Messi, Maradona, Di Stéfano, Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Cruyff, Paulo Cezar Caju, Platini, Puskás e tantos monstros do futebol mundial, jogadores colossais, ficam todos no pódio com a prata. O ouro é do Rei. Quem tiver dúvidas, deixe de lado a teimosia e se delicie no YouTube.

Para fechar, gostaria de recontar uma história testemunhada por meu querido amigo, o sociólogo Marcelo Rodrigues Lessa , que por muitos anos foi vizinho de Altair, lateral esquerdo do Fluminense, campeão mundial de 1962 pela Seleção. Durante anos, a filha de Altair teve um sério problema de saúde que exigia uma caríssima medicação trazida do estrangeiro. Por anos a fio, Pelé bancou a importação regular dos remédios. Esta é apenas uma de centenas de iniciativas que jamais ganharam as páginas dos jornais porque, claro, a prioridade é das notícias ruins, muitas vezes manobradas.

Há pouco, Lula e Gilberto Gil se manifestaram sobre a passagem de Pelé. Torcedores comovidos ocupam o Museu do Futebol em São Paulo e o Maracanã, no Rio. Noticiários do mundo inteiro anunciam a relevância do Rei. Populares lamentam nos ônibus e trens.

Vai-se embora um homem que desafiou definições, conquistou o planeta e escreveu uma história vitoriosa. Humano, errou e acertou, acertou muito mais do que seus detratores. Um homem que jamais foi visto em público com agressividade, falta de educação e elegância. Um homem negro que ganhou a admiração e o respeito de milhões de homens brancos, negros, amarelos, de todas as matizes e diversidades. Um homem que encantou o olhar adolescente de meu pai.

Um homem que, a seu modo, mudou o mundo.

@pauloandel

Algumas palavras sobre Pelé (por Paulo-Roberto Andel)

O ano está acabando, o Natal está aí. No hospital, Pelé joga a partida mais difícil de sua longa e vitoriosa vida.

Como é sabido publicamente, seu estado de saúde piorou e o Rei está à base de medicação paliativa. Em português direto e reto, o câncer é incurável, já se alastrou e não há nada a fazer.

Já li, escrevi e debati muito sobre Pelé. Fui chamado de alienado por conta da questão de sua filha Sandra, até hoje sem a devida luz pública. Novamente alienado porque Pelé não teve posições combativas à ditadura no Brasil, nem se colocou de maneira antirracista.

Queiram desculpar. Nada tenho de alienado. Nem aqui, nem na China.

Sobre a questão de Sandra, filha de Pelé, não me cabe julgar nem apedrejar, apenas tentar entender o problema, explicado ao jornalista Milton Neves, sabendo também que, anos depois de Sandra, Pelé reconheceu outra filha, Flávia.

A respeito da ditadura, cabia a Pelé o papel de líder revolucionário para derrubá-la? Faça-me o favor. Sou filho e sobrinho de pessoas presas e torturadas pela ditadura. Deixo aqui uma expressão simples mas que, para mim, traduz a questão: o buraco é mais embaixo.

A simples presença de Pelé como ídolo maior do Brasil era uma postura antirracista, mesmo que involuntária. Desde fins dos anos 1950, ele é uma presença permanente no imaginário brasileiro. Se Pelé não tinha o domínio antropológico e científico do combate ao racismo, o fez do seu jeito. Sim, há 60 anos temos um ídolo negro permanentemente na TV, jornais, rádio e internet. Ok, Pelé nunca assumiu o discurso antirracista? Mas será que ele mesmo, com todo seu poder e dinheiro, também não foi vítima de racismo?

Pelé não foi apenas o maior jogador de todos os tempos, mas o Atleta do Século XXI, supremo na comparação com todos os esportes. Para quem tiver dúvidas, está tudo no YouTube e nos livros.

Dele, nunca se viu em público um único ato de rispidez, grosseria ou prepotência. Nunca. Ciente de seu lugar no topo, sempre respeitou outros grandes craques e até errou feio ao indicar seus sucessores nos gramados. Seria compreensível que fosse um homem até arrogante, com empáfia decorrente de seus feitos, mas nunca agiu assim. Nunca. Podem pesquisar.

Pelé ajudou muita, mas muita gente. Amigos como Altair, lateral campeão mundial de 1962, no tratamento de sua filha, que exigia medicação importada por longo tempo, a milhares de vítimas das chuvas em 1979, quando Flamengo e Atlético Mineiro fizeram um amistoso com renda revertida para a causa dos desabrigados. Ao jogar meio tempo para o Fla, Pelé provocou a quebra do recorde nacional de renda à época, mais um bom dinheiro para a reconstrução das casas perdidas.

Para aplaudir Maradona – gênio -, Cristiano Ronaldo – fenomenal – e mais recentemente Messi – monstruoso -, não é necessário diminuir o tamanho colossal de Pelé. Mbappé já é gigantesco, mas Pelé é Pelé. Ele está entre os gênios da raça, assim como Pablo Picasso, Miles Davis, Glauber Rocha, Jimi Hendrix e outros. Podemos gostar de futebol, apreciar novos craques, mas tendo a consciência de que Pelé, nem de longe, foi superado. Podemos ouvir o novo jazz, gostar, mas sabendo que Miles é Miles.

Aconteça o que acontecer nos próximos dias ou semanas – nunca sabemos -, eu só espero que respeitem Pelé. O Atleta do Século XX, o maior jogador de futebol de todos os tempos, o único jogador da Terra a ganhar três Copas do Mundo, é um idoso de 82 anos no que Gilberto Gil versou como o caminho inevitável para a morte. Criticá-lo não pode ser apedrejá-lo, e muitos dos que sonham com esse apedrejamento carregam muita hipocrisia nas costas.

A verdade é que, perto do que fez para o Brasil, Pelé nunca foi devidamente respeitado. Garrincha morreu bem mais jovem, mas também desprezado e ridicularizado. Pelé tem vivido mais tempo, com uma vida infinitamente mais confortável, mas com toda a carga de desmerecimento de sua trajetória, o que significa uma grande estupidez. Poderíamos ter aproveitado e não repetido duas vezes o mesmo erro.

Por fim, não adianta brigar com os fatos ou apadrinhar achismos. É inútil. Goste-se ou não de Pelé, ele ainda é o maior jogador de futebol da história. Reconhecer isso é apenas um exercício de lucidez. Só.

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Para os que insistem no terraplanismo futebolístico de reduzir os feitos numéricos de Pelé como Atleta do Século XX, proponho um simplório exercício de Estatística Documentária.

Vejamos os dez maiores artilheiros da história do Santos, excetuando-se o próprio Pelé, mais Feitiço (artilheiro nas décadas de 1920-30) e Araken Patuska (artilheiro nos anos 1920). Assim, são sete os maiores artilheiros santistas que jogaram ao lado do Rei.

2) Pepe, 405 gols em 750 jogos (1954-1969). Jogou 13 anos ao lado de Pelé.

3) Coutinho – 370 gols em 457 jogos (1958-1970). Jogou 12 anos ao lado de Pelé.

4) Toninho Guerreiro – 283 gols em 373 jogos (1963-1969). Jogou seis anos ao lado de Pelé.

6) Dorval – 198 gols em 612 jogos (1956-1967). Jogou 11 anos ao lado de Pelé.

7) Edu – 183 gols em 584 jogos (1966-1976). Oito anos ao lado de Pelé.

9) Pagão – 159 gols em 612 jogos (1955-1963). Sete anos ao lado do Rei.

10) Tite – 151 gols em 475 jogos (1951-1963). Sete anos ao lado de Pelé.

Nenhum dos nomes desta lista jogou menos de seis anos com Pelé de camisa 10, fazendo tabelas e recebendo passes. Somados, eles chegam à impressionante marca de 1.749 gols. Não é nenhum absurdo imaginar que Pelé tenha sido o principal responsável por municiar todos esses artilheiros. Que tenha sido por baixo em 40% das jogadas de gol (sabemos que foi mais): falamos de 700 gols pra começar a conversa. É claro que a lista contém vários dos maiores jogadores da história do Peixe, mas é impossível negar a participação direta de Pelé nas estatísticas de gol de seus companheiros.

Obs: apenas a título de curiosidade, dos dez maiores artilheiros da história do Barcelona, o espetacular Messi jogou apenas com Luisito Suárez (198 gols, o terceiro maior, seis anos jogando com Messi) e Samuel Eto’o (131 gols, o oitavo maior, cinco anos ao lado de Messi). Somados, dão 329 gols. Provavelmente Messi também teve expressiva participação em assistências para os colegas de equipe.

(Números sujeitos a retificações mínimas)

@pauloandel

@pauloandel

Alvorada de futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Acordei com a TV ainda ligada na reprise de Argentina x Holanda – os hermanos já estão na final da Coupe du Monde. Espiei, levantei e bebi um copo d’água, não foi o suficiente, abri uma latinha de Fanta Guaraná e um pacotinho de amendoim. Quatro horas da manhã, eu achava o cúmulo alguém acordar à essa hora mas não sou um idiota: milhões de pessoas estão em pé neste momento rumo a ônibus e trens em busca da sobrevivência por meio do trabalho. É desumano.

Li o post da Claudia Sobral e me solidarizei. Cadê nosso sono? Eu sou uma bomba de problemas insone, prestes a explodir e tudo que não quero são discursos hipócritas em meu enterro um dia, que espero estar longe daqui. Sempre odiei a hipocrisia. O que tiver de fazer, faça logo. O resto é hipocrisia e canastrice, é discurso para boi dormir – e eu sou um boi insone.

Do nada, lembrei de Karl-Heinz Rummenigge. Um grande craque do meu tempo. Ele jogou demais. Nunca vi ninguém chamá-lo de fracassado ou covarde ou limitado porque não foi campeão mundial – seria ridículo. Onde está Rummenigge? Bom, agora Messi está redivivo – era um fracassado para muitos, com todo o ridículo desta sentença, mas a chance de fechar a carreira com a Copa do Mundo o reabilitou a ponto de muitos brasileiros louvarem-no, esquecendo-se das besteiras que diziam até um mês atrás porque essa é a vocação de parte considerável do nosso povo: dizer besteiras sem pensar. Se pensassem, teriam vergonha do que dizem. Assim, Messi voltou a ser o que era para muitos de nós, um cracaço dos maiores, o que não quer dizer que tenha superado Maradona e vários nomes brasileiros. É um grande craque e ponto.

Falo de futebol na madrugada para me entorpecer e aliviar. Sem futebol, talvez eu nem tivesse chegado até aqui. Certamente escrevo sobre muitas coisas, mas futebol é praticamente meu oxigênio. Ele alivia a dor da minha família morta, da perda de amigos, das traições dos falsos ex-amigos, da ingratidão medíocre e mesquinha, das contas que enforcam, da tristeza de ver tanta gente sofrendo o tempo todo. Sem futebol, meu suicídio seria fato consumado. É minha igreja, mas não sou fanático: apenas amo.

Deixo Rummenigge e lembro dos meus botões em 1979. Faz muito tempo. Eu ganhei um Fluminense e um Flamengo da minha mãe, comprados nas Lojas Americanas de Copacabana, bem ao lado do consultório do nosso dentista, o Dr. Amílcar no Edifício Ritz. Dois times novinhos, você colava as carinhas dos jogadores nos botões. Edinho, Pintinho, Zezé, Miranda. Já são 43 anos e penso nisso como se fosse semana passada.

Provavelmente perdi mais uma batalha para a insônia. O jeito é ligar no Hora 1, ver as mesmas notícias de ontem à noite, encarar a realidade dos fascistas impunes no terrorismo impune em Brasília. Mais um dia de muita preocupação pela frente. Mesmo assim sou um privilegiado, por incrível que pareça com as dívidas colocando meu pescoço na guilhotina: tenho um bom ventilador, uma cama confortável, um jornal na TV e posso descansar até dez da manhã, pelo menos. Eu tenho o futebol.

Atrás da cortina azulada, o dia claro dá sinais de vida. Escuto um silêncio enorme. Não há ninguém por perto, ninguém. Pensando bem, raras vezes teve. Lá vem mais um dia. Há dor, depressão e também a sorte.

Paz na terra aos homens de boa vontade. Rolam os dados. O que tiver de ser, será.

@pauloandel

Ainda sobre futebol, apedrejamentos e reflexão (por Paulo-Roberto Andel)

Nesta manhã de domingo triste – meu amigo Caninha se foi -, parei para ler perfis diversos, admiráveis e desconhecidos, todos teorizando sobre a Copa do Mundo. Especialmente os que tentaram fazer um mergulho, digamos, mais intelectualizado sobre o tema.

Para meu gosto e análise pessoal, entre desabafos e decepções naturais, também li um festival de besteiras sobre o assunto. Besteiras colossais, aliás.

O futebol não é apaixonante apenas no Brasil, mas no mundo todo. A Copa do Mundo para a Terra. É um fato. E quem nutre paixão pelo esporte mais popular do planeta não é “alienado” nem vive de “ilusão” por conta dos sentimentos que desenvolveu. Muitas vezes o futebol é bálsamo para aliviar as pancadas diárias na sofrida vida brasileira.

Para quem viveu o Maracanã de verdade até 2010 e vive o esporte, explicar essa paixão no Brasil não é simples. Há uma enorme complexidade em torno do tema, que teorias acadêmicas distantes não dão conta de cobrir. O que dá para dizer é que foi uma febre nos primeiros 25 anos do século XX que nunca mais passou.

Portanto, falarei aqui como o que sou: um torcedor. É apenas o meu relato pessoal e só.

Embora sempre tenha pertencido à maioria pobre da população brasileira, tive uma criação digna, passando por boas escolas, tendo como estudar. Passei muitas dificuldades, mas caminhei até à universidade pública, bem ao lado do Maracanã, para minha alegria

Durante boa parte da minha vida, 25 anos, vivi no bairro mais misturado do Brasil: Copacabana. Lá, vi e conheci de tudo, porque todas as classes sociais interagem de alguma forma, com a quase exceção de parte dos milionários da Avenida Atlântica. Havia interação na escola pública que frequentei, no grupo de escoteiros que fiz parte por muitos anos, mas o único lugar em que realmente sentia integração total era no futebol – de praia, da vila onde estudei, da quadra que alugávamos com trocados no Corpo de Bombeiros.

Quando meu pai começou a me levar ao Maracanã, logo percebi que as pessoas não eram exatamente iguais às de Copacabana (e olhe que lá era tudo misturado). Havia uma mistura única. Várias vezes, ele comprava na bilheteria ingressos extras, três ou quatro, e distribuía para os garotos que pediram dinheiro para comprar um. Eles pulavam enlouquecidos, felizes, se abraçavam e subiam a grande rampa do Maracanã com suas roupas simples, às vezes sem chinelos e isso me emociona porque me leva a mais de quarenta anos atrás.

Eram crianças alienadas ou crianças de posse e total vivência de sua única alegria?

Os melhores momentos de minha vida com meu pai foram no Maracanã, sentado ao lado dele, espremido numa multidão. Cheio de pessoas diferentes, de todos os jeitos, de todas as cores, de todas as classes. Juntos, lamentamos grandes gols dos adversários e comemoramos muito os nossos. Vimos lindos espetáculos de bandeiras e muito, muito pó de arroz no ar. Não era só o jogo, mas chegar cedo, ver a multidão se aproximando, mais de cem mil pessoas pobres e ricas, pretas e brancas, gordas e magras, gays e heterossexuais, todas reunidas em torno do gramado para apreciar arte, num tempo em que tínhamos craques a granel.

Vendo um filme arrebatador, ou uma peça espetacular de teatro, ou ainda um show no inesquecível Canecão, você chegava a quinhentas, mil ou duas mil pessoas reunidas. Por vários motivos, nestes palcos sagrados e fundamentais, não havia a devida mistura social da cidade do Rio. No Maracanã, sim, e com cinquenta ou setenta vezes mais gente. Dá para compreender a dimensão? Isso a cada domingo durante quase sessenta anos, desde 1950.

Gostaria de lembrar que dois dos maiores atores brasileiros de todos os tempos eram completamente apaixonados por futebol: Sérgio Britto e Ítalo Rossi. Se fosse fazer uma lista de músicos, passaria o dia escrevendo, então rapidamente me lembro de João Nogueira, Cartola, João Gilberto e Ciro Monteiro, só para começar.

No Maracanã a gente se sentia gente de verdade, integrada, mesmo que o próprio estádio tivesse sido construído com certos apartes – casos da geral e da arquibancada, por exemplo -, mas eles não deram certo. Ali se vivia o único local do Rio de Janeiro onde o riso, o grito e a lágrima do homem pobre tinham o mesmo tamanho do cidadão rico. O único local. Nem o Carnaval, outro palco espetacular, tinha tanta oferta a preços populares.

Completamente louco por futebol, passei a ler todos os jornais possíveis em casa diariamente. Isso me levou às notícias políticas, de cotidiano, da cidade, de arte e cultura, isso com doze anos de idade. Foi o futebol que abriu espaço para meus outros interesses culturais, que não são poucos – vão de Estatística a botequins. E muitos anos depois de estar com meu pai de mãos dadas no Maracanã, foi o futebol que me abriu as portas para ser um escritor publicado, e consequentemente podendo publicar duas dezenas de livros sobre outros assuntos, no que sou eternamente grato.

Monstros sagrados das letras como Eduardo Galeano, Nelson Rodrigues, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros celebraram o futebol em suas obras. É impossível crer que o fizeram por alienação.

Por outro lado, como em qualquer estrato da sociedade, o futebol carrega problemas em seu entorno e até mesmo nas vísceras. Há quem prefira abominá-lo por isso. Eu prefiro procurar nele o que tem de melhor e, na minúscula parte que me cabe, criticar e denunciar o que considero errado e injusto.

O futebol me deu sensação de pertencimento a grupos, me trouxe amigos, me fez ir a veículos de rádio e TV ao vivo que eu jamais imaginaria. O futebol me permitiu passar horas conversando com personalidades como Gilberto Gil e Maria Bethânia. Conheci lugares, viajei e mergulhei tanto em estádios confortáveis como em verdadeiros muquifos para ver jogos com milhares de torcedores ou uns cinco, dez.

Anos depois de publicar meus primeiros livros, passei a produzir obras de outros escritores, em vários casos de futebol. É alienação ou produção?

Por fim, gostaria de dizer o seguinte: o Brasil não vai melhorar em nada porque a Seleção Brasileira é eliminada da Copa do Mundo e então o povo “retorna à realidade”. Diferente de criticar a atuação, apedrejar o futebol não acrescenta nada ao grande debate que todos esperam para que o país saia desse lodaçal. Pelo contrário: o futebol é um dos grandes símbolos da identidade brasileira e deve ser valorizado.

É certo que alguns jogadores famosos estão desalinhados da realidade brasileira e parecem despreocupados com seu povo. Só que eles passam e o esporte fica. Aí está há mais de 120 anos fincado no coração dos brasileiros. E é bom que se diga: mais de 90% dos jogadores de futebol no Brasil não ganham dois salários mínimos mensais.

Tanto faz se é numa arena moderna ou num campinho minúsculo. O futebol une as pessoas, integra, gera convivências e afetos e, num país onde mais de 70 milhões de pessoas oscilam entre a precarização e a miséria, muitas vezes ele é o único momento de alegria – às vezes até de paz. Podem ter certeza: em muitas vezes, o caldo social brasileiro não entornou de vez porque lá estava o futebol ajudando a acalmar os ânimos, em muitas esferas.

Em vez de posts empolados e com teorias confusas, muitos intelectuais contribuiriam para a discussão sobre futebol fazendo exatamente o que fazem com suas temáticas preferidas: pesquisando e estudando em vez de chutar – muito mal, por sinal.

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Paulo-Roberto Andel, escritor e estatístico carioca, é autor/coautor de aproximadamente 40 livros físicos e digitais sobre futebol, poesia, crônicas, humor e política. Edita o site Panorama Tricolor, o blog otraspalabras!, colabora com o Correio da Manhã e o Museu da Pelada. Sobre o Fluminense, seu time de coração, publicou 20 livros.

Beto Fuscão (por Paulo-Roberto Andel)

Chegou a hora. É assim para todos nós.

Eu vi Beto Fuscão uma vez no Maracanã de antigamente, de muito tempo atrás, 1979. Não era jogo do Fluminense, mas meu pai me levou ao Maracanã e nos sentimos bem, em meio a uma turma de verde. Nós, espremidos por verdadeira multidão de flamengos.

Aconteceu uma das maiores partidas da história. Eram dois timaços, mas o Palmeiras, com sua camisa verdona linda, nocauteou sem dó. Fez 4 a 1 e se classificou para a semifinal do campeonato brasileiro. Meu pai ria, que saudade. À beira do campo, o treinador era um símbolo do Fluminense: Telê Santana, o mestre.

A goleada mudou o futebol brasileiro. A partida do Palmeiras foi tão espetacular que levou Telê para a Seleção Brasileira. O resto já se sabe: o Brasil viveu dois anos e meio de sonho com o escrete que encantou o mundo, exceto os idiotas da objetividade.

Gilmar, Rosemiro, Beto Fuscão, Polozzi e Pedrinho; Pires, Mococa e Jorge Mendonça; Jorginho, Cesar e Baroninho. Depois entrou Zé Mário, que inclusive fez gol. Daquela tarde de sonhos, foram embora o Mococa e o Jorge Mendonça, que jogaram aqui no Rio, mais o Beto Fuscão. Meu pai também foi embora, assim como muitos torcedores que viram ao vivo aquele jogo espetacular. Eu, que continuo por aqui, reitero: foi uma das maiores partidas da história do Maracanã. Antes disso, o Beto foi Seleção em 1977.

Beto Fuscão, muito obrigado por ter existido. Pessoas como você me trouxeram até aqui. Aquele domingo à tarde de 1979 é imortal.

@pauloandel

Dia de Seleção (por Paulo-Roberto Andel)

Quinta, dez pras duas. Lanchei, suei, chorei, tomei banho, jantei bem e fiquei pensando. Marina parou de responder o WhatsApp, deve ter adormecido. Ela trabalha amanhã, ficarei sozinho. Nos últimos tempos, o que eu mais faço é ficar sozinho. As pessoas estão nos smartphones, geralmente muito ocupadas.

Desde aquele dia de muitos anos atrás, com o mar de papel picado que vi na rua em 1978, Brasil 0 x 0 Argentina, lá se foi uma vida. Quarenta e quatro anos.

Vários amigos daquele tempo estão longe ou infelizmente mortos. Meus pais se foram. Tanta, tanta gente. Tem saudade, melancolia e tristeza também.

Nunca é só um jogo, mas jogos e jogos e jogos que vão se acumulando. O garoto Ardiles é um respeitável setentão. Beckenbauer também. Sepp Maier.

Leão, Nelinho, Amaral, Edinho. Jorge Mendonça e Toninho foram embora. Coutinho, Telê, Valdir Peres, o espetacular Sócrates.

Minha vida é longe de ser tranquila, mas nela o futebol é uma presença permanente. É muito bom. Sem o futebol, tudo ia ser muito mais difícil.

A gente vai contando o tempo em Copas. O Sarriá já ficou longe, o México também. A divertida Copa da Itália no Edifício Pampeiro – o Brasil massacrou a Argentina, acertou três bolas na trave e foi eliminado. A Holanda foi eliminada no mesmo dia. Eu era calouro da UERJ.

Sei muito bem que a Copa no Qatar foi um erro, que merece todas as críticas, que não podemos tolerar uma série de coisas. A gente sabe. O mundo tem que melhorar. E as pessoas que se consideram “mais politizadas” precisam aprender que há muita gente politizada apaixonada por futebol, e que sabe melhor do que ninguém onde estão os baixos mundos do esporte. Ninguém é evoluído politicamente por desprezar uma paixão que mobiliza bilhões de pessoas.

São duas da manhã. Eu sinto saudades da Copa da Argentina, não pela ditadura horrenda daquele país, mas por causa de Tarantini, Fillol e Mário Kempes, da fantástica Holanda e do Brasil. Eu tenho saudades de Lato e Trésor. Saudades de colar os escudinhos nos botões, de jogar amistosos com Fred e Floriano, o Luís Fernando também.

O Brasil vai entrar em campo e rememorar os grandes heróis dos anos 1930 e da Copa de 1950 – seleção que sofreu e sofreu muito, sem justiça. Voltar no tempo em que nem Copa havia, como no Sul-americano de 1919 nas Laranjeiras. São muitas histórias numa só.

Daqui a algumas horas eu não vou apenas ligar a TV e ver a estreia do Brasil na Copa do Mundo diante da Sérvia. Não. Mais do que isso, o que vou fazer é pedir ao tempo uma esmola, uma migalha, um golinho dos melhores anos da minha vida. Tempo, esse marcador implacável que sempre vence. Quando somos crianças, o mundo é nosso.

Em 1978 eu tinha uma coleção de tampinhas de Coca-Cola com as carinhas dos jogadores. Ainda não tinha uma mesa de botão. Minha mãe me deu dinheiro para comprar uma cartolina verde, acho que dois cruzeiros. Fiz as linhas do gramado com caneta Bic azul e régua. Na falta de um transferidor, eu fiz as meias-luas e o círculo central com a base de um castiçal que até hoje está aqui em casa. Era um campo pobre, simples, mas bem bonito e desenhado. Posso vê-lo agora com o papel picado sendo jogado pelas janelas de Copacabana.

Agora deu para entender o que eu estou procurando às duas e meia da manhã?

@pauloandel

Está chegando a Copa (por Paulo-Roberto Andel)

Parecia tão longe que ainda demoraria muito, mas o tempo é implacável e aí está a Copa do Mundo, diante de todos os corações. Começará em menos de quinze dias e trará de volta um turbilhão de emoções para todos que amam o futebol.

Eu olho para trás e penso nas Copas que vivi. Uma Copa do Mundo sempre tem muitas Copas do Mundo nas costas, uma bagagem especial.

Nós sonhamos em reviver nossos melhores momentos sempre. Agora mesmo me divido: a criança vendo a chuva de papel picado na rua em 1978, o menino vendo os golaços do Brasil 1982.

E os grandes jogos? E os craques? Quem serão os verdadeiros protagonistas do Mundial do Catar?

Será que vamos ter outra “Mano de Dios”?

Quem vai ser o novo Gordon Banks, voando baixo para fazer o impossível?

Sonhos de um futebol mágico e eterno, tal como o de Garrincha no Chile, acertando o possível e o impossível. Quem sonhará?

Ou aqueles malucos geniais e maravilhosos da Holanda, trocando passes e trocando de posição, deixando os adversários embasbacados a todo instante? Ou ainda mais longe, do super timaço da Hungria em 1954?

A Copa é eterna. Ela abre a cortina. Falei aqui de lances que vi na TV muito depois de terem acontecido, bem como outros que sequer vi ao vivo, só ouvi falar. Tudo fica muito vivo, pulsante.

Estão abertas as vagas para o grande espetáculo do futebol na Terra. Estamos à espera de grandes lances definitivos, de jogos para se sentir o coração na boca. Uma coisa é certa: durante um mês, todos os corações do mundo vão perseguir o sonho do futebol. Bares cheios, churrascos, tevês cercadas por olhos atentos. Seleções clássicas e humildes. Jogos simples e apoteóticos. O sonho, o drama, a paixão.

Se não der pra rever o fantástico Pelé atormentando os goleiros Viktor e Mazurkiewicz, que seja o Ronaldinho fuzilando Oliver Kahn. Cercado de jovens, o já veterano Neymar terá sua oportunidade derradeira. Thiago Silva, decano de quatro Copas, também.

O sonho brasileiro da Copa é igualzinho àquela tarde já distante de 1994, quando Jorginho fez um cruzamento perfeito e Romário, sempre ele, subiu três metros de altura para cabecear de forma indefensável, deixando o goleiro sueco Ravelli sem pai nem mãe. A seguir, Romário abre os braços, seguro da vitória imortal, e a gente faz um país, daqueles que casam a voz de Marina Lima com os versos de Antônio Cícero.

Está chegando a Copa!

@pauloandel

Lima Barreto, o genial inimigo do futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Poucos anos de seu surgimento no Brasil, o futebol já causava furor em debates na imprensa.

Extremamente popular na capital da República, o famoso esporte bretão também era motivo de polêmicas e, onde elas estavam, havia também a presença de um dos maiores escritores brasileiros de todo os tempos: Lima Barreto. Sua luta contra o futebol foi declarada contra outro craque da época, Coelho Neto.

“O futeból é eminentemente um factor de dissenção. Agora mesmo, elle acaba de dar provas disso […].O Sacro Collegio do Futeból reuniu-se em sessão secreta, para decidir se podiam ser levados à Buenos-Ayres, campeões que tivessem, nas veias, algum bocado de sangue, negro-homens de cor. […] O conchavo não chegou a um accordo e consultou o Papa, no caso, o eminente Sr. Presidente da República. S. Ex. […] não teve dúvida em solucionar a grave questão. Foi sua resolução de que gente tão ordinária e compromettedora não devia figurar nas exportáveis turmas de jogadores; lá fora, accrescentou, não se precisava saber que tínhamos no Brazil semelhante esterco humano. […] O que me admira, é que os impostos, de cujo producto se tiram as gordas subvenções com que são aquinhoadas as sociedades futebolescas, não tragam também a tisna, o estigma de origem, pois uma grande parte delles é paga pela gente de cor.”.

“É o fardo do homem branco: surrar os negros, afim de trabalharem para elle. O futeból não é assim: não surra, mas humilha; não explora, mas injuria e come as dízimas que os negros pagam.”

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Bic, cartolina e futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Saí do trabalho, passei pelas ruas tristes que só tinham algum alento por que os flamengos estão nas calçadas – eles já comemoram! -, e resolvi passar na pequena papelaria da rua dos Inválidos para comprar uma caneta Bic.

Volta e meia faço isso. Minhas canetas somem. E também porque papelaria é um dos melhores lugares do mundo: olhe para a cartolina, a cola e logo você estará de volta ao melhor de todos os mundos – a infância.

A Bic traz de volta meu pai, que tinha uma letra bem bonita, trabalhada, e estava sempre anotando coisas, de lista de compras a tarefas do dia. Traz a mim mesmo, sonhando em passar no vestibular e estudar na UERJ – fui pra lá por amor, eu a queria desde garoto. Às vezes no corredor do estádio, olhava para o pavilhão e dizia “Um dia eu vou estudar ali”. Acabei indo.

Há 44 anos, eu comprava uma cartolina para desenhar meu estádio de futebol de botão. Ainda não tinha um Estrelão. Meu time do Fluminense tinha Wendell ou Renato, Miranda, Edinho, Rubens Galaxe, Doval, Rivellino, Paulo Emílio, Sebastião Araújo. Botões Gulliver lindos, verdes, com o escudinho do Flu pintado em fundo amarelo.

Daqui a pouco vai ter decisão no Maracanã, o mundo todo vai olhar para lá. Em condições normais eu estaria na velha arquibancada de concreto, mas quem comanda o meu time não deixou, se é que me entendem. Vida que segue.

Saio da papelaria, penso na escola que foi derrubada, nos professores todos mortos, nos colegas que nunca mais vi. Há uma longa caminhada daqueles dias até aqui. Muito longa, tão longa que o Maracanã teria 150 mil pessoas mas vai se consolar com 60 mil – e o povão, aquele povão que eu encarei de frente em Fla-Flus inesquecíveis, agora se esconde em casa ou espia a TV em biroscas para acompanhar seu time. É tudo muito diferente dos tempos dos botões verdes.

Nessa terra tão triste e devastada, que convida ao suicídio, o futebol é importante demais. Quanta gente tem no futebol sua única distração e alegria? Pode ser TV ou rádio, pode ser pelo celular, todo mundo está acompanhando o jogo.

Agora é jantar uma macarronada, deixar de lado o desespero das eleições, não pensar nas dívidas asfixiantes, descansar um pouco e ver o jogo. Claro. Adoro futebol e sempre tenho lado. Não confio em gente que não tem lado em futebol, que só não é pior do que o Zé Ovo dizendo “Não acompanho nada que não tenha o meu time” – não passa num detector de mentiras, coitado.

Nem sei se está tendo confusão no Maracanã agora, e é possível que sim, mas do nada me bateu saudade daquele estádio com cento e tantas mil pessoas, onde eu era um garotinho encantado com as bandeiras, o pó de arroz, o placar de maravilhosas lâmpadas e um monte de craques em campo. Aquilo era extremamente mágico e, se escrevi milhares de páginas sobre futebol, foi por causa da infância inesquecível.

Vou jantar. Que seja uma rara noite de paz nessa terra. Que seja uma noite de diversão para muita gente, sem ódio, sem a cólera doentia que alguns insistem em mostrar nessas ocasiões.

O anfitrião tem a faca, o queijo e o resto na mão para ser campeão no Maracanã – e, por isso mesmo, como ensina a história dos visitantes no campo imortal, tá bem arriscado da Fiel urrar num delírio. Eu vou de 13! Secar é uma das coisas mais divertidas do futebol.

Vai, Corinthians!

@pauloandel

Lançamento do livro “Andarahy Eterno” (da Redação)

Neste sábado (8), o escritor Kleber Monteiro lançou seu segundo livro, “Andarahy Eterno”, que conta a trajetória completa do mais importante dos times cariocas extintos do futebol carioca.

O evento aconteceu no Largo do Dondon, coração do Andaraí, e contou com a participação de dezenas de leitores que, além da obra literária, também adquiriram réplicas de camisas do majestoso clube alviverde.

“Andarahy Eterno” foi produzido pela Vilarejo Metaeditora e pode ser comprado com o próprio autor pelo WhatsApp 21 99791-5589, ou ainda no Sebo X (Instagram @seboxis).

SAF pode virar tendência no futebol brasileiro (por Robertinho Silva)

Depois de Botafogo, Cruzeiro e Vasco terem aderido o modelo da SAF, foi a vez do Bahia. O Tricolor da boa terra fechou recentemente uma parceria com o Grupo City, que tem como carro chefe o Manchester City da Inglaterra.

Outro que também sinalizou com a possibilidade de aderir o modelo da SAF, é o Atlético Mineiro. Porém, diferente da situação de outros clubes que passavam por turbulência financeira e falta de resultados esportivos, o Galo mineiro busca no clube empresa apenas uma parceria para se manter no topo. Apesar de a dívida do clube ultrapassar 1.2 Bi, o clube tem totais condições de equacionar.

O órgão colegiado composto pelos 4Rs (Rubens e Rafael Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães) trabalha para manter, no mínimo 40% das ações, pois assim, o Atlético (associação) ainda seguirá como dono único de seus patrimônios (clubes sociais, Arena MRV e Cidade do Galo) podendo até negociar fatias no futuro. Os mineiros chegaram a ter conversas com o Grupo City, com Fenway Sports Group e com presidente do PSG, que possui ligações com o governo do Catar, mas as tratativas não avançaram.

Nas grandes Ligas da Europa, é comum os clubes serem administrados por empresas ou fundos de investimento. No futebol espanhol, boa parte dos clubes formados por associações civis estavam em situação calamitosa, pois tinham dívidas com o governo significativas e refinanciamentos estatais desses débitos fracassados. A “Espanholização”, que tem como pilar a MP984 praticamente assassinou a indústria do futebol pelos gramados espanhóis, pois 75% dos direitos de transmissão eram concentrados na dupla Real e Barça.

Foi neste cenário que o Governo Espanhol resolveu intervir. Em 2015, foi aprovada a Lei que regulava as vendas dos direitos de transmissão do futebol. A intervenção estatal classificada como “urgente” definiu a venda centralizada dos direitos de transmissão semelhante ao modelo Premier League. Em paralelo a isso, os clubes foram obrigados a virar empresa, pois assim, permitiriam a compra de ações. Isso fez com que os clubes se tornassem uma máquina de arrecadação, diminuindo as disparidades, e tornando o mercado estável e competitivo.

O Mallorca por exemplo, é administrado pelo americano Robert Sarver, dono também do Phoenix Suns da NBA. O Ex armador da equipe, o canadense Steve Nash é um dos acionistas do Mallorca. Barcelona, Real Madrid, Osasuna e Athletic Bilbao ficaram fora da obrigatoriedade de virar empresa, pois possuem modelos associativos bem consolidados, no qual a participação no capital do clube fica nas mãos dos sócios, e não de uma só pessoa ou grupos de investimentos.

Na Inglaterra, o final da década de 80 e início de 90 foi marcado por trocas nas propriedades de clubes. Ao contrário do Brasil, os times já tinham donos, mas eram empresários locais. Quem chegou ao país foram milionários de outros países, especialmente dos EUA, onde já estava consolidada uma indústria lucrativa de outros esportes. A formação da Premier League foi impulsionada por um grupo de cinco clubes —Everton, Manchester United, Liverpool, Arsenal e Tottenham. Atraídos por eles, os clubes de primeira divisão romperam com a Football League, que controlava todos os campeonatos, para criar uma liga independente que centralizaria todos os direitos de TV, patrocínio etc.

O fato de empresários que visavam o lucro serem donos nos principais clubes foi essencial na busca por um novo modelo. Seu objetivo, como em qualquer indústria, era maximizar as receitas de sua empresa. Para isso, precisavam reformar como o futebol se organizava e como passaria a ser comercializado. Logo de cara, fizeram uma concorrência que aumentou significativamente as receitas de televisão. Não havia mais espaço para a politicagem.

No Campeonato Mexicano a MP 984 também deixou marcas profundas. Muitos clubes chegaram a decretar falência. O rebaixamento teve que ser suspenso por 6 temporadas. Foi neste cenário que muitas das equipes resolveram adotar o sistema de franquias, tão comum nos esportes americanos. De toda a elite do futebol local, apenas o Pumas não tem um dono e é constituído por uma associação civil.

A forte presença de empresas privadas fazem o campeonato ter mais de 180 jogadores estrangeiros, cerca do triplo do Campeonato Brasileiro. Atletas sul-americanos são a maioria. “Os mexicanos pagam em dólar e a mudança do câmbio nos países sul-americanos aumentou a atratividade”, explicou o empresário Marcelo Robalinho, que atua no mercado de transferências há mais de 20 anos. Do ponto de vista esportivo, a presença de estrangeiros também eleva o nível da competição. “Aqui, a maioria (dos jogadores) é convocado para as seleções de seus países. O futebol jogado aqui é muito rápido. Eu, particularmente, evoluí muito nesse quesito de jogar mais rápido. O Campeonato Brasileiro é um pouco mais lento. Aqui é mais rápido, jogam bastante com jogadores abertos, rápidos”, afirmou ao Estadão o volante Rafael Carioca, titular do Tigres.

No futebol italiano, a SAF do Milan comandada pelo grupo americano Elliot Management é o melhor case de sucesso. Os rossoneros se encontravam em uma dívida milionária de 200 milhões de euros quando o chinês Li Yonghong comprou o clube do então antigo dono Sílvio Berlusconi. Para piorar, ainda teve uma debandada dos investidores do clube.

Diante da pressão de salvar a instituição da falência, o fundo americano precisou fazer uma escolha; ou seguia os anseios da torcida por ver o Milan de volta as glórias ou equilibrava as contas. O clube rossonero optou por equilibrar as contas, o que mostra que não é só o dinheiro que irá resolver o problema dos clubes, mas sim, um conjunto de ações que levarão a eficiência. Um clube precisará gastar menos e arrecadar mais.

No futebol existem atalhos, mas são mais caros. Por isso eu digo que scouting é o principal caminho. Em mercados mais maduros, onde tem liga, como por exemplo a Premier League, a correlação entre salários e investimentos total, compensação, atletas, bônus, valores de transferência e resultados esportivos é altíssimo. Ou seja, a correlação é muito alta e isso torna o jogo muito competitivo e muito caro para brigar entre as três ou quatro posições. Por isso, o único jeito de mudar o jogo é através de scouting.”, afirmou o CEO Jorge Braga, fazendo uma referência ao sucesso desportivo do clube italiano.

Segundo Braga, o scouting não deve servir apenas para fazer contratações, mas principalmente conseguir um resultado esportivo desproporcional ao investimento que é feito dentro da folha salarial de atletas.

“É especialmente para desenvolvimento de performance e aumento de valor. Ter bons olhos e bons números para contratação é bom, mas o que ganha jogo é poder evoluir a performance individual e pontual e naturalmente expandir o valor dos direitos econômicos e dos jogadores. Isso faz muito a diferença”, completou.

A profissionalização do futebol, como aconteceu com o Milan, vai demandar uma enorme mudança cultural dos brasileiros. Encontrar o equilíbrio entre o fluxo de caixa e a paixão do torcedor não é uma tarefa simples. Os apaixonados não têm paciência para se comprometer com o médio e o longo prazo. Haverá a necessidade, de parte dos clubes, de muita habilidade para comunicar aos associados a estratégia e a sua viabilidade. Transparência e maturidade dos dirigentes, aqui, farão a diferença; ao mesmo tempo que contratos bem firmados com as SAFs, resultantes de negociações feitas à luz do sol”, projetou.

Acredito que as SAFs no Brasil terão dois papéis importantes; um é a questão da formação da Liga, fazer o futebol ter uma visão mais empresarial. O outro, é a profissionalização das gestões dos clubes, que em maioria ainda são perdulárias e amadoras. Os clubes nas mãos de investidores terão propensão a uma maior qualidade de administração.

A grande questão é como cada clube vai gerir os gastos, como farão pra ter equilíbrio entre a parte comercial e o sucesso esportivo.

Tivemos casos de clubes que aderiram ao modelo da SAF e decretaram falência. O Málaga da Espanha foi adquirido por um xeique que pouco tempo depois desistiu do negócio. O time foi rebaixado para segunda divisão e acumulou dívidas.

O Parma da Itália, que por muito tempo foi gerido e bancado pela Parmalat, decretou falência e por conta das dívidas deixadas precisou ser refundado com um novo nome e na última divisão do Futebol italiano.

Muita gente fala em Profissionalização da Gestão, mas será que estão dispostos a pagar o preço? Os cases de sucesso mostram que a consistência vence a conveniência.

O futebol explica o mundo (por Paulo-Roberto Andel)

Há pouco, ouvi um programa na TV e falavam de futebol, não apenas pelo óbvio mas por tudo que o envolve. Muita gente só vê o jogo em si, ou pensa que todos os jogadores são milionários – um tremendo engano. O futebol explica a vida e o mundo.

Para começar, num país onde a vida é tão difícil, às vezes o futebol é a única alegria de muita gente, seja num campinho, numa calçada, num radinho de pilha ligado, numa mesa de botão, numa portaria. Nos hospitais. Na rua.

Meio de sociabilidade. Bate papo no trem, na barca, no ônibus lotado. No metrô. Numa fila de emprego ou congênere.

Por causa do futebol, passei a ler casa vez mais e isso me levou a filmes, exposições, peças e shows. Ele me levou a interagir basicamente com quase todos os meus amigos, e até os que não são propriamente fãs do esporte já me contaram ótimas histórias.

Conheci muita gente por causa de futebol – minha mulher, inclusive -, e a maioria está por aí até hoje, felizmente. Foi o que me levou a ser um escritor publicado, depois de anos de luta.

Gente que adora os escudos, os times extintos, os times modestos, os imaginários. Gente que sonha com o jogo, com a felicidade efêmera do domingo à tarde.

É claro que podres poderes estão no futebol. Muita gente se dá bem nisso. Agora, eles também não são os donos do mundo, não controlam o sentimento de bilhões de pessoas.

O futebol junta gente que jamais se reuniria noutro lugar ou circunstância. Ele agrega. E ainda vale muito a pena.

@pauloandel

Flu x Corinthians, o que esperar? (por Robertinho Silva)

Nesta quinta-feira, Corinthians e Fluminense se enfrentam na Arena Itaquera pela partida de volta da Copa do Brasil. No primeiro duelo, empate em 2 a 2 no Maracanã. Por um lado, o Tricolor tem motivos de sobra para se manter otimista. Venceu por 2 a 1 o bom time do Fortaleza no Maracanã pelo Brasileiro.

Por outro lado, o Flu tem muito a lamentar. O time tem tido queda de rendimento, especialmente na segunda etapa dos jogos. É nítido que o time está esgotado fisicamente, e para este jogo decisivo não poderá contar com o meia André, um dos pilares do time tanto na marcação, quanto na construção de jogadas ofensivas. Fernando Diniz terá que escolher entre manter seus jogadores em campo até o limite da ruptura física, ou fazer alterações mais cedo e ter uma queda vertiginosa de rendimento.

Apesar dos pesares, o Fluminense deixa razões para deixar o torcedor esperançoso. O Fluminense é o segundo time mais eficiente nas finalizações, ficando atrás apenas do Inter de Mano Menezes. Vem apresentando bons números fora de casa, sendo o segundo melhor visitante no Brasileiro, e tendo vencido todas longe de seus domínios na Copa do Brasil. O retrospecto de Fernando Diniz jogando contra treinadores estrangeiros que até o momento é de 73,8%. Germán Cano fez as pazes com as redes, fez os dois diante do Fortaleza e retomou a artilharia do campeonato. O goleiro Fábio é o único do atual elenco a ter vencido o Corinthians na Arena Itaquera. Na ocasião, foi campeão da Copa do Brasil em 2018, vencendo por 2 a 1 e garantindo o hexacampeonato da competição para o time celeste.

Outro ponto que me chama bastante atenção nesse Fluminense, é como o time melhorou na construção das jogadas, na compactação de marcação. Isso justifica a tamanha eficiência durante a temporada.

O Fluminense se inspira no épico e memorável jogo de 1984 diante do mesmo Corinthians, válido pela semifinal do Brasileiro daquele ano. Naquela partida, o ex-zagueiro Ricardo Gomes apontou que a classificação a decisão após um jogo que classificou como “tecnicamente perfeito”.

Na final, o Fluminense enfrentou o Vasco, que havia eliminado o Grêmio. No primeiro jogo, vitória por 1 a 0, gol do craque Romerito. Na segunda partida, empate sem gols e título garantido para o time das Laranjeiras.

Foto: UOL

A Taça Rio do America, 40 anos depois (por Paulo-Roberto Andel)

Entre setembro e novembro de 1982, aconteceu a primeira edição do segundo turno do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro com nova nomenclatura, batizado como Taça Rio. Começava uma nova era de charme que duraria vários anos, em contrapartida à consagrada Taça Guanabara, criada em 1965.

O futebol do Rio fervilhava. Os times possuíam muitos jogadores de qualidade, os clássicos eram sinônimo de Maracanã lotado. Apesar da natural disparidade de forças entre as grandes equipes e as de menor investimento, é correto dizer que todos os times da Primeira Divisão do Rio em 1982 tinham valor. Além dos chamados quatro grandes, brigavam America e Bangu, além do Campo Grande (campeão da Série B do Brasileirão naquele ano), o atrevido Bonsucesso e os sempre incômodos Americano e Volta Redonda. Até mesmo a Portuguesa, que fez uma campanha ruim, aprontou contra Fluminense e Flamengo, vencendo os dois clubes respectivamente por 2 a 1 e 3 a 2 – este, num jogo épico na Ilha do Governador.

Já consagrado na temporada pelo título do Torneio dos Campeões, que tem o peso de uma competição nacional, o America conseguiu apenas o sexto lugar na Taça Guanabara. Entretanto, reagiu no returno e marcou seu nome na história da Taça Rio como seu primeiro campeão, apesar de começar a jornada com uma derrota.

A campanha rubra na Taça Rio 1982:

America 1 x 3 Botafogo (Maracanã)
America 4 x 1 Volta Redonda (Wolney Braune)
Americano 0 x 1 America (Godofredo Cruz)
Bonsucesso 0 x 0 America (Moça Bonita)
America 2 x 0 Campo Grande (Wolney Braune)
Vasco 0 x 2 America (Maracanã)
Bangu 2 x 2 America (Maracanã)
Flamengo 0 x 2 America (Maracanã)
Portuguesa 1 x 3 America (Caio Martins)
America 5 x 0 Madureira (Wolney Braune)
Fluminense 2 x 4 America (Maracanã)

A Taça Rio deu ao America a oportunidade de disputar o título estadual de 1982 contra Flamengo (campeão da Taça Guanabara) e Vasco (time com a maior soma de pontos nos dois turnos do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro), num triangular final. Duas derrotas por 1 a 0 alijaram o time do título esperado desde 1960, mas a bela campanha da Taça Rio é uma doce lembrança dos tempos em que o America era protagonista e admirado.

A vitoriosa campanha americana na Taça Rio contou com nomes como os de Gasperin, Chiquinho, Eve­raldo, Zedílson, Aírton, Pires, João Luís, Moreno, Gilberto, Luisinho Tombo, César, Serginho, Gilson, Donato, Jorginho, Adilson, Duílio e Elói, mais os treinadores Dudu e Edu.

O Fortaleza embalou! (por Robertinho Silva)

O Fortaleza está embalado e está com 100% de aproveitamento no returno. Com cinco vitórias consecutivas e seis jogos sem perder, o Leão do Pici abandonou a lanterna, e já é o 12.º colocado no campeonato com 30 pontos.

O Tricolor Cearense conseguiu uma importante vitória por 1 a 0 contra o São Paulo no Morumbi. Se Capixaba fez o gol, por outro lado, o grande nome da partida foi o goleiro Fernando Miguel, que teve atuação de gala fechando o gol. O arqueiro fez sete defesas na partida, sendo quatro delas espetaculares.

Fernando Miguel disputou sua sétima partida no Brasileirão e não sofreu nenhum gol. São 691 minutos sem ter a sua rede balançada no campeonato. O Fortaleza vai se distanciando da luta contra o rebaixamento, faz uma campanha de recuperação incrível neste certame. Pode até sonhar com uma vaga na Libertadores.

Vale destacar; o Fortaleza paga pelo preço do próprio sucesso. Com receitas e elenco médios, os cearenses resolveram focar nas Copas, e por isso, jogou algumas partidas do Brasileirão com time inteiramente reserva ou misto. Acabou passando por um período na lanterna do campeonato. Mesmo assim, por diversas vezes, o time do técnico Vojvoda jogou bem, mas o resultado não foi o esperado. O time mostrava sinais de reação, faltava apenas um pouco mais de sorte.

Neste momento, a chave virou: o Fortaleza vive um momento de retomada no Brasileiro. Dá pra se dizer que o Leão se arriscou de forma “calculada”, fez uma excelente participação em sua primeira vez na Libertadores, e apesar dos pontos desperdiçados no campeonato, faz uma excelente campanha de recuperação neste segundo turno. Na Copa do Brasil, foi eliminado pelo Fluminense nas quartas, mas fez um jogo duríssimo, deixando uma sensação de orgulho no seu torcedor.

O presidente Marcelo Paz já deixou clara a intenção da permanência de Juan Pablo Vojvoda para 2023. Para mim, o argentino é um dos pilares desse projeto lindo que vem fazendo o Fortaleza. Não sei se o Fortaleza conseguirá novamente a vaga pra Libertadores, se vai jogar a Sul-americana, mas o Leão do Pici para mim já é um grande campeão. O campeão da emoção!

Félix, Fluminense, a gênese (por Paulo-Roberto Andel)

A primeira lembrança que tenho sobre futebol está em vias de completar meio século. No entanto, lembro dela como se tivesse dez ou quinze anos de distância. De uma vez só, me encontrei com o esporte, o ídolo e o meu time.

Em algum lugar do primeiro semestre de 1973 – e depois vocês vão entender a precisão -, era noite em Copacabana, no alto da rua Santa Clara. Nós morávamos num prédio de quatro andares, sem elevador, que já não existe mais – foi derrubado para a construção de um apart-hotel.

Nosso apartamento era grande e confortável. Para mim, era gigante. Eu sempre me lembro de ficar no quarto. No do meus pais, também tinha uma cama pequena para mim, onde dormia às vezes, geralmente de tarde. E tinha a saleta, onde eu brincava de Polly e outras coisas.

Naquela noite, eu estava no quarto dos meus pais, na minha segunda cama, enquanto eles estavam na sala, acho que com visitas. Num súbito, meu pai abriu a porta e vem falar comigo. Todo orgulhoso, ele trazia consigo outra descoberta para mim: um álbum de figurinhas. Ele os adorava, e é uma lástima para mim que todos tenham se perdido com nossas mudanças. Os álbuns eram uma declaração de amor do meu pai pelo futebol.

“Paulo, olha aqui. Esse é o Félix, ele é do Fluminense. É o goleiro do Fluminense e do Brasila”.

Parei e olhei com atenção. Eram duas palavras completamente novas para mim, Félix e Fluminense. Eu as decorei de imediato, então posso dizer que naquele momento, cercado pela felicidade de meu pai ao me mostrar o álbum, num só instante eu me tornei Fluminense – se é que já não era -, fã do Félix e, inevitavelmente, do futebol. Foi tudo um furacão de sentimentos, vejam vocês: eu era Fluminense, já era torcedor mas nem sabia as cores do time ou como era seu escudo. Numa cena de quinze segundos, eu tinha um time, um ídolo, mais um esporte para seguir pelo resto da vida. Não me apaixonei primeiro pelas cores, pela torcida, pelas bandeiras ou pelos jogadores: meu amor pelo Tricolor nasceu da palavra escrita, falada, num supetão. Ploft: Fluminense!

Félix veio junto. Eu começava a decorar as letras e palavras, e aquele nome foi tão marcante para mim que Félix e Fluminense significavam a mesma coisa, uma coisa só. Faz sentido: Félix é um dos maiores ídolos da história do clube. Cheguei a vê-lo, ainda muito criança e ele como a muralha da Máquina 1975, quando já era um personagem mítico e multicampeão das Laranjeiras.

De onde veio minha certeza sobre o primeiro semestre de 1973? Porque meu aniversário de cinco anos era em julho e, nele, eu já tinha uma bolinha com o escudo do Fluminense, já sabia que era tricolor e que meu time também tinha um lindo uniforme branco. No ano seguinte, 1974, tenho a minha primeira lembrança do Maracanã, olhando o antigo placar em 0 a 0. Enquanto o grande Gerson dava seus últimos passos na carreira e o Fluminense recebia Francisco Horta como presidente – o mais emblemático da história tricolor – e maquinista de um dos maiores times do mundo, eu já era Fluminense de alma, palavra, escudo e sentimento.

Desde então, se passaram muitos anos e aquelas palavras ficaram comigo para sempre. Há quase cinquenta anos, é muito difícil eu passar dias sem lembrar do nome de Félix – e imediatamente do meu pai. O do Flu passou de paixão: virou ofício, trabalho e parte da minha carreira como escritor. Chega a ser incrível pensar que tudo parecia escrito lá atrás, quando passei a amar o clube pelo som e grafia de seu nome.

Félix é um dos grandes heróis tricolores da história, um vencedor supremo, uma fera, um paradigma, um campeão do mundo. Para mim, ele ainda consegue ser mais do que isso: olhando esse longo tempo para trás, ele é a primeira lembrança de uma longa estrada que veio até aqui, sem previsão de término. Félix é Fluminense, as duas palavras são a felicidade de Helio Andel abrindo a porta e, todo orgulhoso, mostrando seu ídolo num álbum de figurinhas para o pequeno filho. É a eles que tenho perseguido por todos os anos. O Fluminense é, a cada três dias, meu sonho de reencontro com aquela noite da infância.

Aquele apartamento não existe mais, nem meu pai, nem Félix, mas a força das palavras atravessou os tempos de tal forma que eles parecem eternos. Agora está escuro aqui no quarto e a TV mostra um noticiário na madrugada, mas me basta uma breve espiada no teto escuro e ele me sugere aquele outro quarto, onde em segundos pai, filho, goleiro e time fizeram involuntariamente – mas nem tanto – um pacto para a eternidade.

@pauloandel

Espanholização (por Robertinho Silva)

O futebol brasileiro respira por aparelhos. Perdemos em competitividade e abrangência. Seguimos cada vez mais escavando o abismo, tendo em vista o projeto de hierarquização artificial que está em curso desde 2011, após a quebra do Clube dos 13.

De 1987 até 2011, o C13 foi o responsável pela distribuição dos recursos entre os clubes que disputavam a principal divisão do futebol brasileiro. Não era a divisão ideal, mas pelo menos tínhamos um caminho.

Até que a Record e a Rede TV surgiram em 2011 como principais interessadas na compra dos direitos de Transmissão do Campeonato Brasileiro, justamente no momento em que o CADE resolve cassar a liminar de renovação automática da Globo. É aí que começa um verdadeiro racha nos bastidores.

No livro do jornalista Rodrigo Capelo (“O Futebol como ele é”) o próprio Andrés Sanchez explica como rachou o Clube dos 13: “O Ricardo Teixeira me chamou e falou ‘Andrés, o Kléber Leite [ex-presidente do Flamengo] quer ser candidato ao Clube dos 13. Se ele ganhar, eu passo o futebol todo para o Clube dos 13. Vocês fazem liga, o que quiserem. Eu não vou dar para aqueles loucos, mas para o Kléber eu passo o futebol todo’. Eu comprei a ideia”, revela Andrés no livro.

Os loucos a quem Andrés Sanchez se referia eram Fábio Koff, presidente do Clube dos 13 e ex-presidente do Grêmio, e Juvenal Juvêncio, falecido em 2018 e ex presidente do São Paulo. “O Ricardo continuou com o futebol na CBF, como está até hoje. Eu tinha a promessa dele de deixar a gente fazer uma liga, ter uma independência maior no futebol”, reforça Andrés, dizendo que tudo isso não foi possível “porque o Kléber não ganhou”. E completa: Teixeira não queria dar tal autonomia para Koff e cia. porque achava que eles “não fariam o que tem que ser feito”, finaliza Andrés.

Dali em diante, o Clube dos 13 ruiu. As negociações de direitos de transmissão passaram a ser de forma individual, e não mais coletivas como foram no passado. A partir dali, começou a surgir a “Espanholização” do futebol nacional, onde dois clubes passaram a ser privilegiados em tudo, como exposição maciça de marcas na mídia, acesso a financiamentos, patrocínios com dinheiro público, cotas de transmissão superfaturadas, entre outros benefícios. Os demais clubes seriam apenas coadjuvantes.

O Campeonato Brasileiro não ganhou um veículo de transmissão. É um veículo de transmissão que possui o produto campeonato brasileiro. Os interesses comerciais e a politicagem venceram os méritos esportivos. A concentração óbvia e absurda de recursos, o favorecimento explícito a esse ou aquele clube, é de enojar qualquer membro diretor do Cartel de Cali. A predisposição em socorrer somente aos que interessam é gritante por parte da detentora do campeonato. Um misto de assessoria de luxo e comitê de crise nas horas vagas.

Uma concessionária de serviço público passou a mandar e desmandar no futebol, impondo a hierarquia que lhe convém entre os clubes. Pagando mais pra um e menos pra outros, conforme conveniência sob a escusa mentirosa e falaciosa de MAIS AUDIÊNCIA. Passou a escalar jogos quinta às 19h, quarta às 21h30 ao bel prazer. E sempre com uma tabela mais interessante pra A, no início do campeonato, do que para os B, C, D e Es que fazem parte do mesmo campeonato.

O futebol que em outrora era fascinante e emocionante, se tornou um torneio de obviedades e cartas marcadas, onde todos já sabem o final. Pontos corridos no Brasil, é apenas a regularidade dos mais ricos, que enriquecem com cota superfaturada da própria emissora que transmite o campeonato.

A Espanholização do Futebol foi minuciosamente planejada. Hoje, estamos apenas presenciando o ápice. Não se iludam, pois, ninguém na Rede Globo contava que o Palmeiras fosse aprontar uma grande retomada com Paulo Nobre e Crefisa, deixando um dos clubes alvos da emissora a ver navios. Ninguém esperava que o Cruzeiro fosse se atolar em dívidas para montar um elenco fortíssimo e tirar dois títulos da Copa do Brasil dos “queridinhos”.

Ninguém esperava que os “4Rs” (Rubens e Rafael Menim, Ricardo Guimarães e Renato Salvador) fossem oxigenar o caixa do Atlético Mineiro trazendo grandes reforços, equacionando dívidas e ganhando a Tríplice Coroa em 2021.

A tendência é que Corinthians, Flamengo e Palmeiras continuem por longo tempo disputando todos os títulos, mais o Galo e o São Paulo correndo por fora beliscando uma coisa aqui e outra acolá, que é para a coisa não ficar tão sem graça. Quanto ao Corinthians, não se preocupem. Logo, logo aparece um rio de dinheiro por lá, semelhante ao que aconteceu na Praia do Pinto em meados de 2012.

Hoje estamos vivendo uma nova fase do Futebol Brasileiro. Visando driblar o Projeto de Hierarquização artificial e minorar suas dívidas, alguns clubes resolveram sair do modo associativo, e entrar para o modelo das SAFs (Sociedade Anônima do Futebol). Tivemos o Botafogo, que vendeu 90% das ações para o americano John Textor; o Vasco, que vendeu 70% das ações para Josh Wander, dono da 777 Partners, e o Cruzeiro,p que vendeu 90% das ações para o ex-jogador e empresário Ronaldo Fenômeno.

Logo após esses movimentos no mercado, vi a maior sessão gratuita de hipocrisia da história. Os mesmos que colaboraram tanto para a “Espanholização”, que apoiaram a destruição do Clube dos 13, agora falam em “União, Equilíbrio, Fair Play Financeiro e formação de Liga”. Novamente, os clubes se dividiram. De um lado temos o Grupo Libra, que defende a manutenção do status quo. Onde o preceito é “Uma vez favorecidos, sempre favorecidos”.

A cultura do futebol brasileiro é a formação de oligopólios, é concentrar riquezas. Nunca foi no sentido de distribuir, visando um equilíbrio. Na Europa, tivemos uma tentativa de Liga, que graças a Deus não foi adiante. Um detalhe que diz muito; no Brasil, a panela já foi formada por 13 clubes. Agora, apenas seis. É sempre o “melhor para o seu umbigo” camuflado de “bom pra todo mundo”.

Do outro lado, temos o grupo Forte Futebol que visa uma divisão mais justa e igualitária, visando retomar o equilíbrio perdido. São dois lados antagônicos, onde um lado busca socializar a miséria, enquanto o outro busca dividir riqueza.

Os mais favorecidos dizem que “tem que continuar isso aí”, agindo pesado contra qualquer mudança. O monopólio é assim, parte do princípio que não é aberta a outros a participação no grupo daqueles que controlam o sistema e determinam as regras que o operam. O teto de cada um é pré-estabelecido pelos próprios organizadores deste sistema, e este não tem interesse em desenvolver o futebol brasileiro, mas sim um ou dois clubes como se eles representassem o todo. Até hoje, nada foi constituído para que os melhores e mais organizados obtenham êxito, e sim, que os ‘‘escolhidos” sejam favorecidos de inúmeras formas até que confirmem sua “força”. Típica meritocracia à moda brasileira.

“Equilíbrio e Campeonato justo” no sistema brasileiro a moda espanhola seria assim;

Flamengo – Real Madrid

Corinthians – Barcelona

Palmeiras – Atlético de Madrid (aquele time que de vez em quando atrapalha a hegemonia da dupla “querida”.)

O restante dos clubes; Sevilla, Villareal, Málaga, Numancia, Cádiz, Valladollid, Huesca, Rayo Vallecano, Espanhol etc.

Segundo alguns “jornalistas” e blogueiros da Globo, o “Campeonato atende a um mix de equilíbrio técnico e audiência”. Eu vos pergunto: um clube receber infinitamente mais de cota melhora o campeonato em quê? Quanto maior for o nível técnico de todos os competidores, mais lucrativo o campeonato é. Isso é o óbvio, ora bolas.

Durante mais de uma década de desequilíbrio financeiro, era muito comum ver jornalistas escrevendo inúmeras matérias sobre “austeridade no passado” e “planejamento financeiro”. Segundo eles, cota de transmissão superfaturada, patrocínios estatais em troca de lobby político é “Gestão Transparente”. Em contrapartida, empréstimo a juros baixos e patrocínio privado, segundo eles é “mecenato”.

Curioso que o poderio econômico destes clubes só passou a existir depois da quebra do Clube dos 13, onde passaram a receber cotas de TV absurdas e ordinárias e patrocínios em bases muito favoráveis a estes clubes. Tudo de forma artificial e proposital para gerar desequilíbrio. Eu vos pergunto; porquê não criaram o desequilíbrio internamente com receitas de marketing, bilheteria, sócios, camisas vendidas e etc?

Criaram “poderio financeiro” com dinheiro superfaturado da mesma emissora que monopoliza as transmissões da competição. É como se tivesse uma corrida de 500 metros, e por escolha da TV, um dos competidores quando disparasse o tiro da largada, já largasse a 10 metros da linha de chegada. Tem dúvidas de quem vai vencer essa corrida?

Não há nenhum critério lógico, científico, técnico, matemático, físico ou algo que o valha para toda essa distorção. É tudo baseado em números que não correspondem a realidade.

Ou mudamos isso urgentemente, ou mudaremos a alcunha de “País do Futebol” para “País da Emissora de TV”.

Os 24 anos do Gol Monumental (por Robertinho Silva)

O dia 22 de julho é mais que especial para todo torcedor vascaíno. Há exatos 24 anos, Juninho marcava um gol que virou música. Um gol tão marcante, a ponto de ser o mais lembrado daquela conquista da Libertadores. Nem os quatro gols marcados na final da competição, contra o Barcelona do Equador, recebem tanto destaque quanto o de Juninho contra o River Plate.

O Vasco começou aquela Libertadores de 1998 de forma claudicante. Passou da primeira fase de forma conturbada, conquistando a vaga na segunda colocação. Já nas oitavas de final, um adversário duríssimo: o Cruzeiro, atual campeão, na penúltima vez em que o regulamento previa que o atual campeão já entrasse direto na segunda fase. O Vasco venceu por 2 a 1 em São Januário e empatou por 0 a 0 em Belo Horizonte. A seguir, nas quartas o Cruz-maltino enfrentou o Grêmio, adversário que já tinha enfrentado na fase de grupos. Empate heroico por 1 a 1 em Porto Alegre no jogo de ida, e vitória por 2 a 0 no jogo da volta.

Veio então a semifinal. Vasco e River Plate se enfrentariam em uma espécie de final antecipada da Libertadores. No jogo de ida em São Januário, o Vasco sabia que teria que fazer uma boa vantagem sobre a excelente equipe do River Plate, que ainda contava em seu plantel com a base do time que fora campeão da Libertadores em 1996. O Gigante da Colina demonstrou sua força. Em um São Januário abarrotado de gente, fez 1 a 0 com Donizete Pantera logo aos 10 minutos de partida e decretou a vitória brasileira no primeiro confronto. Era pouco? Sim, era. Mas o time teria a vantagem do empate no jogo de volta em Buenos Aires.

No jogo da volta, o River começou na pressão. O time argentino fez 1 a 0 com Juan Pablo Sorín de cabeça, ainda na primeira etapa, após cobrança de falta de Marcelo Gallardo. A partir daí,o River se animou e tentou de todas as formas o segundo gol, visando obter a classificação ainda no tempo normal.

Mas aí, Juninho Pernambucano entrou em campo na segunda etapa. O Vasco perdia por 1 a 0. Surge uma falta para o time brasileiro cometida por Montserrat em cima de Vagner aos 37 minutos. Posição preferida de Juninho. Ele se preparou para a batida. O goleiro Burgos armou a barreira. Juninho partiu… Bateu… E gol! Golaço! Pintura, poseia! Era o gol de empate e da classificação vascaína na épica batalha diante do River. O Gigante da Colina mostrou sua força e calou o Monumental na base da raça e do coração. E de quebra, eliminou o terceiro campeão continental recente, afinal, além do River (Campeão de 96), eliminou Cruzeiro (campeão de 1997) e Grêmio (Campeão de 1995).

O golaço de Juninho sacramentou a vaga e abriu o caminho para a conquista da Glória Eterna. Um momento marcante, épico, que deu mais moral para o Gigante da Colina erguer o troféu continental diante do Barcelona de Guayaquil.

Não à toa, este gol espetacular virou cântico da torcida vascaína.

Um jogo nunca é um jogo só (por Paulo-Roberto Andel)

Sábado passado, cheguei ao Maracanã com meu amigo Marcelo e fomos para a arquibancada hoje chamada de setor Norte, nem sempre aberta.

Quando me sentei na cadeira, olhei para a frente e me deparei com a massa de gente do Fluminense, por todos os lados. Tudo bem, o Maracanã de agora não é o de antigamente, mas o que importa é que, nas circunstâncias atuais, o que sobrou do velho estádio estava lotado.

Às vezes eu espio as arquibancadas e vejo o que já não existe: a velha arquitetura com cadeiras na parte de baixo e a inesquecível geral. Tudo se mistura. Não é loucura, mas a memória que transborda e que parece tão viva fisicamente, por maior que seja a ilusão.

Cadeiras abaixo, o pai brinca com seu pequeno filho que ainda descobrirá o mundo do futebol, das lágrimas e alegrias às vezes simultaneamente. Outro dia mesmo era eu quem brincava com meu pai, mas acreditem: quarenta anos passam rápido demais. Por um instante, sei que ser órfão é um tiro no peito, não importando a idade, mas a maturidade me regenera em instantes.

Eu estou num jogo e venho para ver a despedida de um ídolo do meu clube, para ver o ballet da vida que a minha torcida vai proporcionar, mas ao mesmo tempo reencontrar meu passado. São muitos e muitos anos, são vitórias inesquecíveis com derrotas idem. A perfeição não existe; a vida, sim.

Perto de mim, garotinhos esbugalham seus olhos antes do jogo porque esperam o último ato de Fred, o maior ídolo de todos eles. Eu era um garotinho quando Rivellino foi embora, depois Wendell, depois Edinho e Cláudio Adão, sei o que é aquilo. Minha única vantagem é ser testemunha de que tudo passa, que a máquina do tempo não para e que os ídolos precisam passar para que venham novas sementes a germinar o futebol.

[Afonsinho, um dos maiores jogadores de seu tempo, encerrou a carreira no Fluminense em 1981. Ainda jogava muito. Ganhou várias notas 10 dos jornais em seus três meses de Laranjeiras. Isso já passou de quarenta anos.

No novo Maracanã, a torcida tricolor poucas vezes encheu o estádio. As campanhas não ajudaram, nem a escassez de títulos, mas alguma coisa mudou. O futebol é outro, o povão está alijado do estádio, as pessoas estão empobrecidas e há muito sofrimento.

O sábado foi mais do que agradecer a Fred ou testemunhar o fim de sua carreira. Para pessoas como eu, que já viram e viveram muita coisa, que estão mais próximas do fim do que do começo, a arquibancada repleta de três cores foi o reencontro com minhas raízes, com o que vivi ali por muitos e muitos anos.

Apesar de todas as dificuldades e dos tempos modernos, o futebol ainda faz com que sessenta mil tricolores compareçam ao Maracanã. Dá a certeza de que ainda estamos muito vivos, tal como em tantas e tantas ocasiões que agora parecem tão distantes.

Meu momento culminante foi com a entrada do time em campo. Os tanques de fumaça criaram uma espessa nuvem branca que aos poucos subiu, cobrindo tudo. A gente sabe que não era, mas parecia demais o velho e bom pó de arroz que cativou milhões de tricolores para sempre. Olhei para baixo e vi a multidão alucinada na geral imaginária. Olhei para o lado e vi meu pai balbuciar alguma coisa enquanto apertava minha mão. Na impossibilidade daquela fantasia, o Marcelo presente também ao lado trouxe o conforto que a gente precisa quando se sente só no meio da multidão.

O Fluminense venceu, Fred se despediu, teve celebração e homenagem, a torcida saiu feliz. Os garotinhos de 2022 já procuram pela próxima partida. Ainda tensos com a saída do ídolo, eles esperam pelos novos jogadores que possam arrebatar os corações em três cores. A fumaça dos tanques não é o pó de arroz, mas aquele momento mágico nos fez sentir como se estivéssemos nas nuvens.

Um jogo nunca é um jogo só. São muitos e muitos jogos. Os corações mais atentos sabem que, num Maracanã lotado, o passado e o presente andam de mãos dadas.

Não há despedida para quem é eterno (por Robertinho Silva)

Não há despedida para quem é eterno. Para sempre Fred

Mais de 63 mil pessoas foram ao Maracanã para a festa de despedida de um dos maiores ídolos do Fluminense. As imagens da TV fazendo um giro pelas arquibancadas, uma das demonstrações de carinho dos torcedores do Flu me chamou a atenção. Um cartaz com os seguintes dizeres; “Não há despedida para quem é eterno”.

A história de Fred será eternamente contada pelos torcedores do Flu. Vestindo a camisa tricolor, o camisa 9 viveu todas as emoções possíveis. A comoção presenciada no Maracanã nos dois últimos jogos é um encerramento de ciclo a altura de uma sinergia que começou justamente em um momento de tempestade. O “Time de Guerreiros” foi um dos episódios mais marcantes dessa história de Fluminense e Dom Fredon. Em 2009, logo na sua primeira temporada, o Tricolor Carioca passou por apuros no Campeonato Brasileiro. O rebaixamento do Flu já era dado como certo para alguns dos mais renomados especialistas. Mas Fred foi líder, assumiu a responsabilidade, e conduziu o time carioca a uma das mais improváveis e épicas arrancadas evitando o descenso. Por justiça do destino, foi recompensado com o título Brasileiro de 2010. De 99% rebaixado a 100% campeão. Fez o gol do tetra Brasileiro diante do Palmeiras 2 anos depois.

Frederico Chaves Guedes, nasceu para o protagonismo. Classifico o camisa 9 tricolor como um matador formidável, uma máquina de pulverizar recordes. De direita, de esquerda, de cabeça ou até de muletas, ele sempre deu mostras de sua capacidade goleadora. Mas, claro, sempre teve seus méritos: otimista por natureza, frio nas execuções, sempre teve um sexto sentido na hora de se posicionar nas proximidades do gol.

Não é coincidência ou obra do acaso ser o maior artilheiro do Brasileiro de pontos corridos, do Fluminense em jogos oficiais, do Fluminense em Libertadores, Copa Sul-americana, Copa do Brasil e Brasileiro. Fred sempre teve uma postura de altivez, de rei justo, uma cabeça fria aliada a uma testa de titânio, principalmente nos momentos de paúra. O camisa 9 escancarou sorrisos de diversos torcedores por onde passou fazendo a bola padecer no paraíso das redes. América Mineiro, Cruzeiro, Lyon, Fluminense, Seleção Brasileira.

Não foi o que todo mundo esperava na Copa de 2014. Foi vítima dos desatinos de Scolari e da imprensa corneteira. Mas, deu a volta por cima, mesmo recheado de críticas, e acabou sendo artilheiro do Brasileiro pela segunda das três vezes.

Fred é sinônimo de gol tanto quanto é de Fluminense. Com foi do Bi do Brasileirão. E mais ainda, o cara da saga da Ressurreição em 2009 do time que conseguiu a recuperação mais improvável e espantosa. Primeiro ano dessa relação, eternizado para sempre. F de Fluminense. R de razão, E de emoção, D de destino. Destinado a ser eterno. Eternamente guardado em cada coração tricolor. Eternizado na galeria de grandes heróis tricolores.

O 9 de julho não é a data do adeus. Mas, a do para sempre. Pois, não há despedida para quem é eterno

Brasil 2 x 3 Itália, 40 anos depois (por Paulo-Roberto Andel)

Tudo ainda está muito vivo em minha memória. Eu tinha treze anos e o mundo pela frente. Desde 1981 o mundo se curvava ao talento da Seleção Brasileira, lotada de craques e com atuações inesquecíveis.

Acordei cedo e fiquei na expectativa do jogo. Pela primeira vez eu não iria ver uma partida da Copa em casa. Meu amigo Ivan, também meu vizinho de prédio, me convidou para ver em sua casa. Éramos nós dois mais a irmã dele, a prima e a mãe.

Começou tenso, porque a Itália logo marcou um gol numa cabeçada de Paolo Rossi, mas o Brasil também deu o troco com um jogadaço de Sócrates, o Doutor, a fera cerebral do Brasil com seus toques geniais de primeira e de calcanhar. Gritamos no empate mas estávamos tensos. Por outro lado, o Brasil tinha acabado de dar um baile na poderosa Argentina, o que aumentava nossa confiança.

Houve um branco, a Itália se aproveitou e fez 2 a 1. Paolo Rossi outra vez. Ficamos em silêncio, mas havia muito tempo ainda. Tínhamos a melhor seleção do mundo, precisávamos ter calma e confiança.

No intervalo comemos biscoito e tomamos Coca-Cola. A cada mordida e gole, dava para sentir certa apreensão. O Brasil não perdia um jogo há um ano e meio, era o favorito, brigava de igual para igual. A gente ia empatar o jogo.

Atacávamos, mas o gol não saía. Eles respondiam, tínhamos medo. Acompanhamos tudo em silêncio frente à pequena televisão. E foi aí que Falcão puxou a bola na frente da área e marcou um golaço! Explodimos. Nosso silêncio desabou em meio à comemoração. Os fogos explodiram na vizinhança. Copacabana inteira não gritou pelo gol, mas deu um urro que misturava alívio, dor e esperança.

Rimos e nos abraçamos. O Brasil se encaminhava para as semifinais da Copa da Espanha.

O problema é que o roteiro seria totalmente diferente das nossas expectativas. Veio um escanteio. Uma bola de longe chutada torta e – como assim? – acabou em gol. Gol. O terceiro gol. Gol da Itália. Paolo Rossi de novo, logo ele que tinha o nome parecido com o meu, me dando um castigo daqueles.

Da saída do meio de campo até o último apito de Abraham Klein, a gente só fez ruídos para respirar. Sabíamos o que nos esperava. A janela oferecia um silêncio de cinco mil cemitérios numa segunda-feira à noite. Ficamos tão congelados que nem pulamos quando Zoff fez grande defesa em cabeçada de Oscar, nem quando a Itália marcou o quarto gol, que acabou anulado.

Quando o jogo acabou, tive a reação que uma criança teria num dia de feriado: chamei o Ivan para irmos jogar bola na Lagoa. Ele topou. Combinamos de nos encontrar na rua em dez minutos. Então me despedi da prima, da irmã e da mãe, todas muito silenciosas, e fui rapidamente em casa, onde o silêncio de meus pais era também profundo. E depois de tantos silêncios, entendi que a mais profunda das tristezas nem sempre vem com sons.

Pensando na casa do meu amigo e na minha, aí chorei sozinho no elevador Atlas branco para dez passageiros. Os oito andares pareciam quinhentos. Me recompus, estava sozinho, ninguém me notou na portaria. Logo encontrei o Ivan e fomos chamar mais amigos para o futebol na casa de cada um – os telefones eram raros. Sozinho, pensei: perdemos 1982 mas vamos ganhar 1986. Sonho de menino.

Juntamos uma turma e fomos para a Lagoa a pé. A rua estava deserta. Não havia carros nem ônibus. Não havia pedestres. Nas portarias, não se via os porteiros. Éramos um grupo de garotos atravessando uma Copacabana fantasma, como se tivesse sido abandonada por seu povo. Descemos a Tonelero, atravessamos o túnel, seguimos pela Pompeu Loureiro e tudo era o silêncio de desolação, mas a gente carregava para sempre o amor pelo futebol.

Quarenta anos depois, eu continuo perseguindo o futebol. Demorou, mas vi o Brasil ganhar duas Copas do Mundo. Vi milhares de jogos e dezenas de milhares de jogadores. O futebol ainda é muito importante na minha vida, é uma presença diária. Mas o que penso daquela tarde de quarenta anos atrás é que, de algum jeito, aquilo mudou o jogo que tanto amo e a mim mesmo para sempre.

O futebol ensina muitas coisas. Não se pode vencer todas. Nem sempre o melhor vence. Nem sempre o melhor é tão melhor. Às vezes, o pior é muito melhor do que podemos imaginar. A Itália naquele dia foi melhor e depois se tornou uma merecida campeã. O Brasil perdeu, mas o sonho daquela seleção que encantou o mundo por um ano e meio foi tão forte que, hoje, quarenta anos depois, seu desenho de beleza e poesia ainda está entre nós. O Brasil de 1982, a Holanda de 1974 e a Hungria de 1954 são provas vivas de que há seleções condenadas à eternidade mesmo sem título.

Assim, volto ao velho elevador Atlas e me sinto livre para o choro, o mesmo dos meus treze anos.

@pauloandel

A sinergia vascaína (por Robertinho Silva)

Os torcedores do Vasco têm dado show nas arquibancadas. A sinergia entre time e torcida tem sido o ponto alto da campanha do time de São Januário. Para se ter uma noção, na temporada passada o Gigante da Colina somou 49 pontos em 38 jogos, enquanto que nessa temporada, o clube soma 30 pontos em apenas 14 jogos, é vice-líder e a sete pontos do quinto colocado.

A torcida parece ter compreendido o momento do clube e demonstra apoio incondicional onde quer que o Vasco jogue. Dentro de campo, um time de operários, que amam a disputa e não fogem da luta. As atuações não são brilhantes, mas são eficazes, o que falta de inspiração, sobra de transpiração.

Após a última vitória sobre o Operário por 3 a 0, o meia Nenê falou dessa sinergia entre clube e torcida; “A gente parece que é um só. Eles enxergam nossa vontade de ganhar o jogo. A gente está vendo que eles estão dando a vida por nós apoiando o tempo inteiro. Realmente muito feliz com essa vitória de hoje. Eram três pontos muito importantes para a gente seguir o nosso caminho e seguir a passos largos para o nosso objetivo.’’

A torcida do Vasco também deu show em São Januário com a faixa “Respeito, Igualdade e Diversidade” em homenagem a causa LGBTQI+.

Embora tenha conseguido o placar de 3 a 0 sobre o Operário, o Vasco passou por momentos de aflição na partida. O time paranaense criou chances perigosas, obrigando o goleiro Thiago Rodrigues a fazer boas defesas. Neste momento, foi que o torcedor cantou a plenos pulmões e jogou junto com o time. Os vascaínos fizeram arte sem instrumentos se valendo apenas da batida do coração.

O Gigante da Colina vem fazendo o que dele se espera, ainda mais se tratando de uma das maiores disputas de todos os tempos na Série B. O nível técnico da competição não tem sido dos melhores, mas tem sobrado emoção, garra, disputas acirradíssimas.

A boa fase vascaína tem alguns ingredientes que acho que valem a pena salientar. O primeiro deles, é a mudança de perfil do elenco em relação ao ano passado. Em 2021, havia um grande número de jogadores que tinham status no futebol, boas passagens por outros clubes. Mesmo que eles não estivessem no auge de suas performances, existia uma ideia que tudo sairia ao natural e o Vasco conseguiria o acesso. Neste ano, muitos jogadores nunca tiveram oportunidades em clubes grandes, muitos estão em busca de um destaque em cenário nacional.

O segundo ingrediente é o fato de alguns jogadores deste atual elenco serem torcedores vascaínos desde a infância, casos do zagueiro Anderson Conceição, do volante Yuri Lara e do lateral Weverton.

O último ponto de destaque para mim, é o fato de a maioria desses jogadores do Vasco terem experiência de já terem jogado a Série B. Incorporaram com facilidade a postura que a competição exige.

Acredito que todos esses fatores, podem ajudar o Vasco a conseguir o acesso.
O Gigante da Colina está no caminho certo. No embalo da torcida, tem tudo pra conseguir esse acesso.

Foto: Daniel Ramalho/CRVG

Dinizismo assina supremacia tricolor (por Robertinho Silva)

Os números estatísticos da partida entre Fluminense e Botafogo comprovam a superioridade tricolor. A equipe comandada por Fernando Diniz teve mais posse, finalizou mais vezes sem se preocupar com os riscos que a postura ofensiva poderia oferecer. O Botafogo recheado de desfalques adotou uma postura mais defensiva, postura também adotada por outros clubes (América Mineiro, Juventude e Flamengo) sem muito sucesso. Isso porquê o Time de Guerreiros conseguiu encontrar espaços na defesa do time do português Luís Castro, que adotou um 5-4-1.

O Time de Guerreiros fez uma partida muito próxima da perfeição. Preencheu bem os espaços, jogou com intensidade, marcou no campo de ataque, fez um jogo vertical e de muita aproximação entre os setores. Um verdadeiro nó tático. O herói deste domingo foi o zagueiro Manoel.

Na humilde opinião deste que vos escreve, o Botafogo tentou jogar mais recuado, preencher os espaços entre as linhas, e apostava em uma transição rápida para surpreender o adversário. A ideia inicial até era boa, mas na prática, esbarrou nos expressivos méritos do Fluminense, que executou muito bem a ocupação de espaço, na pressão ofensiva e na recomposição defensiva.

O Fluminense assumiu os riscos dessa postura mais agressiva, diante de um oponente que saiu fortalecido de uma situação muito mais controversa na rodada passada diante do Internacional. O “Dinizismo” é 8 ou 80. Com certeza em algum momento fez o coração do torcedor acelerar e quase ter um infarto naquelas saídas de bola perigosíssimas. Porém, já fez o torcedor abrir um largo sorriso quando a jogada foi bem executada, vide a jogada que resultou em gol contra o Palmeiras no Allianz Parque.

As ressalvas que alguns da crônica esportiva especializada tinham com relação a Diniz, muito era por conta dos resultados. As boas ideias do técnico, nunca foram condizentes com os resultados. Em 2019, o treinador deixou o Fluminense perto da zona do rebaixamento no Brasileiro. O torcedor tricolor se cansou de ver, um time com 90% de posse, 30 finalizações, e a derrota no final.

Acredito que o que mudou foi que agora o treinador consegue ser ofensivo e ter um pouco mais de equilíbrio e consistência. O Fluminense joga em um 4-2-3-1, com saída de bola bem construída, tendo como ponto alto a aproximação entre os jogadores. Um jogo posicional, físico e de muita obediência tática. As melhores chances do Tricolor carioca surgiram nos momentos em que todo o time se aproximou do setor onde estava a bola e deu opção de passe para quem estava com ela.

O Botafogo teve raras oportunidades de contragolpe no jogo. O lado esquerdo tricolor ainda tem uma certa fragilidade, visto Caio Paulista ter muita vocação ofensiva, atua quase como um ponta, e por ali acaba surgindo espaços pro adversário. Não foi por acaso que a chance mais clara de gol do escrete de Luís Castro surgiu justamente de uma bola longa no lado direito de ataque. Fato é que o Glorioso tinha superioridade numérica no ataque, mas não conseguiu usar esse ponto a seu favor.

As entradas de John Kennedy e Matheus Martins nas vagas de German Cano e Ganso deram mais mobilidade ao Fluminense. O gol saiu aos 36 minutos do segundo tempo pelo zagueiro Manoel, que recebeu passe de Caio Paulista após lançamento primoroso do volante André

A sensação que o Tricolor sai de campo é que o resultado poderia ter sido maior, dado o volume de jogo que teve. Diniz tem participação efetiva no excelente rendimento do meia Nonato, e na grande atuação de Jhon Árias. Como se afinaram no meio de campo Ganso e Gustavo Nonato na meia cancha. Vale destacar também a atuação de Luiz Henrique. A despedida do camisa 11 do Fluminense teve mais uma vitória e mais uma boa apresentação da jovem promessa no Brasileirão. Diniz recuperou o sorriso desse garoto, e o jovem sairá pela porta da frente, deixando saudade nos corações tricolores.

Foto: Vitor Silva/BFR

Inter x Bota: uma virada memorável (por Robertinho Silva)

Foto: Vitor Silva/BFR

Com um a menos desde o início da primeira etapa, o Botafogo venceu de virada o Internacional no Estádio Beira-Rio na semana passada.

A gelada noite de Porto Alegre presenciou uma partida histórica entre Inter e Botafogo. Peleia daquelas que entram para a galeria de “Jogos para Sempre” do nosso esporte bretão. O Inter começou marcando pressão, dificultando o adversário na saída de bola. No primeiro lance contundente do jogo, logo aos 4 minutos, Edenilson tentou a jogada por dentro e a bola sobrou para Alan Patrick. O meia chutou em direção ao zagueiro Philipe Sampaio. A bola bateu na barriga e depois resvalou no braço. Pela regra, não seria pênalti. Mas, depois de consultar o VAR, o árbitro Sávio Pereira Sampaio assinalou pênalti equivocadamente e alegou que a bola tocou no braço do jogador.

Além disso, ele também expulsou o atleta Philipe Sampaio, e fez com que os cariocas ficassem com menos um desde os 4 minutos do primeiro tempo. A ação causou revolta justíssima por parte dos jogadores do Glorioso, que reclamaram bastante, e o técnico Luís Castro também acabou expulso.

Na cobrança da penalidade, o volante Edenílson abriu o placar para os gaúchos. Com um a mais em campo, o Inter foi empilhando chances. Em uma delas, Fabrício Bustos tabelou com Alan Patrick e estufou as redes de Gatito: Inter 2 a 0.

Estando o Inter com vantagem no placar, jogando em casa, tendo um jogador a mais em campo e empilhando chances, tudo indicava que a partida seria mais um mero protocolo, uma formalidade. Mas, há coisas que só acontecem com o Botafogo. Mesmo sem Luís Castro a beira do gramado, o clube de General Severiano se recusou a ser mero espectador da partida.

Por incrível que pareça dizer, o Botafogo teve uma excelente postura justamente após ter um jogador a menos em campo. A adversidade, a situação dramática, fez com que o time jogasse de forma mais compacta; os atletas estavam mais bem agrupados, defendendo em linha, mas com uma excelente e rápida transição quando tinham a bola em seus domínios. O Glorioso fez com excelência o que lhe cabia naquelas circunstâncias.

Vinícius Lopes descontou e renovou as esperanças do Alvinegro carioca, superando qualquer prognóstico desfavorável. O gol mudou a dinâmica do jogo. Mano Menezes colocou 5 homens em linha no campo de ataque, mas mesmo com a superioridade numérica o Inter não conseguiu mostrar consistência defensiva. O Botafogo sempre tinha algum jogador aberto pela ponta como uma flecha ou uma bola alçada na área, como a que resultou no gol de empate de Erison.

Ainda com metade do segundo tempo pela frente, o Alvinegro se vestia com as roupas daqueles heróis urbanos que contrariam as estatísticas, que não se abatem perante a injustiça. Gabriel Mercado fez um gol para o Inter em uma cabeçada catedrática, e comemorou como se não houvesse amanhã. Mas o gol foi anulado corretamente. O Glorioso foi rebelde, passou a noite recusando o papel que lhe ofereceram logo após o apito inicial, e assim como toda saga de heroísmo, o capítulo final foi apoteótico.

No último e derradeiro lance, aos 55 minutos do segundo tempo, um contragolpe certeiro e mortífero. Matheus Nacimento tentou o passe para Jeffinho, Kayke como um maratonista ganhou na velocidade da defesa colorada, e em dividida com Vitão, a bola sobrou para Hugo sacramentar a vitória épica, no Beira-Rio. Depois do gol, ocorreu uma confusão entre os jogadores com pancadaria generalizada, mas que foi contida. Na briga, Lucas Piazon foi agredido pelo atacante David e saiu com o ombro imobilizado.

Muito mais que três pontos, vitória da justiça. Partida épica, memorável, eternizada na história dos Campeonatos Brasileiros, com a marca da Estrela Solitária.

Algumas breves palavras sobre futebol

Para mim e muita gente, futebol tem muitos significados. Um deles é a esperança de, a cada quarta e domingo, voltar a ter onze anos de idade, rever um Maracanã que já não existe e, no campo, espiar uma hora e meia do melhor futebol do mundo. Doces ilusões que, às vezes, se materializam.

Foi o caso desta quarta. Fluminense e Atlético fizeram um jogaço, daqueles que não se parecem com o futebol de hoje, nem deste século. Golaços, grandes lances, disputas, lambanças, garra e talento.

Antes da partida, eu caminhava para casa com certa tristeza por problemas que aqui não cabem, meus, dos outros, da minha cidade e do meu país. Tão triste que desisti de ir para o Maraca e resolvi ver o jogo em casa, sozinho. Esperava um clássico normal, rigoroso, até careta como os atuais, mas aí é futebol, amigos: a surpresa aparece a cada esquina.

Eu, meu copo de refrigerante gelado, a tela da TV praticamente como se fosse dentro do campo, os amigos no WhatsApp sofrendo com suas TVs e também na arena. E tome gols, tome lances bonitos e jogadas que remetiam ao velho UUUUUUHHHHH de muito tempo atrás.

Quando o Fluminense joga, meu mundo para e tudo se mistura. É assim há quase cinquenta anos. Eu me lembro do dia em que conheci Félix no álbum de figurinhas do meu pai. Eu me lembro do time de botão do Flu que ele me deu em 1975 em plena Estrada de Botafogo no terreiro de Dona Nininha e Seu Arlindo – que tinha um Aero Wyllis com banco vermelho. E também me lembro de Paulo Cezar Lima, craque campeão do mundo e colunista deste Museu da Pelada, cobrando três escanteios mortíferos contra o Flu em 1980 – todos fora da marca de cal.

[Então, bate uma saudade imensa dos meus pais e do meu irmão. Eu choro

Outro dia o Edinho fez 67 anos. Eu estava lá quando ele bateu o pênalti numa quarta-feira de chuva, fez o gol e ganhamos por 4 a 0. Fez 40 anos. Na volta, eu e meu amigo Floriano Romano, hoje artista consagrado, esperamos o ônibus por um tempão. Dois garotos de treze anos.

O jogo é quente, Luiz Henrique arrebenta, André corre por toda parte, o Atlético dá suas pancadas, Hulk fica nervoso sem trocar de cor e o Turco faz besteira. Cano faz um gol de barriga e todos os tricolores choram por um instante, lembrando aquele gol de barriga inesquecível em 1995. O primeiro tempo terminou 3 a 2 pro Flu, o segundo fechou em 5 a 3. Luiz Henrique é o melhor em campo, um garoto simples que sorri feliz e já está a caminho da Europa. Para muitos, foi o melhor jogo do Brasileirão. Para outros, o melhor de 2022.

Em duas horas, eu me esqueci da tristeza, dos problemas, das dívidas, das ameaças, das falsidades que encontramos a todo instante, da empáfia oca e só pensei no futebol. Na bolinha que sobe no tiro de meta, se perde no figurino da arquibancada e logo quica na grama. Nos uniformes em campo. Sonhei que meu pai estava ao meu lado, que minha mãe me dava um beijo, que meu irmão sorria. Sonhei com a Marina. Sonhei com a nuvem espessa de pó de arroz que me fez perseguir o Fluminense para sempre.

Acaba o jogo e a insônia vem forte. A emoção da vitória se junta a fotos, memes e gozações porque o rival Flamengo perdeu. Os gols são reprisados no telejornal, nas resenhas e, perto de uma hora da manhã, duas cerejas do bolo: Leo Batista aparece na televisão e fala de coisas belas. Depois, o VT de Flu e Galo. O Leo é voz obrigatória para qualquer torcedor que tem 50 anos ou mais – ele nos dá a falsa e maravilhosa sensação de eternidade. O VT é para ter aquele gostinho inesquecível das reprises da TVE aos domingos à meia-noite, e isso remete a Luiz Orlando, Achilles Chirol e outras feras.

A doce ilusão me oferece uma madrugada de 1980 ou 1983. A realidade é 2022, onde nem toda quarta-feira irá me sorrir com um grande jogo de verdade, mas para quem chegou aos 53 anos como eu, os versos de um gênio – tricolor – como Belchior são contestados: por duas horas de futebol, sonhar é melhor que viver. Quando a anestesia da paixão para, a gente espera o próximo jogo e o próximo sonho. Deve ser assim com meu amigo Edgard, que me contou de como seu pai estaria feliz com o 5 a 3.

Duas e quinze da manhã. Meu pai me puxa pela mão enquanto andamos pelo corredor lotado, até que chegamos à rampa da UERJ e descemos saboreando cada passo de uma tarde qualquer de futebol. Um dia eu ainda vou estudar lá, podem acreditar. E vou jogar campeonatos lá com meu time de botão.

Agora, como se dorme olhando para o teto e trocando os problemas pelas imagens do gol de barriga? É o Renato, é o Cano, é o sentido da vida.

[Esta coluna é dedicada a Edgard Freitas Cardoso, à memória de seu pai e da família Andel

@pauloandel

O fantástico mundo dos escudinhos

Anos atrás, quando tive a oportunidade ímpar de entrevistar Gilberto Gil, ele me disse da fascinação que tinha ao preparar seu jogo de botões com o escudo do Fluminense, motivo de sua paixão pelo clube. Depois pensei bastante e cheguei à mesma conclusão: não sei quando me tornei tricolor, mas eu já adorava o escudo do Flu. Curioso é que a afeição de Gil pelo time do Bahia vinha dos ídolos e não primordialmente pdo escudo, tais como o ágil ponta Marito e o goleiro Lessa. E eu, que sempre gostei do escudo do Bahia, logo cedo colecionei botões de galalite do clube.

Paixão, paixão mesmo, sempre foi só uma – o Fluzão -, mas gosto de escudos de times desde criança. Duas situações foram decisivas para isso.

A primeira quando passei a fazer as apostas de meu pai na loteria, algo em torno de 1978. Eu mal tinha dez anos de idade, mas fazia os jogos para ele. Vibrava quando me pedia para que fosse apostar, vejam vocês como é ser criança: eu torcia para que tivesse muita gente na fila de apostas, só para ficar vendo a parede da agência lotérica com calma. Era abarrotada por escudinhos de ponta a ponta. Eu adorava. Foi na parede da loteria, que pertencia ao Seu Carlos e funcionou por muitos anos no Shopping dos Antiquários, em Copacabana, que vi pela primeira vez o CSA, o Sampaio Correia, o Guarany de Sobral, o América do Recife e tantos outros times.

A segunda, quando passei a ler a revista Placar semanalmente. Além de ter tudo sobre futebol, ela sempre disponibilizou cartelas de escudinhos para os botões, que você recortava e colava. Na seção de cartas, volta e meia alguém pedia “Publiquem o escudo do Chuteirense”. A Placar atendia todo mundo sem falta. Tempos depois, a revista disponibilizou um álbum com os grandes clubes do mundo, cujas fotos eram os próprios escudos dos clubes. Imagine descobri-los num tempo sem internet e que por vários motivos, não eram publicados em nenhum outro lugar.

Tive uma decepção quando descobri que, nos anos 1970/80, vários times europeus não usavam o escudo do time em suas camisas de jogo. Como era possível? Pois é, mas com o tempo isso acabou, felizmente.

Já experimentou passar por uma banca de jornal de antigamente, daquelas que vendem jornais, revistas e miscelânea? Invariavelmente tem uma parede de adesivos e, claro, os escudos de times de futebol estão presentes.

Ver os escudinhos passeando no antigo placar eletrônico do Maracanã era um barato para qualquer criança, não somente dos times tradicionais mas também das equipes que raramente jogavam por aqui. O antigo Campeonato Brasileiro, com dezenas de times, favorecia essas descobertas, assim como é hoje nas fases iniciais da Copa do Brasil.

Curiosamente, eu não tenho uma coleção de escudos, exceto pelos meus times de botão. Adoro olhar tabelas antigas e atuais de campeonatos de todos os tipos. A Sul-americana é um barato porque volta e meia traz algumas equipes quase desconhecidas no Brasil – e, claro, tem sempre um escudo novo. O Google é um oceano de escudos.

Outra fonte para minha diversão é meu amigo Kleber Monteiro, grande escritor de futebol que faz um trabalho excepcional com camisas e livretos de clubes extintos. É fascinante ver escudos de times que nunca vi em ação, que já não existem mas, de algum modo, escreveram páginas da história. É um poço sem fundo de descobertas. Imagine o futebol do Rio nos anos 1910 e 1920, com a febre da formação de times e campos espalhados por toda a capital da República? Quantos e quantos times, quantas e quantas narrativas?

Por trás de cada escudo há vida, construção e luta, há dedicação e história. Tanto faz se é de um time de grande porte ou humílimo, se está em plena forma ou se foi extinto, se é familiar a milhões ou desconhecido: cada escudo traz uma referência própria, até mesmo quando foi claramente inspirado em outro. Se um dia tivermos uma exposição sobre escudos de times brasileiros, por exemplo, ali estará não apenas uma representação do esporte que tanto amamos, mas também um desenho da nossa própria vida brasileira desde o início do século XX.

Eu amo todos os escudinhos.

@pauloandel

Rincón, garra e talento

Magrinho, ele era homem de frente. Um senhor jogador de futebol. Com o tempo, foi ficando mais forte e passou para a armação. Veterano, virou volante. As mudanças de posição não lhe tiraram o brilho e a eficiência.

Os quarentões se lembram da sova que a Colômbia aplicou na Argentina dentro de casa, fato raríssimo e inesquecível. Era o time de Higuita, de Valderrama mas principalmente de Rincón. Um jogadoraço que não poupou garra e disposição aliados a um talento raro, que acertou muito mas também falhou, claro. Esperava-se mais da Seleção Colombiana? É claro, mas não se pode desprezar o brilho daquele time.

Já campeão no Palmeiras mas sem êxito no Real Madrid – melhor dizendo, sua contratação não pode ser deixada de lado, pois foi uma vitória – Rincón desembarcou no Corinthians e no time alvinegro escreveu o tope de sua carreira: bicampeão brasileiro e campeão mundial de clubes no maravilhoso Maracanã de antigamente. Dividiu as glórias com uma turma da pesada: Marcelinho, Ricardinho, Edílson, Vampeta, alguns destes campeões no do mundo pelo no Brasil em 2002. Rincón era o líder, o capitão. Dividia como se fosse um zagueirão, tinha o pulmão de um jovem da base e atacava como a fera que foi. Não deixou pedra sobre pedra.

Tinha personalidade forte mas a alternava com momentos de extrema simpatia. Para alguns de seus companheiros de TV, já na condição de comentarista, Rincón foi um lorde. Em suma, um craque de muitos ângulos e facetas.

Seu nome está na galeria de grandes jogadores estrangeiros que, jogando por aqui, remetem ao que foi o nosso melhor futebol. Rincón senta praça na cavalaria de Sorín, Pedro Rocha, Forlán, Darío Pereyra, Conca, Petkovic e outros gringos que tinham aquele verde & amarelo nos pés.

Muito antes do justo e razoável, Rincón foi embora. Um segundo de equívoco e a vida escorre. Diante do inevitável, fica a celebração de seu sorriso invencível ao erguer a taça de campeão do mundo pelo Corinthians. Os que o viram em ação nos gramados sabem como ninguém: ele juntou garra e talento como poucos. Que assim continue, onde quer que esteja.

@pauloandel

Altinho, altinha, celebração do futebol

Antigamente era altinho. O pessoal brincava antes de qualquer pelada, em qualquer lugar. O único objetivo era manter a bola no ar, numa espécie de frescobol coletivo – outro esporte solidário, sem vencedor ou vencido.

Na praia, o altinho se consagrou. Às vezes durava mais do que a própria pelada em si. Nos velhos tempos do futebol de praia em Copacabana, enquanto os dois times disputavam a peleja, atrás do gol ficava a turma na disputa de equilibro: a bola era a peteca e não podia cair. Ainda que seja uma prática muito ligada à praia, não é exagero dizer que o altinho fez parte da imensa faculdade de formação de boleiros Brasil afora, aprimorando o domínio de bola dos craques, outrora players.

O tempo passou, as garotas aderiram à prática trazendo ainda mais graça e beleza ao jogo, o altinho virou altinha – que valham as duas formas! – e se tornou patrimônio imaterial do Rio. A disputa oficial agora tem regras e pontuações, mas nada a afasta de seu curso natural, que é a beleza da solidariedade, um jogando pelo outro, cada um tentando um toque mais bonito e a bola no ar, voando alta ou um pouco mais baixa, prendendo todos os olhares ao redor. Talvez a busca por outra beleza, a do futebol que um dia tivemos no Brasil e deixava todo mundo louco de paixão. Talvez seja jazz tocado com os pés na esfera. Se os campinhos foram sendo apagados no Rio, pelo menos ninguém mexe ainda na orla e, com isso, não há dia em que, num passeio pela calçada, não se possa ver um grupo de artistas fazendo arte da própria brincadeira antes do jogo.

Neste 2022 a altinha ganhou até uma bela trilha sonora. “Espelho Solar” traz a parceria entre Rodrigo Lima, Ithamara Koorax e João Cavalcanti, com produção de Arnaldo DeSouteiro. Na letra, há uma linda passagem que captou o espírito da altinha em cheio: “Nosso espelho solar/ Onde põe-se a voar/ Nossa infância outra vez”. Nada pode ser melhor do que a junção entre os tempos de criança e uma bola para, mesmo que por alguns instantes, deixar a opressão do mundo lá fora e reviver a infância. O mundo precisa disso.

Os veteranos dos anos 1950 e 1960 agradecem.

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Qualquer Fla x Flu

Claro que não é só um jogo de futebol e uma decisão de campeonato. Há muito mais na disputa, muito além de passes, gols, títulos e matérias jornalísticas.

Para a multidão – muito mais gente do que qualquer um de nós imagina -, um jogo de futebol pode ser a única alegria de uma semana, a única chance de trabalho, a única esperança num leito hospitalar. A única esmola numa vida de sofrimentos.

Desde muito cedo o jogo se espalhou pelo país, virou paixão e encanta até hoje.

Em todo o mundo, há grandes jogos e rivalidades que superam décadas e até um século. O que difere o Fla x Flu de todos os outros grandes jogos do mundo é que, pela forma como o clássico surgiu, os dois times já eram rivais rilhando os dentes desde o primeiro minuto do primeiro jogo, vencido em vert, blanc, rouge pelo placar emblemático de 3 a 2 há cem anos. E, desde aquela vez, o confronto entre Fluminense e Flamengo se tornou o jogo que nunca termina.

Logo mais as emoções vão se espalhar pelo Rio e Brasil afora. Cada um puxa a brasa para seu lado. Cercado pelo silêncio, eu penso em coisas demais, não necessariamente as mais lembradas, mas sim as que quase ninguém se lembra ao certo. Jogadores, amigos, família, gente que disse adeus. Nomes esquecidos pelo tempo que escorre e nos atordoa.

O meu Fla x Flu também é jogado fora de campo. Ele está nas caixinhas de Mentos que os trabalhadores lutam para vender numa cidade vazia, enquanto ostentam as camisas de seus times, pouco importando se são simples, baratas e não originais. Tem Fla x Flu nos adesivos das velhas bancas de jornal que sobreviveram na cidade. Quem sabe um garoto chutando uma bola de borracha esgarçada perto de uma viela? O tricolor e o vermelho e preto disputam em muitos lugares.

O Fla x Flu está espalhado em portarias, bancas de camelôs, barracas de feira, cozinhas de botequim e pequenos artigos. Ele está em páginas de um exemplar de jornal amarrotado, tudo isso muito além da obviedade de narrativas táticas e disputas. Ele enche vagões de trem, muitos ônibus, kombis, vans, barcas. Não que não esteja também em bares modernos e luxuosos, mas sua vocação é o pé-sujo, a birosca, o logradouro popular.

Ainda me lembro dos botões Gulliver de cristal em cima do campo que eu mesmo fiz com cartolina verde. Eu tinha dez anos de idade, Doval e Rivellino indo embora, Deley subindo, Zezé driblando. Wendell e Renato, Cláudio Adão e Zico. Carlos Roberto e Toinzinho, Carpeggiani. O Raul já tinha idade. Quarenta e quatro anos depois, tudo parece vivo demais. Tempos depois, minha mãe lutou e me deu um Estrelão.

Vai, Flu!

Livros (de futebol) e o leitor

Por conta do meu trabalho, especificamente no campo da literatura de futebol, é comum me mandarem mensagens do tipo “O que você acha do livro de fulano?”, “Sicrano mandou bem?” etc. No Fluminense então…

É o seguinte: eu não sou vigia da literatura alheia. Ela é livre e torço para que cada vez mais livros sejam lançados. Claro, sigo as determinações de meu ídolo Ivan Lessa: “Livro é pra ler, não pra enfeitar estante”.

Enfim, as questões éticas me deixam fora de declarações públicas sobre os livros de colegas/conhecidos do ramo do futebol, embora eu atue em outras áreas e esteja atento ao que acontece por aí. E tem de tudo, do melhor e do pior, como na vida. Já se foi o tempo em que ser publicado era garantia de excelência. Hoje, quantos não o são exclusivamente por causa de dinheiro ou financiamento de terceiros? Tudo é muito relativo.

Como profissional do ramo, tento fazer com que livros de terceiros tenham o máximo de qualidade, sem perder a pegada e o estilo de cada autor. Sem falsa modéstia, eu e meu sócio Zeh Augusto Catalano temos conseguido excelentes resultados. Os livros saem com a cara dos autores: nada é fake.

Não levo em conta declarações do tipo “É livro de historinhas”… A própria sentença define a anemia intelectual de quem a emite, assim como o tempo que não deve ser desperdiçado com isso. Detalhe fundamental: quantidade de informação e qualidade técnica nem sempre andam de mãos dadas, às vezes longe disso. Há livros que, por sua natureza, exigem fundamentos técnicos e perspectiva científica; outros simplesmente não precisam disso para ser honestos, bons ou ótimos.

A melhor opinião que tenho a dar não é a de escritor, revisor ou editor, mas sim a de leitor. Não leve a sério um escritor que não lê: qualquer profissional sério do ramo precisa ter muita carga de leitura, preferencialmente variada. E como leitor, o que eu procuro nos livros? Agilidade, emoção, clareza de texto – xô, pernósticos! – profundidade e… tesão. O gosto de quero mais. O livro não pode deixar a sensação de fastio no leitor, mas sim a de eletricidade, de querer que ele continue. Tanto faz se é um garotinho olhando para um campinho de terra, se é um torcedor idoso olhando seu estádio preferido e lembrando os melhores anos de sua vida, ou ainda um craque supremo remoendo seus rancores – o futebol é grande demais, nele cabem todos os roteiros e argumentos.

Uma coisa que ajuda muito o escritor iniciante – e até os veteranos acomodados – é ir além dos livros, mas em busca da arte. O cinema, o teatro, as exposições, os shows. As diferentes manifestações artísticas colaboram decisivamente para a formação intelectual do autor e, consequentemente, para sua própria evolução artística. Sair da mesmice, procurar outros ângulos, outras perspectivas. Futebol é maravilhoso mas sinto dizer: se você quer ser escritor do ramo mas se limita aos jogos e resenhas, seu campo de observação e análise tende a ser menor e isso atinge o texto de forma letal. Futebol é também música, cinema, quadrinhos, pintura e teatro. É arte. O que você lê em Nelson Rodrigues como futebol é na verdade teatro, tendo em vista o colossal dramaturgo que foi. O que faz João Saldanha um ícone da literatura de futebol é seu estilo simples, despojado mas acertando sempre a flecha no alvo com humor e profundidade.

Aproveito para reproduzir trecho de “A crônica”, texto definitivo do Ivan Lessa que fala do gênero brasileiro, mas que vale como reflexão para todos os outros na literatura.

“Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro.

Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.

Tanto faz que seja elitista ou literariamente limitador.

E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley?

A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.”

Por enquanto é só. Abraço.

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Autor de mais de 30 livros entre produções solo e coautorias, com diversas temáticas, Paulo-Roberto Andel edita o site Panorama Tricolor há dez anos – um dos maiores em produção 100% própria sobre um clube de futebol no Brasil – e o blog otraspalabras! há dezesseis. Biógrafo do roqueiro Serguei, atualmente Paulo é colaborador do jornal Correio da Manhã e do site Museu da Pelada. É um dos autores com mais títulos publicados no futebol brasileiro do século XXI. Seu mais recente livro, “Uma breve história da Portuguesa”, conta os quase cem anos da agremiação hoje símbolo da Ilha do Governador.

Futebol Cards, uma onda irresistível

Entre 1978 e 1981, a garotada que curtia futebol foi tomada por uma verdadeira febre que até hoje repercute no mundo adulto: a coleção de cartões Futebol Cards.

O lançamento veio na esteira da Copa da Argentina e logo mobilizou uma multidão. Pela primeira vez, o futebol não era lançado em figurinhas para um álbum, mas em cartões de papelão de ótima qualidade – mais de 40 anos depois, colecionadores ostentam peças impecáveis.

Cada cartão vinha com a foto do jogador vestido com a camisa do clube e, em seu verso, uma pequena ficha de apresentação com dados pessoais, gostos e trajetória na carreira. A venda era em pacotinhos com três cartões e o chiclete Ping Pong, também chamado de Magrão pelo seu formato retangular finíssimo. Bem, o chiclete não era grande coisa (…), mas o fato é que a garotada invadia as bancas de jornal – que, acredite, vendiam jornais naquele tempo – com suas moedas para a arrebatar os pacotes. Num mundo sem internet, o Futebol Cards era uma das raras oportunidades de se conhecer um pouco mais os ídolos.

Como em toda coleção, Futebol Cards tinha os cartões mais populares, que acumulavam repetições e eram usados em trocas, enquanto os mais raros eram disputados a tapa. Todo mundo tinha um Fred do Botafogo, zagueiro e irmão de Paulo Cezar Caju. Abel, o Abelão, hoje treinador consagrado, era um símbolo permanente do Vasco nos pacotinhos. Pelo Fluminense, o cartão popular era do multitarefa Rubens Galaxe. Do Flamengo, Rondinelli. E das equipes de outros estados? Quem não teve vários Iúra do Grêmio, Victor do Santos, Odirlei da Ponte Preta e o cracaço Zé Carlos do Guarani?

Num primeiro momento, a coleção se limitava aos grandes clubes, mas rapidamente abrigou equipes expressivas de outros estados e, numa segunda etapa, algumas equipes de menor investimento. Um caso típico foi a simpática Caldense de Minas Gerais, que ganhou projeção nacional com a coleção. Já incensado pela bela campanha em 1977 e o grandioso Estádio Santa Cruz, o Botafogo de Ribeirão Preto também teve grande visibilidade graças à coleção, que incluía nomes como os de João Carlos Motoca, o do goleiro Aguilera e do veteraníssimo Zito.

Alguns cartões ficaram muito valorizados por erros de edição. Por exemplo, no Guarani, os cartões dos pontas Capitão e Bozó, campeões brasileiros de 1978, saíram trocados. Em outras situações, os jogadores que mudaram de clube possuem cartões diferentes. É o caso de Nunes, que tem dois cartões quando jogava pelo Fluminense (um de camisa branca e o outro com uma camisa tricolor estranhíssima) e depois um pelo Flamengo, com a camisa rubro-negra. Também é o caso do xerife Moisés, com cartões pelos dois clubes. No Grêmio, o goleiro Remi não tirou a foto com a camisa da posição, mas sim a do time.

A Futebol Cards também lançou a série Grandes Jogos, registrando partidas importantes dos anos 1970, com fotos maravilhosas. Clássicos como Atlético e Cruzeiro, Fla x Flu e o incrível Fluminense x Corinthians de 1976 estão na lista.

Mais de quarenta anos depois, a coleção mexe com os torcedores cinquentões. Negociações na internet alimentam o sonho de se conseguir um cartão que faltou à época. Lá estão muitos e muitos nomes que ajudaram a escrever a história cotidiana do futebol brasileiro. Que tal o Helinho do Vasco? Ou o trio Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá da Ponte Preta? Juari e Nilton Batata no Santos. Zé Carlos, Renato e Zenon no Guarani. Marinho, Jair Gonçalves e Pires no Palmeiras. Você sabia que Ancheta, zagueiro símbolo do Grêmio, depois virou cantor na noite de Porto Alegre?

Ah, o meu time com Wendell e Renato, Gilson Gênio e Zezé, Pintinho e Cleber, que saudade!

@pauloandel

O primeiro jogo

Eu não sei dizer sobre a atuação dos times, era muito pequenininho, devia ter pouco mais de cinco anos de idade. Só sei que era o meu Fluminense jogando contra alguém no Maracanã.

Era uma tarde de domingo, numa partida iniciada às 17 horas, padrão daqueles tempos. Ao término, o Maracanã mudava de semblante: trocava a tarde clara pelo escuro da noite.

Não havia um grande público presente. Sei disso porque me lembro dos grandes silêncios em momentos da partida, assim como da imagem cinzenta dos grandes degraus de concreto – que futuramente seriam a minha segunda casa.

Talvez, mas apenas talvez, o Fluminense estivesse de branco. É uma suposição, um sentimento.

Não sou capaz de descrever jogadas, mas sei dizer da bola. Em diversas ocasiões, um dos goleiros tinha a bola na mão e depois a quicava no gramado. Uma ou duas vezes. Depois o chute fazia a bola subir, até a vista confundi-la com os holofotes da grande marquise do Maracanã – que pareciam bolas de futebol alinhadas.

Sei que lanchei um cachorro quente. O vendedor parou perto de mim, colocou a caixa ao lado de nós e meu pai comprou. O sabor que aquele lanche tinha era espetacular, e não dá para explicar isso a quem não teve vivência nas velhas arquibancadas. Só sentindo para saber.

O que lembro mesmo é do final. Estávamos sentados bem perto de um acesso. Olhei para o placar escrito zero a zero. Meu pai parou do meu lado, esperou as pessoas passarem e estendeu a mão para mim. Segurei e então descemos por um túnel bem estreito.

Já no corredor, havia bastante luz e gente caminhando para os dois lados. As pessoas se deslocavam com calma. Não havia euforia, afinal era o empate em zero a zero. Depois tinha uma grande rampa para descer e o caminho para a estação de trem Derby Club, essa com bastante gente e bandeiras do Fluzão. Nosso destino era a Central do Brasil, ao contrário da maioria. Chegando lá, pegaríamos o ônibus 154 que nos deixaria na porta de casa.

Essa é uma pequena história que acaba de fazer 48 anos. Meu início como torcedor de futebol. Não foi uma tarde de glórias nem glamour, mas que significa muito para mim, pois foi a primeira de muitas e muitas tardes e noites onde fui um garoto muito feliz. Era o Fluminense de Gerson, de Cafuringa e Silveira, de Félix e Manfrini, de Brunel e Lima, louco para retomar os caminhos vitoriosos de 1969 a 1973 – e eles logo viriam.

@pauloandel

Foto: Maurício Val

O Íbis voltou

Uma da manhã, madrugada de sábado para domingo, aquela insônia de doer e o controle remoto à mão. Nenhum filme interessante, nenhum show legal, o jornal 24 horas com as mesmas notícias da primeira hora (repetidas 23 vezes).

O destino determina procurar o primeiro jogo de futebol que apareça na seleção de canais. Subitamente ele se apresenta: Náutico versus Íbis, abertura do Pernambucano 2022. É reprise mas vale: se você não viu nada e se nada chegou do jogo à sua tela do smartphone, é um jogo novinho em folha.

Cheguei atrasado e o Náutico já vencia por 2 a 0, com dois bonitos gols de fora da área no castigado gramado do belo Estádio dos Aflitos. Interessante é que o jogo era divertido de se ver, mesmo com a limitação técnica dos dois times: ambos procuravam o ataque e tocando a bola, sem chutões nem ligações diretas. Mas olhando as camisas dos times e sabendo que elas são familiares, achei que tinha algo estranho, diferente, que eu não sabia explicar direito, até que a ficha caiu: qual tinha sido o último jogo que eu tinha visto do Íbis?

Nenhum. Mas como assim?

É fácil entender: o rubro-negro de Paulista estava voltando à primeira divisão pernambucana depois de 22 anos. Ou seja, o Íbis nunca tinha sido transmitido pela TV no século XXI até este jogo.

Gosto de jogos com a presença de times de menor investimento. Gosto da sensação de localidade, de raiz. É claro que o futebol bem jogado, de alto nível técnico (e cada vez mais raro no Brasil), é maravilhoso, só que para muitos apaixonados pelo esporte o enredo vai muito além das quatro linhas. O próprio Íbis é uma prova material desse conceito: de volta à primeira divisão de seu estado, o que lhe importa é se manter nela custe o que for. O Pássaro Negro não está em busca de títulos, mas da sua sobrevivência como “pior time do mundo”, só que na elite pernambucana. É bonito saber que a luta deles tem 80 anos.

E o jogo? Divertido no segundo tempo, até que perto do fim o garoto Júlio faz um golaço para o Náutico e decreta os 3 a 0 finais da partida. Mesmo assim, o Íbis teve duas oportunidades de gol desperdiçadas. E continuou tentando tocar a bola, mesmo sem qualquer esperança de um empate.

Quando a partida terminou, o Estádio dos Aflitos me lembrou dos jogos que vão começar daqui a pouco pelo Cariocão e Paulistão. E bateu a saudade de Moça Bonita, Ítalo Del Cima e Bariri, os velhos e queridos alçapões que sempre atrapalhavam o Big Four carioca mais os amados America e Bangu. A gente sabe que o melhor futebol está na Champions, mas quem viveu esses estádios que falei e outros sabe da importância disso. Importância que nutre um torcedor insone em plena madrugada de sábado para domingo. Ou lembrar de seu goleiro Félix, de seu time de botões cristal, de seus amigos da escola.

À beira do campo, Helio dos Anjos grita para consolidar a vitória do Náutico. Quem se lembra de que ele foi goleiro do Flamengo? Eram tempos de Raul e Cantarele, de Catinha e Zandonaide, de Mendonça, de Abel, de tanta gente que passou tão rápido mas deixou saudade.

O mascote do Íbis, um pássaro bem grande, aparece cabisbaixo atrás do gol no fim do jogo. No meio de campo, torcedores do Náutico celebraram o adversário: “Vocês subiram o Íbis. Agora façam um gol no Santa Cruz!”. A derrota dói, mas para quem estava há mais de duas décadas na segunda divisão, entrar em campo pela série A é uma vitória. E quem nunca é protagonista pode ter seu lugar ao sol como figurante. Quantas e quantas vezes a gente já se divertiu com o Íbis sem que ele vencesse um jogo ou marcasse um gol? De alguma forma ele sempre faz falta.

Duas e meia da manhã, daqui a pouco tem Avaí versus Figueirense. Já estou contando as horas para ver o Fluminense contra o Bangu na Ilha do Governador. Só me falta um radinho e três colegas de arquibancada que eu já tive, mas um dia eu chego lá.

O Íbis voltou porque o futebol é muito mais do que um jogo.

PS: o destaque negativo nos Aflitos foi um idiota que se gabava de não ter se vacinado ao entrar. O xilindró lhe deu a resposta merecida.

Camisa 4 ou 22

Eu trabalho num sebo. Por isso, regularmente acabo recebendo doações de livros e discos. Na semana passada, quem apareceu foi meu amigo Leo, precisando se desfazer de um material expressivo: centenas de CDs. Passamos praticamente a década de 1980 juntos: fomos escoteiros, jogamos muita bola e botão por aí.

Ele veio à loja, deixou o material e então fomos para a Leiteria Mineira, uma das relíquias do Centro do Rio. Ficamos lá por cerca de duas horas, daí nos despedimos, ele foi para o Metrô Carioca, eu fui para a Praça Tiradentes e só o futuro dirá quando nos veremos novamente. São milhares e milhares de quilômetros de distância entre as nossas casas.

Voltei para o sebo e comecei a mexer num pacotinho que veio junto com os CDs. Num saco plástico transparente, botões, escudinhos de papel do Grêmio e uma trave de plástico. Tudo coisa dos anos 1980, perto dos 40 anos de vida. Ah, o tempo que passa tão rápido.

Saquei um botão do pacote. Era do meu Fluminense, igualzinho a um time que tive e o tempo levou – logo que pude, colecionei botões de vidrilha e galalite. Voltando ao botão: de acrílico verde lindo e o escudo tricolor envolto em fundo circular amarelo. Lindo. Devia ser coisa de 1978: eu ainda não tinha um Estrelão para jogar, sequer um Xalingão, então fazia meu campo com uma cartolina verde, fazendo as linhas pacientemente com caneta e régua. Havia a Copa do Mundo, papel picado nas ruas, a revista em quadrinhos “Dico, o artilheiro”, o começo do Globo Esporte, as figurinhas do Futebol Cards, os botões em pacotinhos na banca de jornal e muito mais coisas para os garotos que, como eu, começavam a ficar apaixonados pelo melhor jogo de bola do mundo.

O botão do Fluminense. Tem um número 4 preto bem em cima do escudo e um 22 escrito à caneta. O que será que aconteceu com ele? Era titular e virou reserva? Não sei. A camisa 22 nem existia, exceto para as seleções, mas a 4 teve muitos candidatos. Edinho jogava sempre com a 5, mas usou a 2 em sua segunda passagem pelo clube. E a defesa? Wendell, Miranda, Tadeu, Edinho e Carlinhos. Renato, Miranda, Moisés, Edinho e Rubens. Logo depois teve Ademílton. Pelo caminho ficaram Edval e Dário. Miranda era o Trésor brasileiro, referência de Marius Trésor, cracaço da seleção francesa. Ah, o Edevaldo.

Descobrir quem era o botão faz sentido. Os botões têm vida, alma e personalidade próprias. Se um botão foi batizado com um nome, não se pode contrariá-lo chamando-o por outro. E é pra sempre, porque os botões são imortais.

Sendo o camisa 4 do Fluminense em fins dos anos 1970, o botão teve muito trabalho. Imagine marcar Adílio, Roberto, Mendonça, Tita, Paulo Cezar, Búfalo Gil e outras feras no Estrelão lotado? Não era nada fácil. Naquele pequeno pedaço de belo acrílico verde há uma história, uma vivência e uma atualidade porque o tempo do futebol é diferente dos outros: possui a magia da eternidade. Com ele, futebol, semanalmente temos dez anos de idade para sempre; falamos de coisas de 30 ou 40 anos como se fossem noutro dia e, quando vemos os ídolos hoje setentões, eles nunca têm mais do que 30 ou 25 anos de idade, porque essa é a imagem que ficou para sempre. A imagem de um jogo fica eternamente nos olhos de um menino.

Continuo a apreciar o botão. Tiro uma foto. Ao fundo está o Teatro João Caetano. Então entro no Maracanã lotado. Ele deve ser o Miranda, de uniforme todo branco, encarando Cláudio Adão de rubro-negro ou Catinha de vascaíno. Eu estava na quarta série, sonhava com o Estrelão e com um futuro melhor. Quarenta anos passam rápido, rápido demais, mas só entende quem é do ramo: o futebol é um eterno presente em que vivemos. Está tudo bem guardado na memória.

Eu só queria jogar a partida de novo.

@pauloandel

Maracanã, 71 anos

A primeira cena que me lembro de estar no Maracanã foi em 1974. Era o fim do jogo, a noite e olhei fixamente para o antigo placar em 0 a 0. Não lembro do jogo, mas muito provavelmente era o meu Fluminense contra alguém.

Pelas décadas seguintes, ele foi minha casa, meu pedaço de felicidade, minha sensação de cidadania. Eu acreditava num Brasil feito o Maracanã, onde o pobre e o rico podiam se abraçar para comemorar um golaço.

Vi alguns de seus maiores jogos, na verdade muitos. Vários com bem mais do que 100 mil pessoas. O Maracanã já foi o lugar onde o povo carioca se encontrava.

É claro que quando você vai a centenas de jogos, verá seu time ganhar e perder muito. O futebol é assim. Eu ainda via os times dos outros: quando descobri que a geral era baratinha, tripliquei o número de jogos no estádio. America e Bangu? Eu estava lá.

Depois de 2010, tudo mudou. Colocaram um outro estádio no lugar do Maracanã, gourmet, para selfies e deslumbrados em busca de fama. Só que você não frequenta uma casa por quarenta anos à toa, e a força daquele lugar é tão grande que nem os inimigos do chamado “futebol moderno” resistem.

Nos últimos tempos, só as ornamentações cabem na arquibancada. Vivemos tempos de guerra com a pandemia. O Maracanã virou uma sessão de TV, quando ela transmite. Mas ainda há o que procurar em meio aos escombros retrofitados da história.

Como se fosse num sebo, procuramos velhos craques, histórias inesquecíveis, bordões de rádio, vozes impressionantes e bandeiras, fogos, pó de arroz, papel higiênico, sinalizadores. Procuramos jogos de meio século que parecem ter sido ontem. Procuramos heróis permanentes e anônimos, restinhos de glória, apoteoses da pequenina felicidade.

O Maracanã das preliminares, da rodada dupla, do eco nos alto-falantes com Victorio Gutemberg dizendo “SU-DERJ IN-FORMA”. Dos gols apoteóticos, dos títulos imortais, do drama e da morte, mas também da vida.

Tomara que um dia o Maracanã volte de verdade. Para muitos de nós, ricos ou pobres, brancos ou pretos, gordos os magros, velhos e jovens, ele foi o grande rio que passou em nossas vidas. O Rio.

@pauloandel

Aílton Lira e Sócrates

Se tem um dia em que se pode celebrar o talento do futebol brasileiro, ao menos daquele que conhecemos no passado, esse 19 de fevereiro cai perfeitamente na celebração.

Os aniversários de Sócrates, que infelizmente não está mais entre nós, e de Aílton Lira, firme por aí.

Dois cracaços, daqueles que dava gosto ver um simples passe, um lançamento – nada de assistências. Dos maiores da história do futebol brasileiro.

Sócrates é mais conhecido nacionalmente por causa de sua longa trajetória na Seleção Brasileira, enquanto Lira se manteve como uma fera do futebol paulista. Mas não custa lembrar: naquele tempo a camisa 10 do Brasil tinha como potenciais candidatos Rivellino, Paulo Cezar Lima, Dicá, os próprios Aílton Lira e Sócrates, Zico, Mendonça, Jorge Mendonça… e mais um monte. Falcão era volante, para vocês terem uma ideia.

Em fins dos anos 1970, Aílton Lira era o decano do timaço de 1978 do Santos, o dos famosos Meninos da Vila. O maestro que teve como sucessor ninguém menos do que Pita – e que, como Lira, também jogaria pelo São Paulo. E Sócrates era a sensação corintiana com seus passes de calcanhar, seus chutes certeiros, sua elegância discreta que iria muito além do futebol. O Santos e o Corinthians, dois gigantes.

Cobrança de falta. Aílton Lira na bola. O terror dos goleiros adversários. Várias vezes a torcida santista vibrou antes da bola entrar. É que a trajetória já era certa.

Anos depois, o Doutor também vestiu a camisa sagrada da Vila Belmiro.

Os dois passaram pela casa de Pelé. Justo e compreensível.

Aílton Lira e Sócrates desfilaram em campo o melhor do futebol brasileiro, aquele que fez os garotos se apaixonarem para sempre pelo jogo de futebol. O autêntico, dos passes e dribles, dos chutes e miras, da precisão e do talento.

Uma coisa é certa: 19 de fevereiro é dia de craque.

Ainda sobre a Taça de Prata

Eu estava no berço. Tinha dois anos de vida.

A decisão foi o acontecimento do fim do ano na Guanabara. Um dia de festa tricolor num país que vivia tempos trágicos.

Meu pai foi ao jogo. Eu torci de casa, mesmo sem saber. Já tinha uma camisa do Fluminense, uma camiseta de algodão com o escudo bem grandão, que cobria todo o peito, e os simples dizeres “Sou Fluzão”.

Dez anos depois, em 1980, o futebol já era uma rotina diária em minha vida. Num domingo quente como o de hoje, eu ia à padaria, depois passava pela banca de jornal, trazia tudo que meu pai pedia e depois ficava na fila para ler os cadernos de esportes. Isso certamente me ajudou como cronista. O Dia, O Globo, Jornal do Brasil, Jornal dos Sports, tudo. Mas como era em 1970?

Provavelmente meu pai é que foi à padaria, porque minha mãe não saía de perto de mim. Ele tinha 29 anos e deve ter ficado que nem um louco, sonhando em chegar logo ao Maracanã. Um jovem ainda, pai de família, com o irmão recém-exilado, com uma criança de colo, administrando duas lojas, lutando para vencer. E muito perto de ter uma alegria incomensurável, que era a de ver seu time campeão do Brasil.

Fico imaginando aquele Maracanã abarrotado. Longe de desrespeitar a garotada de agora, mas quem viu aquela praça com mais de 130 mil pessoas sabe o que estou falando.

O Fluminense venceu o campeonato com um empate com o Atlético Mineiro. Foi um sonoro campeão. Superou o Palmeiras de Ademir da Guia, o Santos de Pelé, o Cruzeiro de Tostão, o Botafogo de Paulo Cezar Caju, o São Paulo de Gerson e muito mais. Ganhou um dos títulos mais difíceis de sua história e o campeonato brasileiro mais difícil de todos os tempos.

Meu pai era calado. Não sei se foi sozinho ao jogo ou com algum amigo. Não sei se chorou, o que vi pouquíssimas vezes. Não sei se cantou. Eu só imagino as cenas que não vivi, mas tudo aquilo resultou em coisas que repercutem até hoje.

O primeiro jogador que vi na vida foi o Félix, num álbum de figurinhas da Copa de 1970. Eu devia ter perto de cinco anos. Meu pai adorava álbuns e fez vários. A gente os perdeu nas mudanças, é duro ser pobre. Mas a cena eu não esqueço: estava deitado na minha cama quando ele veio, me chamou e mostrou. Félix, Félix, nunca mais esqueci – isso tem mais de 47 anos e eu me lembro como se fosse agora.

Samarone, Galhardo, Marco Antônio, Oliveira. Didi. Denílson, o Rei Zulu. Flávio, Mickey, Lula. São todos nomes familiares para mim. Não precisei vê-los para adorá-los, saber como foram e são tão importantes para o Fluminense. Sei como eles deixaram meu pai feliz, e felicidade é algo tão raro que a gente precisa sempre valorizar. É um grãozinho de areia com o qual sonhamos sempre.

A volta do jogo? Ele deve ter abraçado minha mãe, ligado o rádio para ouvir a repercussão do título e planejar o próximo álbum de figurinhas.

Já comprei o pão hoje. A banca de jornais está fechada. O rádio está desligado. Há um enorme silêncio, exceto pelo ventilador que lembra uma turbina de avião. Então é ficar deitado, olhar para cima e se sentir em pleno voo.

Hoje não tem jogo. O Fluminense de agora é incerteza no campo e devastação fora dele, mas há cinquenta anos, meus amigos, o mundo era pequeno para as três cores da vitória, cores de um título supremo que sempre estará representado pelo V da vitória de Mickey, o artilheiro inesperado que supriu a ausência do esplêndido Flávio e levou o Flu a um de seus títulos mais arrebatadores.

Um dia, depois de tanto ouvir as histórias tricolores de meu pai, comecei a escrever as minhas, mas nunca deixei de lado o que aprendi e vivi. Tudo passou rápido demais. Quem me dera estar no berço outra vez com minha camiseta do Fluzão! Na impossibilidade, deixo um grande abraço a todos os tricolores vivos ou mortos que, naquele dia, no campo, na arquibancada, na geral e nos radinhos Brasil afora, ajudaram o Fluminense a se mostrar em seu real tamanho: gigantesco, gigantesco.

Viva os campeões brasileiros de 1970!

@pauloandel

Nascido em 1968, Paulo-Roberto Andel é autor de 30 livros, sendo 16 deles sobre o Fluminense. Formado em Estatística pela UERJ, é editor e cronista do Panorama Tricolor, cronista colaborador do Museu da Pelada e do Correio da Manhã. No Panorama, assinou mais de 1.000 colunas desde 2012. Por conta de seus esforços literários, foi declarado torcedor ilustre do clube em sessão solene do Conselho Deliberativo do Fluminense em 21/07/2014.

Pelé 80

Meio século depois de comandar o maior time de todos os tempos – a Seleção Brasileira tricampeã mundial em 1970 -, Pelé completa 80 anos.

Desde a vitória inesquecível no México, jamais foi superado, sequer igualado ou, pelo menos, tendo um concorrente em seu encalço, ainda que a cem ou duzentos metros de distância.

De lá para cá, vimos Cruiyff, Rivellino, Maradona, Rummenigge, Sócrates, Platini, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, CR7, Zidane, Messi, Neymar e mais um exército de super craques fantásticos, mas nenhum deles sequer ameaçou no o posto do Rei do Futebol, o Atleta do Século XX.

Ao contrário da praxe de um país que, a cada quinze anos, esquece o que se passou a cada quinze anos, a carreira de Pelé pode ser vista e revista de muitas formas e com franca digitalização: revistas, filmes, documentários, vídeos, livros e muitos, muitos gols e jogadas. Só desconhece sua obra quem quer.

Não é preciso concordar com as posições políticas nem com as questões familiares de Pelé – ambas dignas de crítica livre – para reconhecê-lo como o maior jogador de futebol de todos os tempos. E sua arte não pode ser diminuída. Não vale apenas para Pelé, mas também para Pablo Picasso, George Gershwin, Tom Jobim, Basquiat, Andy Warhol, Charles Chaplin, Charles Bukowski, Jack Kerouac, Paul McCartney, Madonna, Janis Joplin, Susan Sontag, Indira Gandhi, Glauber Rocha e uma antiga lista telefônica imensa de personalidades geniais que foram – e/ou são – seres imperfeitos, simplesmente porque a perfeição plena de um ser humano não existe. Você mesmo(a) que lê estas linhas, já cometeu erros que considera até graves, mesmo que não tenham resultado na morte de ninguém? Eu cometi, reconheço e alguns deles me doem diariamente, mesmo quando eu não fui diretamente responsável, assim como algumas das pessoas que mais admirei e admiro já cometeram, inclusive contra mim. Todas estão perdoadas. Nenhuma delas foi ou é Pelé.

Gostaria de compartilhar uma pequena história de um colega, hoje jornalista consagrado, iniciante há duas décadas. Ao saber que Pelé desembarcaria nas Laranjeiras para uma reunião no Palácio Guanabara, se mandou para lá cedinho e abordou o Rei quando não havia um repórter por perto, em pleno gramado tricolor. Foi atendido com toda a gentileza em plena alvorada e, quando os seguranças chegaram perto para intervir, Pelé imediatamente pediu para que se afastassem e continuou atendendo o jovem e desconhecido repórter.

O maior craque de todos os tempos levou o nome do Brasil por todos os quatro cantos do mundo, num tempo em que o país procurava seu lugar no planeta. Seus números falam por si. Voltando às referências artísticas, muitos dizem que Nelson Rodrigues – outro brasileiro genial e que também não está isento de críticas – era o nosso Shakespeare. Outros dizem que Miles Davis – outro monstro com histórias controversas – foi o Pablo Picasso do jazz. Outros dizem que o maravilhoso Tom Jobim – que hoje seria apedrejado – foi e é o nosso George Gershwin. Pois bem, dentro das quatro linhas Pelé foi a soma de todos esses artistas geniais e mais um pouco. Carregando consigo a tradição de heróis como Friedenreich e Zizinho, ele desenhou uma carreira sem precedentes na história do futebol e hoje, quase quarenta anos depois, todos alimentamos o sonho de ver algo parecido com Pelé em campo. É difícil imaginar que ele possa ser concretizado. Pelo menos o Google e o YouTube aí estão para provar tudo que foi realizado pelo Rei.

“Vê-lo jogar, bem valia uma trégua e muito mais. Quando Pelé ia correndo, passava através dos adversários como um punhal. Quando parava, os adversários se perdiam nos labirintos que suas pernas desenhavam. Quando saltava, subia no ar como se o ar fosse uma escada”, escreveu Eduardo Galeano, um Pelé da literatura, em seu espetacular livro “Futebol ao sol e à sombra”.

Antes disso, em 1958, escreveu Galeano: “Pelé magricela, quase menino, incha o peito para impressionar e ergue o queixo. Ele joga futebol como Deus jogaria, se Deus decidisse se dedicar seriamente ao assunto. Pelé marca encontro com a bola onde for e quando for e como for, e ele nunca falha.

Até pouco tempo, engraxava sapatos no cais do porto. Pelé nasceu para subir, e sabe disso.”

@pauloandel

O americano de Santo Cristo

Naquele tempo os times só conseguiam dinheiro se jogassem. A arquibancada era a principal fonte de receita financeira. E por isso, em plena Copa do Mundo de 1982, com a Terra inteira olhando para Sócrates, Falcão e companhia, o Maracanã abriu várias vezes para as partidas do Torneio do Campeões de 1982, praticamente uma versão reduzida do Campeonato Brasileiro.

Gostando de futebol e querendo ver outras partidas além das do meu Fluminense, o que me restava? Administrar a mesada e dividir direitinho para poder ver o máximo de jogos na geral, o setor mais popular e barato do Maracanã. Foi o que fiz.

Além do Flu, vi também o Vasco num 0 a 0 com o São Paulo. Jogo ruim para os vascaínos num raro domingo à noite – antigamente só no Sul é que se tinha partidas neste horário -, vaias e um pênalti perdido pelo poderoso artilheiro Roberto Dinamite, cuja cobrança vi atrás do gol, bem de pertinho como a geral permitia. Se era difícil enxergar os lances, por outro lado a gente tinha a sensação de que fazia parte do jogo, de que estava dentro do campo. Quando o gol saía, lá estava a gente na televisão feito os figurantes mais felizes do mundo.

Eu gostava do America. Gostava bastante. Talvez fosse meu segundo time, talvez eu tivesse ficado encantado pelo bandeirão vermelho que abriram num empate com o Flu em 1979. E então veio um jogo contra o Atlético Mineiro, decisão de vaga na competição.

Tinha um garoto que era fanático pelo America. Estava sempre com sua camisa e escudo rubros, bandeira na mão, boné e radinho. Gostava de ficar na geral entre o escanteio invertido à direita da Tribuna de Honra e a primeira trave. Num jogo vazio nos conhecemos e vimos algumas partidas juntos. Eu tinha treze anos, ele já devia ter uns dezesseis por conta do bigodinho que usava. E torcia, torcia, torcia demais. Eu achava bacana que ele torcesse tanto por seu time, que não ganhava títulos há tempos, era bonito aquilo. Com o tempo, entendi que todos querem ser campeões mas torcer não tem a ver com a obrigação de títulos e sim com a paixão.

Oi. Beleza? Legal você estar aqui. Vamos torcer. Sangueeeeeee!

Jogo duro, pouca gente, frio de domingo. Quando as partidas começavam às cinco da tarde, geralmente o segundo tempo tinha cara de noite. Não foi diferente.

Meu amigo com caras e bocas de sofrimento atroz, eu torcendo pelo America, por ele, pelas pessoas que ali estavam. O Flu ia jogar noutro dia, podia esperar. Ali era tudo ou nada para o Diabo da Campos Sales. Zero a zero, zero a zero. Zero a zero.

No último minuto, aconteceu um bate-rebate na área. Alguém furou. A gente estava no lugar de sempre: escanteio invertido à direita da Tribuna. Elói chutou. Francisco Chagas Eloia, não esqueço o nome. Gol. Gol! Gol de Elói no último minuto, America classificado.

Meu amigo me deu um abraço, outro e começou a chorar. Eu nunca tinha visto um garoto chorar de alegria, nem eu mesmo tinha chorado. Chorou muito e gritou muito quando o árbitro logo encerrou o jogo. Foi uma lição para mim: eu me sentia tão triste porque o meu time mal tinha dois anos sem título e, ali, o meu amigo que nunca tinha visto uma volta olímpica mostrava todo o seu amor pelo seu grande clube. Então aprendi que, no futebol, títulos são importantes mas não são eles que determinam o amor de alguém por aquele jogo fascinante que, há dois séculos – e desde muito antes – mexe com a alma da gente pelo mundo inteiro.

Havia pouca gente no Maracanã, mas lembro das pessoas gritando muito na saída, tanto no corredor soturno da geral quanto na rua. Trocamos outro abraço. Ele me agradeceu porque via os jogos sozinho e, segundo sua opinião, quando nos conhecemos, eu tinha trazido sorte para o nosso America. Eu devia ter contado a ele que era Fluminense, mas acabei não falando. Então nos despedimos e ele seguiu para a estação de trem, para depois chegar em Santo Cristo. Estava muito feliz. Qual será seu nome? Não sei dizer.

Virei à direita na Avenida Maracanã e, quando passei pela majestosa Estátua do Bellini, quase não havia gente, exceto um vendedor de cachorro quente e umas três pessoas. Então resolvi fazer um lanche antes de atravessar a rua, pegar o 434 e fazer uma viagem até Copacabana.

O America seguiu em frente e acabou campeão, Campeão dos Campeões. A Seleção, que era o grande assunto daquele Brasil, acabaria eliminada pela Itália. Ainda voltei muitas e muitas vezes à geral, aí praticamente só pelo meu amor tricolor. Um dia, a força da grana e da ganância destruiria o palco dos meus sonhos de garoto.

Tomara que meu amigo americano de Santo Cristo continue vivendo aquele sonho permanente do futebol, o choro, o gol. As coisas estão difíceis para o America mas o sonho não pode morrer. Estão difíceis para o futebol brasileiro na verdade. O Maracanã era o sonho de dois garotos abraçados, que nem precisavam torcer pelo mesmo time para saber o que é que um jogo significava.

Lembro dele indo para a estação de Derby Club. Faz muito tempo.

Nunca mais o vi.

@pauloandel

Eu, redonda

Há trinta e oito anos vivo em berço esplêndido e profunda solidão. Numa breve espiada, posso ver o esplendor da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde vim parar contra a vontade mas cumprindo meu destino. Estou só, absolutamente só.

Tudo começou num dia que prometia ser o mais feliz da história do Brasil, mas não deu certo. As ruas eram cheias de bandeirinhas coloridas, o asfalto era pintado de verde e amarelo, Pachecão para todo lado. Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Sócrates e Zico; Falcão, Serginho e Éder. Onde poderia ter alguma falha?

O país parou para ver Brasil e Itália pela Copa de 1982 e não é difícil imaginar que, em 100 jogos, o nosso timaço venceria o timaço deles em 99. Mas como 99 não é 100, perto da hora do almoço a Seleção viveu uma espécie de nova final de 1950, e Paolo Rossi se transformou em dos maiores personagens de todas as Copas do Mundo. Quando o jogo acabou, Copacabana – o bairro mais barulhento da Terra – era um silêncio de dois mil cemitérios. A Itália ganhou o jogo dos jogos por 3 a 2, primeiro passo rumo ao tricampeonato mundial que lhe pertenceria em breve.

Os garotos, meus amigos, resolveram se reunir e jogar bola numa das quadras da Lagoa. Que remédio seria melhor ali do que uma boa pelada? Não havia telefone, uns foram na casa dos outros e logo éramos sete. Lembro que fizemos uma verdadeira procissão solitária do meio de Copacabana até o Corte do Cantagalo, quando então surgiram alguns carros. Antes disso, parecia que havíamos cruzado um deserto formado por prédios abandonados: não havia uma pessoa às janelas, nem nas calçadas, nada. Os porteiros desapareceram. Bancas de jornais, padarias, supermercados e botequins fechados. Ninguém ligando nos orelhões. O asfalto completamente vazio. Por alguma razão eu preferia não ter ido, mas não tive escolha: o futebol é minha sina. Nem todo mundo só faz o que quer.

Tivemos a exata noção da tragédia nacional quando chegamos aos campos da Lagoa. Normalmente abarrotados e com uma fila de fora, não hospedavam uma alma viva sequer. Não tinha a carrocinha de Kibon por perto, nem sinal do moço que vendia tubos de bolinha de sabão para as crianças. Alguma coisa nos fazia crer que, naquela tarde, éramos todos órfãos. Particularmente, eu me senti uma verdadeira estrela solitária, embora contasse com a simpatia de todos os amigos presentes.

Entramos na quadra, sortearam os times e me posicionei para o jogo. Começou. A quadra era só nossa. A temperatura era agradável. O Brasil havia perdido a maior partida de sua história, mas estávamos na Lagoa para manter a chama acesa dos nossos dias.

Um chute, uma dividida, canela contra canela. Fogo contra fogo. Corríamos para animar o jogo e desarmar a tristeza de nossas vidas. Tudo ia bem até perto dos vinte minutos, quando houve uma disputa perto da área. Marco Antônio, meu velho amigo que tinha uma verdadeira patada atômica nos pés, acabou me acertando em cheio, no peito. Uma bomba! E a nossa pelada acabou exatamente ali.

Poucos segundos depois, ainda sem recobrar os sentidos, o que me lembro é de ver meus amigos desesperados, tentando me acudir enquanto nos afastávamos involuntariamente. Alguém tentou me puxar, o outro chorava, alguém resmungava mas não teve jeito. Sofri um golpe fatal. Não morri, mas perdi meus amigos para sempre e isso me faz sofrer, a minha carreira foi encerrada também. Nunca mais participei de um jogo. Nunca mais voltei a ver meus amigos. Eles bem que tentaram me acudir, mas foram derrotados pela Lagoa Rodrigo de Freitas, e reconheço que mergulhar nela seria arriscado demais. Ainda tenho na memória as imagens deles indo embora de volta ao Corte do Cantagalo, cabisbaixos, chorosos mesmo.

Desde então, a minha vida tem sido ouvir ao longe outros garotos gritando e brincando, às vezes rindo, às vezes brigando também. Há dias de silêncio e outros de muito barulho, geralmente nos fins de semana. Muitos gols, vitórias e derrotas, ídolos e vilões, para tudo se desfazer e se refazer. Ultimamente a pandemia espantou todos os jogadores. Torço para que voltem logo, me alegra. O que me dói mesmo é não poder mais participar da festa do futebol, de brincar, de ser a estrela do jogo.

No meio da Lagoa Rodrigo de Freitas, em permanente flutuar, passo meus dias e noites. Ninguém me percebe, vivo entre braçadas imaginárias e o vaivém das pequeninas ondas. Tal como disse lá em cima, vivo em berço esplêndido mas também numa desilusão. Tudo o que eu queria era voltar ao jogo. Onde foram parar meus amigos? Será que estão todos vivos, com saúde? Espero que sim.

Não sou de ferro, mas de borracha e por isso continuo aqui. E penso naquele dia, penso nos meus amigos. Penso no dia em que o Brasil era todo nosso, até que Paolo Rossi foi nosso vilão. Nos dias de sol e de chuva eu penso naquele jogo, naquela tragédia inesquecível. Eu sei o que é o futebol e o que é a solidão, mas ainda sonho: imagine se alguém passa de barco e me resgata? Voltar à quadra seria renascer. Mas, pensando bem, parafraseando Frank Sinatra, para quem teve uma vida como a minha, basta uma única vez.

@pauloandel

(Baseado em fatos reais e livremente inspirado em “Das memórias de uma trave de futebol em 1955”, de Sergio Sant’anna)

A paixão do torcedor

Colaboração de CH Barros

Os tempos sombrios em que vivemos, repleto de dor e angústia, é suficiente para que fiquemos desanimados, seja no futebol, no cotidiano, nos estudos, enfim: em todas as esferas. No entanto, os times voltaram a campo apesar da pandemia ainda ser vigente e, junto, a nossa paixão.

Torcer é uma coisa muito engraçada. Certas horas, dá vontade de jogar tudo para o alto e deixar de acompanhar seu time do coração, mas, se ele vencer na próxima rodada, a ânsia pelo jogo posterior é gigantesca até ele chegar. O torcedor é atemporal e sonhador, é movido por paixão.

A paixão do torcedor revela-se a cada instante de um jogo. Ela está no roer de uma unha, no palavrão dito quando o jogador erra um passe, na tristeza ao não ver um lance, na risada ao sair o gol. Ela é tão grande que é capaz de se transportar do sofá até o estádio e dar ânimo aos jogadores.

A paixão nos faz simplesmente esquecer de nossos problemas quando estamos assistindo nossos times jogar. Esquecemos, idem, até dos desfalques, de tão interessados que estamos na vitória. Xingamos, gritamos e vibramos, independente de estarmos no estádio ou não. Torcer é isso.

E não pensem que para por aí. A paixão, bem como o amor, é que nos leva a sonhar com dias melhores para os nossos times; ela é que move a pensarmos que nosso time pode virar o jogo, ainda que a partida esteja aos quarenta minutos do segundo tempo com o adversário vencendo por 2 a 0.

Isso é maravilhoso. O fato de estarmos sonhando com algo, de certa forma, faz com que vivamos por um segundo àquela realidade. Quem nunca sonhou com seu time sendo campeão mundial? Ou vencendo a Libertadores? Quando você pensa nisso, acaba vivenciando o momento.

Nos dias atuais, não há nada mais importante do que a fuga da realidade, a qual só nos traz brigas, desavenças e tristeza. A paixão e o futebol, amantes inseparáveis, é que nos dão esta dádiva. Nos fazem sonhar com dias melhores – por mais difícil que seja – e com as glórias do passado.

Resta-nos torcer para que esses sonhados dias venham, e que o nosso futebol seja mais valorizado pelo o que ele representa. Somos um país que respira futebol. Somente ele pode nos fazer vibrar de alegria com um gol mesmo num momento tão difícil e nos trazer uma ansiedade positiva pelo próximo jogo.

Devemos conservá-lo e tratá-lo com carinho, observá-lo além das quatro linhas. Futebol e torcida têm essência. Logo, não podemos deixar que o tal “futebol moderno” tire isso. Vejamos o exemplo do VAR: é algo que tira totalmente a emoção de um gol. Querem tirar até a essência da comemoração!

Não podemos deixar isso acontecer.

Um viva e um brinde ao futebol, à sua essência e a paixão que ele emana a todxs nós.

Saudações.

Foto: Thomaz Farkas

O dia do Rei Artur, há 37 anos

Há exatos trinta e sete anos, num feriado de muita chuva no Rio de Janeiro, o Bangu cumpriu uma de suas atuações históricas contra o Flamengo, aplicando uma sonora goleada pelo placar de 6 a 2.

Foi uma tarde-noite de Arturzinho, o maestro banguense da camisa 10. Marcou quatro gols na partida e se tornou um dos seis jogadores na história a conseguir tal feito em cima do Flamengo. Um deles foi antológico, da intermediária, encobrindo o pobre – e jovem – goleiro rubro-negro Abelha, à época substituindo Raul Plassmann. Aliás, é bom que se diga: imediatamente após o jogo, houve uma tentativa injusta de transformar Abelha no vilão máximo daquela partida, no único culpado, por ter cometido falhas clamorosas no clássico, o que na verdade não aconteceu exatamente com a tônica da ocasião. No terceiro gol, socou uma bola fraca e, na consecução do lance, escorregou na verdadeira lama da pequena área. E no sexto gol, rebateu um chute forte de Ado que Arturzinho, sempre ele, aproveitou. É certo que Abelha falhou, mas nem de longe foi o único culpado pelo massacre banguense: a imprensa esportiva foi unânime em afirmar que o Alvirrubro de Moça Bonita poderia ter feito tranquilamente mais três ou quatro gols, enquanto o time flamenguista jogava absolutamente atônito. Por sinal, a grande falha na partida, sem comprometer o resultado, foi justamente do goleiro banguense Toinho, soltando uma bola fácil para o ponta Robertinho descontar a goleada. E é bom que se diga: o Bangu tinha um timaço comandado pelo treinador – e eterno xerife – Moisés, além dos gordos “bichos” pagos pelo mecenas Castor de Andrade. Basta falar de feras como Mário, Marinho, Fernando Macaé e o jovem ponta-esquerda Ado.

Mas, afinal, o que dera no Flamengo daquele momento? Depois de ganhar o tricampeonato brasileiro, veio um golpe fatal: a venda de Zico para a italiana Udinese, que abalou todos os flamenguistas do mundo. E a campanha rubro-negra na Taça Guanabara sofreu um forte abalo depois dos 3 a 0 sofridos do Botafogo, num clássico que derrubou o treinador Carlos Alberto Torres, toda a comissão técnica e até a diretoria do clube da Gávea. Apesar de ainda ter um timaço, o Flamengo acusou o golpe da perda do Galinho de Quintino. Mas se recuperaria em breve, conquistando a Taça Rio e disputando o triangular final do Campeonato Carioca de 1983.

Curiosamente, na mesma competição o Flamengo viria a vencer o Bangu em outras três partidas, marcando seis gols e sofrendo um, mas mostrando que no futebol não se compensa uma goleada apenas com rigor matemático. Depois daquele massacre de 7 de setembro, o Fla fez 3 a 1 pela Taça Rio (já com um time remodelado pelas voltas de Tita, Cláudio Adão, mais as contratações de Lúcio e Edmar), 1 a 0 na final da própria Taça em jogo extra e, por fim, na última partida de toda a competição: 2 a 0 no triangular final de 1983, com os jogadores do Fluminense comemorando o título na Tribuna de Honra – o Tricolor havia empatado com o Bangu em 1 a 1 na primeira partida da decisão, para depois vencer o Flamengo por 1 a 0 com o famoso gol de Assis no último minuto. Ressalte-se que, naquele tempo, a vitória ainda valia dois pontos em uma competição profissional no Brasil.

A antológica goleada do Bangu em cima do Flamengo foi vista por muito pouca gente no Maracanã: apenas 5.009 pagantes encararam a tempestade carioca no feriado da Independência para ver o jogo no estádio. Os flamenguistas saíram de cabeça quente, já os banguenses celebraram uma vitória eterna. Júnior, craque rubro-negro e substituto de Zico como armador do Flamengo naquele momento, já disse que, se pudesse apagar de vez uma partida em sua carreira, seria esta. E a ironia do destino escreveu suas linhas de forma magistral: muitos anos depois, o execrado Abelha faria sucesso como treinador de goleiros do japonês Kashima Antlers, ao lado do treinador… Zico.

Uma coisa é certa: digam o que disserem, em 7 de setembro de 1983, o baixinho Arturzinho fez chover com seu futebol gigantesco. Era feriado da Independência do Brasil, mas o dia foi do Rei Artur.

@pauloandel

O próximo jogo

São pouco mais de oito horas da manhã, num silêncio enorme abraçado à luz ensolarada da Cruz Vermelha. Estamos no último domingo de agosto. Por alguma razão o futebol cutuca meu ombro antes que eu levante para lavar o rosto, então volto no tempo e desembarco num outro domingo qualquer de agosto, podendo ser em 1979, 1980 ou 1981.

Era batata: uma rotina maravilhosa. Logo ao acordar, lá estava o rádio ligado no programa do Waldir Vieira – a vinheta tinha o assobio clássico da Rádio Globo – até que, em algum momento, anunciavam a cobertura da rodada do futebol a partir de meio-dia. E aí eu descia para fazer as compras matinais, sonhando em ir ao jogo no Maracanã, especialmente do meu Fluminense – se não desse, seria bom ir a outro também, quando o Flu jogava longe ou fora da cidade. Pão, ovos, queijo, presunto, Jornal dos Sports, O Globo, O Dia, Jornal do Brasil.

Terminado o Waldir, meu pai ligava a TV no Conversa de Arquibancada na Bandeirantes (hoje Band), o programa onde representantes das torcidas organizadas dos clubes cariocas debatiam o futebol. Era um barato. Personagens como Niltinho (Flamengo), Russão (Botafogo), Amâncio Cezar (Vasco, que viria a ser um de meus melhores professores na UERJ) e Antonio Gonzalez (do Fluminense, meu ídolo e que se tornaria meu grande amigo no futuro), comandados por Hamilton Bastos e posteriormente por Dênis Miranda. E depois de uma hora ouvindo os torcedores falarem do Maracanã e do futebol, eu só queria era ouvir a senha mágica, ir para o estádio e ver aquele mar de gente se espremendo com radinhos de pilha nos ouvido, uma experiência sensorial indescritível.

Mas que senha mágica? “Paulo, vá lá embaixo comprar lasanha na Trattoria Torna (da rua Anita Garibaldi)”. Não falhava nunca. Acho que o ritual do Maracanã para meu pai exigia a lasanha de domingo. Comprado o almoço e feita a deliciosa refeição, era só esperar o ônibus na porta do Shopping dos Antiquários em Copacabana e partir para a glória. Saíamos bem cedo, perto de uma da tarde, e geralmente chegávamos com os portões do Maracanã ainda fechados, o que aumentava ainda mais o clima do jogo.

Para nós, o 435 era bem mais rápido e ainda passava na porta do Fluminense, o que era sempre um bom presságio, mas meu pai geralmente pegava o 434, linha Grajaú-Leblon, eleito o ônibus de percurso mais charmoso do Rio, atravessando toda a zona sul, o centro da cidade, passando pelo Maracanã e depois por Vila Isabel. Desconfio de que ele gostasse do percurso e também quisesse me colocar para saborear a cidade. Uma hora depois, estávamos no Maraca. Tinha vendedores de laranjas – a descascada era mais cara -, de almofadinhas para assento – em dias de calor a arquibancada era quente! – de bandeirinhas de mão, de cachorro quente e, acreditem, o estádio dono do mundo tinha bancos de praça em suas cercanias. Em pouco tempo, o vazio era tomado por um mundaréu de gente.

A experiência de subir a rampa do Bellini ou da UERJ de mãos dadas com o pai era algo indescritível. E ainda passar pelas salas das torcidas, com a festa sendo preparada. O lance final era embarcar nos estreitíssimos e escuros túneis que davam acesso à arquibancada, como se você fosse teletransportado para outra dimensão, até que vinha a luz e qualquer garoto ia à Lua ao se deparar com aquele campo gigantesco, aquele monte de gente cantando, a preliminar rolando – ou prestes a acontecer -, os vendedores de Coca-Cola vestido feito astronautas, todos de branco, com capacete e o tanque de refresco nas costas como se fosse um respirador.

Às quinze para as cinco terminava o jogo dos juvenis. As torcidas começavam a arrumar suas bandeiras para desfilar na arquibancada. Papel picado, papel higiênico, pó de arroz, fumaça. Quando começava a ter algum burburinho na entrada dos vestiários, um de cada lado, subterrâneos, aí as torcidas explodiam de alegria. E quem torcia para o Fluminense sonhava com Edinho, Zezé, Deley, Mário, Pintinho, Gilberto, mas por tabela via Mendonça, Helinho, Marcelo, Carpeggiani, Adílio, Zico, Júnior, Roberto Dinamite, Paulo Cezar Caju, Orlando Lelé, Marco Antônio, Edu, Luisinho Tombo, Alex, Mirandinha, Moisés e Luizão lutando contra Wendell, Renato, Raul, Cantarele, Mazzaropi, Zé Carlos, Tobias, País, Ernani.

Às sete da noite, o jogo acabava. Ganhando, perdendo ou tendo apenas assistido, lá estava meu pai e sua mão a me puxar, enquanto eu já pensava na resenha da TVE, na reprise do jogo à meia-noite de domingo, ao próximo jogo que teria que ser pelo apaixonante radinho de pilha e também pelo próximo no Maracanã. O próximo, o próximo, o próximo jogo, numa sucessão infinita que talvez atravesse a morte, honrando as palavras do mestre Nelson Rodrigues.

Agora são nove da manhã do último domingo de agosto. Não estamos mais em 1979 ou 1980, mas em 2020. O rádio está desligado. A banca não vende mais jornais. A senha do pai emudeceu e o clássico do Maracanã foi ontem, com a bela vitória do Fluminense sobre o Vasco. Não há como ir ao jogo logo mais, seja de que time for, e o jeito é navegar pela televisão. E o próprio estádio é totalmente diferente do que já foi um dia. Mas quem disse que aquele desejo infinito de pegar o 434 em Copacabana e passear pela cidade por uma hora até chegar ao Maracanã passou? Não passa, não passará.

Quem subiu as rampas do Bellini ou da UERJ, mergulhou no micro túnel da arquibancada ou desfilou pela grande volta olímpica da geral, nunca mais deixou de voltar. É uma busca infinita pelo futebol, pela paixão, pelo Rio de Janeiro, feito a dos garimpeiros que não largam seu ofício à procura de uma pepita de ouro, aquela que explica a nossa paixão pelo jogo de bola. É o Maracanã, amigos. Que venha o próximo jogo!

@pauloandel

A magia do Futebol Cards

Na segunda metade dos anos 1970 era uma febre entre a garotada. A venda de um chiclete de qualidade discutível vinha acompanhada de um pacotinho com cartões de papelão contendo fichas e fotos de jogadores, posteriormente também o mesmo com jogos marcantes do futebol brasileiro.

Hoje o Futebol Cards é valorizadíssimo entre colecionadores pelo Brasil afora.

O vazio do futebol

Enfim, o futebol voltou. Não havia outro jeito, os contratos exigem e, segundo dizem, o show tem que continuar.

Mas há um vazio absoluto, provocado pela trágica pandemia que continua matando muito no Brasil. Sim, afinal é impossível que se tenha público nas partidas. Paciência.

De toda forma, é impossível não se sensibilizar com a desgraça que é uma arquibancada no completamente vazia numa partida de futebol. Sem a torcida, a televisão oferece um sentimento de solidão, de ausência, de lacuna evidente.

O cenário já é triste para os times da elite do futebol brasileiro. Imagine quem não está nela? Campeonatos que não vão se realizar, times que podem desaparecer, tristeza, desemprego, miséria. Quatro quintos ou mais dos jogadores brasileiros ganham pouco mais do que um salário mínimo, isso para quem recebe. E como vai ser daqui por diante?

É certo que prever a catástrofe provocada pela Covid19 era impossível mas, se pensarmos bem, o cotidiano dos jogos sem público na arquibancada já se desenhava de alguma forma, ora pela gentrificação dos estádios transformados em arenas, ora pelo desprezo às equipes que não figuram nas principais competições nacionais, ora pela própria espanholização do futebol através das cotas de TV, ora pelo combate hipócrita aos verdadeiros agentes da violência entre torcidas. Numa reflexão sincera, a TV sempre pretendeu fazer do futebol uma atração como um jornal diário ou uma novela, pouco se importando sobre a necessidade vital de formar público presente aos jogos.

Copiamos a péssima fórmula de Havelange: arenas gourmetizadas, com ingressos caros, privilegiando carros em vez dos velhos trens enchendo os estádios com seus tipos populares.

A pandemia foi apenas (mais) uma pá de cal nos degraus de concreto que antes ofereciam emoção, mas que passaram a exalar “experiências”. Por enquanto temos a justificativa para o deserto de espectadores. Mas o que será do futuro? A torcida vai sobreviver depois que a tragédia do novo Coronavírus for debelada?

Dia 16 de julho de 1950

Há exatos 70 anos e alguns minutos, o Rio vivenciava o maior velório de sua história. Muitos cariocas cometeram suicídio, inclusive no Maracanã, palco de Brasil 1 x 2 Uruguai. É um assunto tido como tabu.

Destroçados para sempre, salvo raras exceções, os jogadores brasileiros experimentaram a morte em vida. Alguns sofreram muito, outros até o fim de suas trajetórias.

O peso mais cruel coube a Barbosa, um dos grandes goleiros da história do futebol brasileiro, num exemplo típico de casuísmo presente no cotidiano brasileiro.

Incrivelmente, os uruguaios campeões não escaparam de destinos cruéis: abandonados à própria sorte pelos dirigentes, que se mandaram antes da decisão, comemoraram o título fazendo uma vaquinha para comprar sanduíches no hotel. Obdulio Varela, o líder do time, foi andando pelos bares do Flamengo e Zona Sul, bebeu como nunca, abraçou brasileiros chorosos e se penitenciou para sempre: ignorou holofotes, afastou-se do futebol e teve um resto de vida miserável, assim como vários de seus companheiros.

E foi da dolorosa derrota em 1950 que nasceu a maior potência da história do futebol. Dos exageros daquela tarde vieram as sementes que, vinte anos depois, floresceram na conquista da Taça Jules Rimet, depois de três títulos mundiais.

Há setenta anos, nasceu uma ferida que jamais cicatrizou – e é irônico que dela tenha vindo um caminho para monumentais vitórias.

Enquanto a Seleção de 1950 não tiver a devida reabilitação e reconhecimento, haverá uma lacuna, um hiato indevido.

A memória de Moacir Barbosa merece isso. As vidas que foram desperdiçadas naquele 16 de julho de 1950, porque inventaram que era matar ou morrer, merecem isso. Não é preciso uma Copa do Mundo para saber reconhecer os próprios heróis.

Aquele silêncio do Maracanã abarrotado ainda rasga o ventre dos que amam o futebol, mesmo os que sequer eram nascidos quando tudo aconteceu.

@pauloandel

Lançamento do livro “Da lama à grama”, de Kleber Monteiro, nesta quinta-feira

Na próxima quinta-feira (16), o escritor Kleber Monteiro lança o livro “Da lama à grama” no Rio de Janeiro. A obra é a descrição de todo o campeonato da terceira divisão do futebol carioca no ano de 2019. Para realizá-la, Kleber fez viagens quilométricas de modo a assistir todos os times da competição pelo menos uma vez, contando tudo sobre jogadores, treinadores, dirigentes e torcedores.

Além dos jogos, que por si somente formam um livro único, o autor captou toda a atmosfera que cercava as partidas, desde fatos engraçados e até jocosos como dramáticos e reflexivos, captando uma realidade muito diferente da vivida pelos grandes clubes brasileiros. “Da lama à grama” é, desde já, um registro histórico.

O livro foi produzido pela Vilarejo Metaeditora, com a participação direta do PANORAMA: produção de nosso fundador e cronista Zeh Augusto Catalano, mais revisão e prefácio do nosso cronista Paulo-Roberto Andel. E para ficar tudo em casa, o lançamento será no Sebo X, apoiador desta casa.

OBS: atendendo aos protocolos necessários, não é permitido acessar o prédio onde fica o Sebo X sem o uso de máscara. A presença no evento deve ser confirmada antes pelo Whatsapp (21) 99791-5589.

SERVIÇO

“Da lama à grama: uma viagem pela terceira divisão do futebol carioca”

Lançamento: 16/07/2020 (quinta)

Horário: agendado pelo Whatsapp (21) 99791-5589

previamente entre 13 e 17h.

Local: Sebo X – Praça Tiradentes, 9/sala 601 – sexto andar – Centro – RJ

Preço: R$ 50,00. Débito, crédito e dinheiro.

Produção: Vilarejo Metaeditora

Tamanho: 14 x 21 cm

Páginas: 186

Porque hoje tem Fla x Flu

O mundo anda complicado demais, o Brasil passa por um momento muito difícil e, sinceramente, não havia o menor clima para se retomar competições de futebol com 70 mil mortos pelo novo Coronavírus. Mas os bastidores decidiram e, logo no Rio de Janeiro, tão machucado por tudo, a bola voltou a rolar.

Pelo menos ficou o Fla x Flu. Para muitos o campeonato era favas contadas do Flamengo, mas o Fluminense foi matreiro e, por isso, venceu a Taça Rio nos pênaltis, garantindo a final do campeonato em dois jogos. Aliás, quem sabe dizer qual foi a última vez em que o maior clássico do futebol brasileiro foi disputado três vezes em sete dias? É o que terá acontecido quando for conhecido o novo campeão carioca.

Em vez das velhas multidões, o Maracanã vazio e sem festa. Em vez dos olhos grudados na tela da TV, celulares e notebooks.

O que não muda é a mística do confronto que já dura 108 anos, recém completados na semana passada. O pior sempre faz jogo duro com o melhor, o inesperado tem sempre lugar cativo na partida, a empáfia não rima com a vitória. Desde os jogos da Rua Guanabara até palcos de outros estados, o Fla x Flu mexe com os sentidos.

Qualquer prognóstico da decisão parece precipitado. Só no campo mesmo é que as coisas acontecem. Se o Flamengo vem de várias conquistas e conta com seu time vice campeão mundial, o Fluminense se reabilitou depois da volta do futebol. Fez três partidas ruins na Taça Rio mas encarou o eterno rival de igual para igual.

A cidade está triste e silenciosa. A fome e o abandono imperam nas ruas. Os bares estão vazios. O Rio está deitado num leito hospitalar. Mais uma vez os desafios serão imensos. Por ora, este domingo à tarde reserva ao menos uma hora e meia de emoção, distração e fantasia, porque o Fla x Flu é o jogo que nunca termina. Daqui a pouco tem mais um capítulo, ao menos para aliviar os corações sofridos dos brasileiros.

Os heróis de 1958, 62 anos depois

Houve um tempo em que o Brasil era figurante nas Copas do Mundo, mas tudo mudou com a espetacular Seleção de Didi, Nilton Santos, Garrincha, Pelé e outras feras.

Quase todos os heróis daquela conquista estão mortos, mas a história é eterna. Vivos, Pelé e Zagallo são legendas do nosso futebol.

A carta de Tite para os tricampeões mundiais em 1970

“Tenho viva na lembrança a memória de estar no carro com Parreira, em 2016, a caminho de um encontro com Zagallo. Além do respeito e carinho, também buscava calma e ensinamentos. Escutei relatos que, desde o início de sua carreira como técnico, Zagallo falava sobre temas como a organização da equipe e o estudo profundo – e por longos períodos – de treinamentos e estratégias.

Recentemente, assisti mais uma vez a todos os jogos da Seleção de 70 – confesso que apenas partes da vitória contra a Romênia (3×2) – e pude observar, refletir, opinar mais uma vez… Ou como definiu a poeta Leda Martins, se “toda história é sempre sua invenção”, posso então contar minha história, minha verdade sobre a Seleção de 70.

Tinha nove anos de idade e tenho a vívida lembrança de jogar bolinha de gude enquanto a Seleção disputava a semifinal, contra o Uruguai. Ouvia tudo pelo rádio e, quando o chute de Clodoaldo encontra a rede, largo tudo e saio correndo, vibrando com o gol, talvez imaginando tê-lo feito.

A Seleção Brasileira de 1970 contava com atletas diferenciados e de altíssimo nível: Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino, Jair, Clodoaldo e outros mais. Qualidades técnicas e cognitivas. Costumo dizer que essa equipe está em uma prateleira à parte de todas as outras equipes.

É também verdade que após revisitar o tricampeonato no seu aniversário de 50 anos, reforço a qualidade de seu técnico a cada partida assistida. Zagallo é o responsável por adaptar a equipe aos melhores atletas, potencializando-os individualmente e coletivamente enquanto equipe. O “Velho Lobo” é moderno desde 1970, quando respondeu a uma pergunta dos tempos de hoje, um desafio contemporâneo para os técnicos.

Aquele time reunia, na fase ofensiva, criatividade e efetividade. Foram 19 gols marcados em seis jogos. Na fase defensiva havia solidez e organização. Afora os limites humanos, exceção claro a Pelé, conforme a necessidade e/ou a possibilidade, a equipe encantava, competia e vencia. A Seleção das Seleções, bem simples assim!
Lembro de Rivellino relatando como Zagallo o convenceu a jogar como ponta esquerda (externo esquerdo), com liberdade de movimentação quando com a bola (um flutuador), e sem bola preocupado com a recomposição defensiva posicional pela esquerda. Exemplo de liderança transformacional.

Estive também com Gérson antes da Copa do Mundo de 2018. Ele me contou histórias a respeito da equipe e aquilo foi fascinante. Posicionamentos, relações, inteligência do atleta nas percepções da posição e função exercida. Por exemplo, se lembram do gol que me referi no começo do texto? O gol de empate de Clodoaldo contra Uruguai, ao final do primeiro tempo na semifinal da Copa.

Orientação de Gérson, marcado individualmente, para Clodoaldo. Uma troca de função que liberava Clodoaldo para as ações de armação ofensiva enquanto ele, Gérson, permaneceria mais posicional. Percepção e inteligência! E, além de todas as qualidades já exaltadas, um planejamento com preparação física da equipe em alto nível, excelência.

Liderança, carisma e emoção. Marcas de um mestre chamado Zagallo. Desde o famoso bordão “vocês vão ter que me engolir” passando pelo aviãozinho na comemoração de um gol ao brilho no olhar, por vezes lágrimas, que até hoje se evidenciam quando se fala em Seleção Brasileira.

Títulos? Muitos. Se minha pesquisa estiver correta foram 15, sendo Tetracampeão Mundial. Todos menores que o respeito, consideração, virtudes humanas e qualificação profissional conquistados.

Inconfidência. Em uma das conversas que tive com Zagallo afirmei, sinceramente: “Vim aqui além da visita amiga, buscar conselhos e aprender”. Zagallo me olhou sorrindo, com um ar gracioso e devolveu: “Tu já tem experiência e conhecimentos suficientes”.

Zagallo foi mais uma vez de grande sabedoria, sensível para me encorajar e, ao mesmo tempo, sendo humilde no trato humano.

Zagallo sabe que Mestre não ensina, inspira!

Muito obrigado, Seleção de 70.

Muito obrigado, Mestre Zagallo.”

Os tricampeões mundiais, 50 anos depois

Passado meio século que se completa hoje, chega a ser risível que a Seleção Brasileira tenha embarcado para a Copa do México sob absoluto descrédito. Ok, os jogos finais de preparação não foram bons, a confusão com a saída de João Saldanha era viva e, para piorar, os tempos no Brasil não tinham nada de tranquilo. Mas, ainda assim, vendo a quantidade de craques que o Brasil tinha à disposição na Copa, no mínimo era para se desconfiar da chance de sucesso.

A campanha maravilhosa de 1970, com seis vitórias em seis jogos, incluídos três campeões mundiais, não deixa dúvidas. E se o Brasil foi espetacular em 1958 e 1962, mesmo, em 1970 o auge do nosso futebol foi alcançado pela junção da excepcional condição técnica com a capacidade física: todos os seis adversários foram derrotados nos dois quesitos.

Nestes tempos de pandemia, as reprises dos jogos têm sido uma constante, o que ajuda a entender o fascínio dos mexicanos por aquele time, bem como de torcedores pelo mundo afora. E ajudam a desfazer falácias, por exemplo, a respeito de Félix, que cumpriu atuações espetaculares, e de Clodoaldo, com jogadas maravilhosas. O Brasil ganhou a Copa de ponta a ponta, sem um passo em falso sequer, e mesmo quando passou por momentos mais delicados como o primeiro gol do Uruguai nas semifinais, ou ainda o empate da Itália na final, a Seleção Brasileira jamais se abateu e manteve sua autoridade. A lição vinha de longe, doze anos antes, com Didi carregando a bola calmamente depois do gol da Suécia em 1958, para depois comandar o baile do nosso primeiro título mundial.

Cinquenta anos depois, as jogadas da Seleção no México continuam vivas demais na memória popular. Todas são reconhecidas pelos fãs de futebol, e muitas têm a assinatura de Pelé no auge de sua carreira. Deixando o goleiro tcheco Viktor desesperado com um quase gol do meio de campo, ou o uruguaio Mazurkievski a ver navios com o espetacular drible de corpo, Pelé foi tão monumental quanto nos passes para os gols de Jairzinho contra a Inglaterra e de Carlos Alberto Torres contra a Itália. Duas bombas poderosas criadas pela elegância do Rei do Futebol.

Louvar a campanha brasileira em 1970 é reconhecer que, no México, mostramos o melhor futebol de todos os tempos, com talento e resultados. Nunca mais superamos aquele momento, mesmo tendo conquistado mais Copas. Ninguém superou, aliás, mas o nosso encanto é também o sonho de, um dia, voltar a ver uma Seleção Brasileira tão poderosa e qualificada quanto aquela. Por longo tempo ainda tivemos muitos craques mas, por diversas razões, o estoque foi diminuindo, a essência do futebol brasileiro se perdeu e hoje, meio século depois, ainda nos encantamos com o futebol, mas ele não é nada perto do que já foi um dia. Não há como pensar num jogador brasileiro em 2020 que possa ser comparado aos campeões de 1970.

Eram tempos muito difíceis para o Brasil, mas o nosso futebol ajudou a aliviar as almas cansadas de milhões de brasileiros sofridos. Os campeões de 1970 ecoam em nossas mentes diariamente, seja pelos comentários de Gérson, pelas crônicas certeiras de Paulo Cezar Caju e Tostão – que outra seleção do mundo teve dois craques cronistas de alto nível? -, pelas aparições de Rivellino na TV. E, claro, por causa de Pelé. É dia de exaltá-los ainda mais, pelo que fizeram, pelo que representam e pela lucidez que nos resta. A Seleção de 1970 é nossa melhor referência e talvez só tenhamos paz no futebol quando, um dia, formos capazes de repeti-la ou, ao menos, de nos aproximarmos dela.

Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivellino. E Paulo Cezar. E Marco Antônio. E Roberto Miranda. E Joel Camargo, Leão, Baldocchi, Fontana, Zé Maria…

Há cinquenta anos, vivemos um sonho que não termina.

Foto: Orlando Abrunhosa.

Ainda sobre Marinho

Desde ontem, vi dezenas de manifestações de personalidades do esporte lamentando a passagem precoce do jogador, assim como a menção ao seu longo sofrimento por conta da morte do filho ainda bebê, um fato que certamente arruinou sua carreira e trajetória de vida. Muitos foram seus contemporâneos, colegas de time etc.

Vi essa história toda bem jovem. Acompanhei a carreira de Marinho e seus problemas. Bem antes do Bangu e Botafogo, ele já tinha desenvolvido os problemas com álcool que lhe acompanharam pelo resto da vida.

Não se trata de terceirizar culpas nem de eximir um homem adulto de suas responsabilidades, longe disso. Nem de não reconhecer que, em alguns momentos, alguém o tenha auxiliado. Contudo, é muito duro ver tanta gente só lamentando no fim, quando muitos ou, no mínimo, vários poderiam ter agido de modo a evitar ou adiar o pior.

Durante muitos anos Marinho viveu um verdadeiro calvário, chegando a morar num carro e nas dependências do próprio Bangu. Perdeu todo o seu patrimônio. Na fase final de sua vida, foi resgatado pelos filhos de seu primeiro casamento, que lhe deram o suporte necessário. Infelizmente a trajetória do craque é uma história que se repete, especialmente entre os de sua geração e as anteriores. Garrincha, Juvenal, Mendonça, Marinho e mais uma tonelada de nomes.

Para muitos, é mais fácil e cômodo atribuir ao próprio Marinho a culpa exclusiva pela vida desgraçada que levou. É a regra comum. Mas fica a sensação de que algo precisava ter sido feito, mas não foi. Novamente, não se trata de eximi-lo de responsabilidades, mas por que uma pessoa supostamente tão querida por tanta gente sofreu tanto? Foi por que “merecia”? Foi por que “não teve vergonha na cara”?

Não.

Foi também porque as mãos, que deveriam ter sido estendidas em sua direção para ajudá-lo a se levantar, muitas vezes só ofereceram migalhas, esmolas, quando isso era pouco ou nada. E não somente por dinheiro, mas apoio real. Marinho ontem viveu o último capítulo de uma longa agonia de três décadas. Todos sabiam que algo precisava ter sido feito. Quem fez de verdade? Mesmo?

É uma situação muito comum no meio do futebol, ainda hoje, mesmo que seja um esporte que movimente bilhões para certa elite, mas deixa a maioria a ver navios, lembrando até a política de um certo país. Aliás, não somente no futebol mas por toda parte, com a diferença de que no universo da bola sempre existe a esperança de se ganhar uma Mega Sena. E o futebol, lindo pela essência mas cruel pela mão dos homens, acaba tendo mais holofotes para repetir as mesmas histórias de dor.

Todo dia a gente ouve falar de alguém assim, anônimo ou famoso. Todo dia tem descaso e indiferença, como se o outro fosse nada. Depois, alguém de apreço se vai, as manchetes reaparecem pela última vez, muitos choram, o caixão desce à sepultura e fim. As lágrimas e os lamentos abafam certa indiferença e muita hipocrisia de alguns, quando não muitos.

Marinho foi um craque e, apesar de todo o sofrimento, um cara muito divertido. Infelizmente não fui seu amigo pessoal e, pobre como sou, não poderia fazer tudo que ele realmente precisava, mas uma coisa é certa: eu jamais deixaria um amigo meu morando dentro de um carro.

Retratos de uma Copa do México

Revendo Brasil e Peru, 1970.

Tudo era bonito ali. Os uniformes, as placas vintage dos anunciantes, a bola.

Do jogo nem se fala.

E o Peru tinha um timaço com Cubillas e Chumpitaz, mas o Brasil poderia ter feito sete ou oito sem susto, tamanha a quantidade de gols perdidos.

Não é difícil entender o encanto pela Seleção de 1970. Antes, havíamos ganho em 1958 e 1962 com dois super times espetaculares, mais os destaques de Pelé e Didi na Suécia, assim como Garrincha no Chile. No México, não: lá era o time, era uma conjunção.

Ninguém é louco de não reconhecer o lugar de Pelé no topo, mas o Brasil era coletividade o tempo todo. E a beleza daquele coletivo, associada aos enormes talentos individuais, resultou num time do sonhos que até hoje tentamos repetir, sem sucesso, mesmo tendo vencido mais outros dois Mundiais. Daquele jeito que foi a campanha de 1970, nunca mais.

Ironicamente Didi, o monstro dos monstros, ficou à beira do campo nos 4 a 2; afinal, era o treinador peruano. Espectador privilegiado, ele viu seus sucessores comerem a bola.

Eu era pequeno, mal tinha dois aninhos e só fui ver o álbum de figurinhas do meu pai em 1973 ou 74, mas toda aquela atmosfera me soa muito familiar.

Era o Brasil, era a vitória de ponta a ponta.

Que timaço!

@pauloandel

Maracanã, Maracanãs

O estádio imortal celebra 70 anos. Na pequena importância que me cabe, comecei em 1974, aderi de vez em 1978 e fui direto até 2010. Três anos de obras, então 2013 até a pré-pandemia. Trinta e oito de saldo para mim, sessenta e sete para o Maraca. Fiquei com mais da metade.

O meu Maracanã é o de garoto. É o que eu tenho perseguido desde então. O dos jogos com mais de cem mil pessoas nos anos 1970/80, também de jogos para duas mil, mil ou até seiscentas pessoas. O da geral, onde jogávamos golzinho com bola dente de leite – e o guarda pegava a bola pra gente quando ela caía no fosso, acreditem. O dos craques consagrados e das partidas corriqueiras. Foi a casa da minha juventude, entre bandeiras e pó de arroz, mas também batendo ponto em jogos dos outros times.

Houve um tempo em que eu via muitas partidas do America. Sempre encontrava na geral com um rapaz, cujo nome não me lembro. Sei que era mais velho, já tinha o bigodinho de adolescente a caminho do quartel. Ele vibrava quando eu chegava, nem sabia que eu não era americano. Sei que morava em Santo Cristo. Que fim levou?

Para mim, sempre foi um lugar onde encontrei paz, mesmo que nem sempre tudo estivesse calmo. Uma das minhas diversões era deitar no chão da geral, colocar o chinelo descansando a nuca e olhar para o céu, para o desenho circular da marquise, como se fosse um grande disco voador com nuvens. Muitos anos depois é que fui saber dos suicídios no estádio na final de 1950.

Tempos depois, uma de minhas grandes alegrias foi ser aprovado para estudar na UERJ. Juntei duas paixões vizinhas por muitos anos.

Mais do que em qualquer outro lugar, ali eu vi a catarse: o politicamente incorreto imediatamente cedia vez a abraços. Em que outro lugar do Brasil ricos e pobres, brancos e negros, elitistas e suburbanos se abraçaram tanto? Nenhum. Só lá.

Vi gente rindo, chorando muito, trabalhando, sofrendo, comemorando. Foi no Maracanã que busquei forças para superar a perda da minha família. E dele tirei bons capítulos para alguns livros.

Depois de 2013, tudo ficou diferente e para o meu gosto, impopular demais. O problema é que estou velho para largá-lo, então insisto. Às vezes me perco olhando formas e gentes que já não existem, mas o futebol tem seu tempo próprio e, portanto, um grande gol ou uma jogada fantástica podem ter trinta ou quarenta anos que parecem como algo da semana passada.

Se tivesse a chance de voltar no tempo, talvez eu mexesse em muitas coisas na minha vida, exceto a minha relação com o Maracanã. Com ele seria tudo do mesmo jeito, sem me importar com resultados. É que voltar a andar de mãos dadas com meu pai faz falta, ou vê-lo comprar ingressos para os molequinhos que choravam de alegria – e me dava vontade de chorar porque eu também era um molequinho, mas sabia que eles não tinham um pai para levá-los ao jogo, nem dinheiro, nem nada.

Tudo mudou, mas toda vez que eu passo pela Radial Oeste ou pelo Bellini, fico encantado com a grandeza daquele lugar que mais pareceu a minha casa do que qualquer outro. Ali chorei, sorri, tive família, convivi com amigos, vi obras de arte, fui sozinho também. O Maracanã me deu um dia orgulho de ser brasileiro.

Nos últimos tempos, fico espiando os senhores com radinhos de pilha. Penso em onde eles estavam quando eu era uma criança, e os sinais das estações de rádio ecoavam por toda a arquibancada. Uma experiência sensorial fascinante.

Meu Maracanã é o dos pobres, dos humildes, da banca de laranja vendida na rua, do trem cheio ou do 434 lotado dali até Copacabana. De Jorge Curi com sua narração de trovão, depois do Garotinho, genial, que já me atendeu tão bem em programas de TV. De baratinha Guri e cachorro quente Geneal. De chegar num domingo de clássico às três da tarde e ficar espremido até às sete.

O Maracanã era o meu país.

@pauloandel

França, a fera do São Paulo

Entre 1996 e 2002, França foi a referência do ataque são paulino. Pelo Tricolor do Morumbi, ele conquistou os Campeonatos Paulistas em 1998 e 2000, além de ser campeão dou Torneio Rio-São Paulo em 2001. Rápido, preciso e com finalizações perfeitas.

Quinto maior artilheiro da história do São Paulo, França marcou 182 gols em 327 jogos pelo clube. Somente Serginho Chulapa, Gino Orlando, Luis Fabiano e Teixeirinha o superam na lista dos maiores goleadores do SPFC.

Veja muitos gols de França no vídeo abaixo.

Brianezi 1981/1982

O que me lembro mesmo era em 1981. Havia uma loja de brinquedos na Rua Santa Clara, quase chegando na Avenida Copacabana. Chamava-se Dom Pixote. Pronto.

As caixinhas azuis traziam times incríveis, numerados – um sonho à época -, modernos. Os escudos eram bem grandes e visíveis. E vinha uma linda palheta multicolorida, bela, psicodélica.

Naquele tempo usávamos o Estrelão para jogar. E dadinho também. As bolinhas de feltro ficavam guardadas como troféus.

A onda se espalhou pelas ruas. Siqueira Campos, Figueiredo Magalhães, Barata Ribeiro. O coração de Copacabana ficou louco por vários garotos querendo os botões Brianezi, misturando-os com os galalites ou mesmo substituindo-os. Os garotos juntavam a mesada para comprar os times completos. Noutras vezes rachavam a caixinha: quem ficasse com o 9 e o 10 abria mão do goleiro. Palheta de um lado, bolinhas de feltro do outro.

Os campeonatos foram pipocando: debaixo da escada rolante do shopping da Siqueira Campos – ela, escada, não funcionava. Nos corredores dos blocos residenciais. Aos pés da lanchonete do pai do Marcelinho. O Bola tinha uma mesa grande, morava numa cobertura na esquina de Siqueira Campos com Barata Ribeiro. Paulinho organizava campeonatos na Ladeira dos Tabajaras. Luis Fernando, no Copaville.

Podia ser a foice e o martelo da URSS, a estrela de Davi no botão azul de Israel, o Saint Etienne da França. Eu preferia os times cariocas. A Brianezi era uma força da natureza para muitos garotos de 1981, com todo o amor de um mundo de botões e dadinhos. Futebol pra valer.

Quase quarenta anos depois, o sentimento ainda é o mesmo. As cores, a caixinha. Os garotos de Copacabana. Campeonatos, risos e abraços. Jogávamos nossas vidas e valia a pena. Era o botão, o jogo, a palheta de mil cores incandescentes. A caixinha.

@pauloandel

A respeito da famosa Bola de Ouro

Colaboração de Leonardo Baptista
batistaleonardo668@gmail.com

Então, aqui estamos em meio à pandemia e muito se discute a respeito da continuação dos campeonatos ao redor de todo o mundo, com a chance real de haver um cancelamento de toda a temporada e logo se começam as especulações sobre as premiações individuais.

Em especial a famosa Bola de Ouro e o prêmio de melhor jogador do mundo eleito pela FIFA, que erroneamente são colocados às vezes como um único prêmio quando não são: apesar de em teoria premiarem a mesma coisa, não são raras as vezes em que os prêmios são dados a pessoas diferentes na mesma temporada.

Logo o brasileiro, como gosta de comentar sobre nosso esporte favorito, já começa a especular: este ano será do Neymar? Este ano Neymar ganha?

Então pergunto: para quê?

Existe uma necessidade de conquistar um troféu que até 1995 era concedido apenas a europeus jogando na Europa, ou seja, mesmo que um europeu arrebentasse pelos campos mundo afora, não estaria elegível para o prêmio por não atuar no seu continente.

Esclarecendo: o prêmio em sua característica fundadora é europeu, para europeus e para a Europa; porém já ao ano de 1995 era fácil entender que o melhor futebol do mundo, apesar de ser praticado lá não era praticado por europeus, e a premiação a contragosto de muitos passou a ser mais ampla para jogadores ao redor de todo o mundo.

Porém, vamos aos fatos: todos os grandes times europeus nas maiores Ligas do mundo têm na sua história jogadores sul-americanos; muitos só são o que são por causa de jogadores que saíram do Novo Mundo e foram palestrar em campo por lá, seja a magia de Ronaldinho Gaúcho, que refez o Barcelona, ou seu maior jogador Lionel Messi, que é argentino. É certo que este foi criado nas bases da equipe europeia, mas ainda assim, é argentino. E quem conhece de futebol vê que essa característica não se desgruda dele em campo tanto quanto a bola em seu mágico pé esquerdo.

O mesmo Barcelona ganhou sua última Champions League tendo como principais jogadores um uruguaio, um argentino e um brasileiro, sua segunda Champions League veio com um gol na final feita por, adivinhem, um brasileiro.

O Real Madrid, que se gaba por ser o maior clube do mundo, tem seu domínio iniciado com ninguém menos que Alfredo Di’Stefano, argentino.

E para não dizer que esta opinião se baseia apenas em passado e que é puro saudosismo, olhem para a década que se encerra, e apontem um time sequer, campeão no dito “melhor futebol do mundo” sem ao menos um sul-americano.

São poucos.

O que quero dizer com esses fatos é que, se hoje o futebol europeu é o maior do mundo, é graças aos sul-americanos que por lá passaram e ainda passam, seja a garra argentina, a força uruguaia ou a magia brasileira. O que acontece é um reflexo de coisas que vão além do futebol e passam longe das quatro linhas, apesar de nelas refletir diretamente, o bom e velho eurocentrismo, um continente mais rico. Pega ao redor do mundo coisas que não têm e dizem ser deles, ou você nunca ouviu um “fulano joga como europeu”, não?

Jogamos como sul-americanos, africanos e afins, afinal o dito melhor futebol do mundo é, na verdade, apenas o mais rico. Claro, com todo o mérito, eles têm suas estruturas sociais muito mais avançadas e menos desiguais que o nosso sofrido continente, mas o motivo disso não é pauta por aqui (talvez pra outro papo).

Existe uma obsessão pela Bola de Ouro porque ela teoricamente nos coloca no mesmo patamar de europeus, mas, gente, somos melhores. São fatos e dados que podem ser vistos e revistos a qualquer momento: o que sofremos por querer nos igualar ou ser bons aos olhos dos europeus não passa de um “colonialismo futebolesco”.

Ah, mas Lionel Messi não é europeu e é o maior vencedor, sim. Mas porque foi criado ali, e apesar de manter suas características argentinas como já dito neste texto, mas afinal, se ele jogasse a mesma barbaridade sem ter sido formado lá dentro teria as seis Bolas de Ouro? Talvez. Pelo nível que o craque apresenta, mas com toda a certeza não seria tão unânime quanto foi por não inspirar (nessa hipótese) tanta empatia dos europeus, (qualquer semelhança disso com acontecimentos na esfera social fora do futebol não é mera coincidência).

Enfim, a Bola de Ouro é um reconhecimento importante mas não deveria ser pilar principal para sustentar nosso orgulho pelo futebol praticado aqui e lá fora por nossos compatriotas. Somos campeões de tudo, sendo protagonistas em todo lugar e isso sim vale de muita coisa.

A Bola de Ouro é um prêmio individual em um jogo de onze contra onze e, no onze contra onze, somos penta.

A máquina laranja

Colaboração de Leonardo Baptista
batistaleonardo668@gmail.com

Muito se discute sobre o futebol que, de vez em tempos, vem à tona encantando o mundo com passes certeiros, dribles e uma função tática reconfortante para os que assistem, capaz de calar até mesmo a mais acalorada discussão em mesa de bar sobre como se deve ou não jogar o esporte bretão. Porém, muito do que se fala pouco se imagina sobre como se sentiram os fãs e torcedores que tiveram contato pela primeira vez na história com um futebol como esse.

Estamos falando, é claro, da famosa laranja mecânica de 1974, que não começou naquele ano, tampouco terminou, mas que é referência ainda hoje em toda seleção que se destaca pelo toque de bola e futebol virtuoso; a seleção holandesa se destaca como revolucionária apenas quatro anos depois de um Brasil tricampeão mundial ocupar este “trono” de inventores de uma nova forma de jogar futebol. Ainda a Alemanha Ocidental supercampeã, que seria seu algoz na fatídica final da Copa de 1974, não seria tão bem lembrada pelo seu jeito de jogar: o carrossel holandês, como foi chamado, ao ficar com o vice do Mundial, mostrou que naquela edição em específico trazia algo que ia muito além das quatro linhas.

Não é necessário procurar muito para encontrar relatos de jogadores que enfrentaram aquela seleção totalmente horrorizados, pelo fato de não saberem o que fazer ou como agir diante de tal espetáculo dentro de campo, um futebol que vinha das bases holandesas multicampeãs em torneios de clubes, comandada por Rinus Michels e liderada (como se não pudesse faltar) por um craque bem ao estilo da época – Johan Cruijff -, que deixava os espectadores tão embasbacados quanto os jogadores que a enfrentavam, com toque de bola, marcação no campo adversário, zagueiros atacando, atacantes defendendo, três, quatro holandeses em cima de cada adversário que tentava ao mínimo ficar com a bola, sem entender como ou quem era o time que os atropelava com uma sutileza e a sensação de facilidade como se praticassem outro esporte.

Logo ao início da Copa um susto: o Uruguai, tradicional e poderoso em competições foi massacrado pela inovadora seleção, que nunca havia tido destaque no cenário mundial quando se fala em seleções. Naquele jogo as próprias palavras do meia uruguaio Pedro Rocha descreviam o sentimento dos adversários frente a
à seleção de Cruijff:

“Por duas vezes, em campo, quis chamar a minha mãe: a primeira, com 17 anos, na minha estreia no clássico Peñarol e Nacional, em pleno Centenário. Na segunda, com 32 anos, quando enfrentei a Holanda na Copa de 1974. Quando peguei a bola pela primeira vez, quatro jogadores vieram para cima de mim e me tiraram a bola. Não entendi nada, mas na segunda vez, a cena se repetiu, e foi assim o jogo todo. Ali, eu quis a minha mãe”.

E foi assim que o mundo viu, de fato, a “sombra laranja” que assolava a Europa sendo tricampeã consecutiva do campeonato continental (1971,1972,1973). Daquele momento em diante o futebol como era jogado pela seleção holandesa seria chamado de “futebol total”, e não seria por menos, pois nunca antes havia se visto forma tão bela de jogar futebol. Mesmo o lendário Brasil tricampeão do mundo, que tinha causado espanto similar, parecia apático diante daquela Holanda e, não por menos em um jogo belíssimo, o próprio Brasil de Rivellino e Jairzinho sucumbiu aos holandeses.

Coube à Alemanha Ocidental parar o carrossel holandês através de um futebol frio, tático, físico e objetivo. Mas a derrota na final não aconteceria sem a mágica dar seu último e maravilhoso suspiro naquela competição. Ao iniciar o jogo, a Holanda com seu toque de bola e movimentação em segundos chegou à área alemã, que não teve outra opção senão cometer um pênalti, cobrança feita e 1 a 0 para os holandeses. Nunca antes ou depois, na história da maior competição do maior esporte do mundo, uma final começou com uma seleção pegando pela primeira vez na bola ao fundo de sua rede. Foi assim que a Holanda deu sua cartada final, e os alemães enfim conseguiram a virada.

Muito se discute sobre como o “futebol total” impactou o mundo em sua época e depois dela. Essa filosofia se perpetuou pelos campos de futebol do mundo, principalmente da Espanha, onde Cruijff se sagrou campeão como treinador, e é dito como o precursor da filosofia de jogo que lá é praticada até hoje, sendo essa a filosofia da seleção espanhola campeã do mundo em 2010 e, pasmem, até a seleção alemã campeã em 2014 teve como referência em seu trabalho o “futebol total”, de quem fora algoz quarenta anos antes.

É complicado afirmar, de fato, qual a maior seleção dentre as que não ganharam a copa, se o Brasil de 1982 e 1986, a Hungria de 1954 e muitas outras, mas é fato dizer que em 1974 especificamente, o ouro da taça não reluziu mais do que o laranja do carrossel holândes. Em 1974 nem tudo que reluzia naquela Copa era ouro, mas laranja.

Craques da praia

Quatro caras jogando bola na praia eram do barulho. William, Barroco, Xuru e Lubi. Todos monstruosos. Ofensivos, talentosos.

Três deles foram escoteiros no 44, na Paróquia Santa Cruz de Copacabana. Dois deles estudaram juntos no Cícero Penna. Dois deles jogaram juntos no Dínamo, time seminal da praia com o eterno presidente de honra, treinador e manager Tião Macalé. Todos eram fominhas de bola, entrando a noite nas peladas quando ainda não havia iluminação na praia.

Houve um tempo em que William e Barroco eram sempre vistos em alguma trave entre a República do Peru e a Santa Clara. Sempre titulares, jogavam onde queriam. Atuaram por muitas equipes. Cavaleiros negros da bola. Já o Xuru era louro de olho claro, filho de português, tinha cara de turista e ainda colocava aqueles bermudões coloridos. Fazia o que queria com a bola, só não era tão rápido. O Lubi era moreno de cabelo preto liso. Parecia impossível que não se tornasse profissional de futebol, tamanha era sua qualidade – e ainda destruía no futebol de salão, na quadra do Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira. Aliás, qualquer um deles poderia ter sido jogador profissional, justamente no começo dos anos 1980, quando a derrota do Brasil para a Itália criou a maior mentira do mundo – que não se podia jogar bonito, mas apenas com força.

Durante anos desfilaram seus talentos pela areia, sempre requisitados. Durante o dia, podiam ser vistos em restaurantes nobres como o Bonino’s, lanchonetes da moda como o McDonald’s da Hilário de Gouveia, cinemas como o Roxy, danceterias como a Help (sobre as ondas).

O Barroco chegou a jogar salão pelo Flamengo. William ficou muito tempo jogando na praia. O Xuru não levou a sério – um desperdício – e resolveu fazer faculdade na UFRJ. O Lubi sumiu.

Não havia smartphones, cams, mal tinha telefone e a máquina fotográfica era cara, uma pena: mereciam registros para a posteridade.

O melhor time do bairro

Colaboração de Alberto Lazzaroni

Senhores, isso tudo aconteceu no século passado. Eram os idos dos anos 1970. O ano ao certo eu não sei. Mas, querem saber? Isso é o que menos importa. Só sei que, no melhor estilo Gil Gomes “Meninos, eu vi!”

Era o clássico do bairro. Não tinha mais aonde colocar gente no estádio da A.A. XV de Novembro da Vila Carmari. Mavile x Flamengão. Muita rivalidade em campo. O alviverde contra o rubro-negro. E o melhor: o vencedor levaria o trofeu de melhor time do bairro.

Eu estava muito feliz pois meu pai havia me levado para ver o jogo e só de estar ali com ele, era mesmo motivo para muita alegria. Torcíamos pelo Mavile que era realmente um timaço. O craque era ninguém menos que meu primo, o Verinho. Que jogadoraço! Ditava o ritmo no meio de campo. Além dele, havia também na meiúca o cerebral Beto Minhoca e o artilheiro Índio, além dos sempre eficientes Luizinho e Nelson Bacalhau. Estávamos confiantes na vitória.

O jogo começa brigado e o Flamengão, como esperado, vinha com o claro intuito de segurar o ímpeto do alviverde. E, num lance fortuito, abre o placar. Pronto. Não fez mais nada a não ser pressionar a arbitragem para que o jogo acabasse logo. Não deu certo. O Mavile apertava e num bate e rebate, o artilheiro Índio empata entrando literalmente com bola e tudo. Mal o Flamengão dá a saída, o Mavile retoma a bola e entrando pela direita em diagonal, como um raio, Ju vira o jogo.

Explosão da torcida. Vibração total. Não havia tempo para mais nada e o juiz apita o fim do jogo. Tumulto generalizado. Empurra empurra com a equipe do Flamengão, que tanta cera havia feito, querendo agora que a partida continuasse. Nada feito. O juiz irredutível disse que o jogo havia acabado e os atletas do Mavile correram para a mesa à beira do campo para pegar o trofeu. Mas, que trofeu? Ele não estava mais lá.

– Como pode? – todos se perguntavam.

Nisso, veio um grito. Tá aqui, dentro da sede. Venham!

E foi aquele corre-corre para pegar o troféu. Chegando lá, um funcionário do clube, sede do evento, não queria liberá-lo. Disse que haveria uma nova partida. Foi devidamente “convencido” a fazê-lo.

Os jogadores do Mavile então saem pela rua desfilando com orgulho ostentando o trofeu conquistado. Mas não havia acabado. Numa última e desesperada tentativa, vem de lá um diretor do Flamengão e segura o trofeu, puxando-o para si. Puxa daqui, puxa dali, finalmente o diretor solta o desejado objeto e os atletas alviverdes comemoram como se fosse mais um gol.

No entanto, algo inusitado havia acontecido. O trofeu era formado pela escultura de um jogador chutando uma bola. Na disputa por ele, o braço do jogador do trofeu foi arrancado. Silêncio inicial e perplexidade. Nada muito duradouro. Alguém grita: vai sem braço mesmo!

Carnaval fora de época. Lá se foram eles, sambando e cantando em direção à praça São Jorge, mais especificamente ao local de comemoração de todas as vitórias: a padaria do Seu Tomás. Agora, era só esperar a chegada da bateria do Bloco do Caixote e comemorar até o dia clarear. E o amanhã? Responda quem puder.

‘Rebeldes da bola’ fizeram história

Artigo de João Máximo na Folha de São Paulo, 03/04/1994

O futebol sempre teve seus rebeldes. O último deles, Romário, às vésperas da Copa do Mundo dos EUA, tem a língua solta: chamou Pelé de “débil mental”. Não é o único. As impropriedades de Edmundo, Neto, Serginho Chulapa, Caju, entre outros, fervilham na memória do torcedor.

Mas outros tempos também tiveram seus rebeldes: Fausto dos Santos, Heleno de Freitas, Almir, Afonsinho. Uma galeria de grandes craques à qual poderia ser somado um rebelde genial: Thomaz Soares da Silva, o Zizinho.

Os cinco eram diferentes em tudo. Na verdade, só a rebeldia os uniu. Fausto dos Santos (1905-1939), um negro elegante e inteligente que decidiu enfrentar de peito aberto a perseguição dos dirigentes do Flamengo, que o queriam dócil e obediente. Foi derrotado. No futebol e na vida.
Morreu tuberculoso, num sanatório de Palmira, hoje Santos Dumont (MG), meses depois de jogar com 40 graus de febre sua última partida com a camisa rubro-negra. Era chamado de “Maravilha Negra” e, segundo quem viu, era o mais iluminado daqueles tempos.

Heleno de Freitas (1920-1959) foi dos casos mais patéticos de toda a história do futebol brasileiro. De uma família de classe média, advogado, culto, bonito, contraiu sífilis numa de suas muitas noitadas pelo Rio boêmio dos anos 40. Envergonhado, escondeu a doença de todos, inclusive dos médicos. Pouco a pouco, a sífilis converteu-se numa paralisia progressiva. Os que o chamavam de “temperamental” – tentando assim explicar suas explosões (chegou a empunhar um revólver para interpelar Flávio Costa, que o barrara no Vasco) – não suspeitavam que o maior centroavante de sua época simplesmente enlouquecia. Viciou-se: uísque, depois cocaína, no fim éter. E morreu esquecido num sanatório de Barbacena (MG).

Almir Moraes Albuquerque (1937-1973) foi um rebelde de pavio curto, violento, sempre de dentes trincados contra adversários e desafetos. Teve fim trágico: morreu a tiros numa briga de bar na mal-afamada Galeria Alaska, em Copacabana. Em campo, entre gols e dribles espetaculares, escreveu sua história com brigas memoráveis e pelo menos uma perna quebrada: a de Hélio, do América.

Afonsinho, hoje com 47 anos, era uma espécie de estranho no ninho do futebol da década de 70. Jovem, grande cartaz com as garotas, estudante de medicina, não se conformava com a escravidão a que os jogadores se submetiam em nome da chamada Lei do Passe. Entrou para a história como o primeiro a libertar-se, depois de uma luta nos tribunais contra o Botafogo. Hoje, pediatra, é mais lembrado por isso do que pelo bom futebol que jogava.

Resta Zizinho, 72, mais lembrado por suas proezas de craque do que como rebelde. Mas era, realmente, um indomável. Também quebrou perna e teve a sua quebrada, também brigou em campo e também enfrentou treinadores e dirigentes que tentavam, no grito, enquadrá-lo. Era melhor que todos eles. Chegou a ser vetado “definitivamente” da seleção, mas acabou voltando a ela por força de seu futebol. Rebelde, mas genial.

O meu Fla-Flu particular

Colaboração de Alberto Lazzaroni

Nasci numa família grande. Ou seria numa grande família? Bom, o que importa mesmo é que tanto do lado paterno quanto do lado materno tive muitos tios, tias e, consequentemente, primos e primas. Os encontros de família eram memoráveis. Muita alegria, música e comida boa. Nossa, e que comida boa…

Um dos meus tios, irmão mais novo da minha mãe, era também meu padrinho. E ele realmente foi um segundo pai pra mim. Ele e meu pai eram tão unidos que muitos pensavam que eram irmãos e não cunhados. Quando eu tinha uns cinco anos de idade, minha mãe adoeceu de tuberculose e teve que ser internada numa clínica em Correias, na Região Serrana. Nesse momento, com meu pai trabalhando direto e sem ter quem pudesse tomar conta de mim e dos meus irmãos em nossa própria casa, fomos eu e meu irmão para a casa desse tio. Ele morava num distrito que hoje é um município: Queimados. Tenho excelentes lembranças desse período em que, a despeito da ausência da minha mãe e das visitas esporádicas do meu pai, fui muito bem tratado.

Mas havia um detalhe: esse tio era flamenguista. Não, vocês não fazem ideia do que eu estou dizendo. Na verdade, para bem fielmente retratá-lo posso dizer que ele era “O” flamenguista. Ele era muito apaixonado pelo Flamengo e discutia na rua, na loja, em qualquer lugar que fosse para defender o seu time. Chegava a ser engraçado. E aí veio o inevitável: tentou me convencer a ser torcedor do seu time também. Eu já era tricolor mas uma criança de 5 anos ainda é muito suscetível a essas mudanças, ainda mais sendo estimulada para tal.

O tempo passou, minha mãe se recuperou e voltamos para nossa casa. A vida seguia o seu curso e eu firme e forte com o Fluminense, seguindo os passos de meu pai e de meu irmão mais velho, nessa época já vivendo os dias da grande Máquina Tricolor. O Flamengo de Zico no entanto se aproximava. Havia ali uma oportunidade. Meu tio a percebeu e num belo dia ele aparece lá em casa com uma camisa, tipo T-shirt. Lembro bem dela: era branca e de longe se percebia uns pontos em vermelho e preto. Quando pegávamos a camisa e olhávamos de perto, com atenção, a coisa ficava clara: não eram pontos e sim a palavra “Mengo” escrita de forma minúscula sobre toda a camisa. Estranhei mas fiquei com ela. Instintivamente não a mostrei para meu pai para não ter confusão.

Num belo dia, vesti a tal camisa e fui pra rua jogar a minha pelada diária. A turma toda já estava no campinho mas eu dei falta de um amigo. Perguntei por ele e os outros responderam que hoje ele não viria para a pelada pois o pai começaria a criar porcos e ele estava lá ajudando a construir o chiqueiro. Explicações dadas, rola a bola. Lá pelas tantas, esse amigo surge na rua puxando um carrinho de mão cheio de serragem. É, a serragem seria usada para forrar o chiqueiro. Aí, aconteceu o que a molecada gosta de fazer: a zoação foi geral. Digo zoação pois naquela época não havia surgido ainda a expressão “bullying”. Todos rindo daquela situação. O amigo, logicamente, não gostou. Já estava privado do futebol e a galera ainda zoa? Não prestou. Se abaixou e pegou um punhado de pó de pedra e veio pra cima da gente. Só que, ao chegar mais perto, tacou tudo em cima de mim. Não gostei e achei desproporcional. Peguei ele com carrinho e tudo e joguei dentro do valão que havia em nossa rua.

Ele saiu chorando pra casa e em seguida retorna com o pai, sendo que este segurava uma madeira. O vizinho então começou a me ameaçar com a madeira ordenando que eu retirasse o carrinho do valão. Como não o obedeci, ele começou a me bater de leve com a madeira. Só que já haviam avisado à minha mãe. Nem preciso relatar os detalhes. A confusão já estava formada e no melhor estilo leoa defendendo o filhote, minha mãe surgiu se interpondo entre eu e o vizinho. Acabei sendo puxado para casa pela minha mãe que, aos berros, me recriminava e, ao mesmo tempo, desfilava todos os impropérios para o vizinho. Instintivamente, olhei para o meu corpo e me dei conta que estava com aquela camisa. Pensei: ela me trouxe azar. Arranquei-a do corpo e a joguei também no valão. Estava definitivamente encerrado qualquer flerte com o oponente.

Nunca comentei isso com o meu tio. Provavelmente minha mãe o fez. A verdade é que daquele dia em diante ele nunca mais quis me fazer mudar de time. E aconteceu algo interessante em nossa relação: quando conversávamos sobre futebol, ele jamais falava mal do Fluminense e nem eu do Flamengo. Podíamos até fazê-lo longe um do outro. Um para o outro, jamais.

Esse amado nos deixou em 2007. Depois de lutar bravamente, sucumbiu a um câncer. Até hoje sinto o cheiro da loção pós-barba que ele usava. Um vazio impreenchível existe dentro de mim. Mas, acima de tudo, ficou o exemplo maior de uma pessoa que foi todo amor para comigo e com todos os que conviveu. Um cara verdadeiro, incapaz de fazer média com quem quer que fosse. Esse era o Sr. Jairo. O cara com quem travei o meu Fla x Flu particular, no qual não houve vencedor e sim vencedores. Descanse em paz, tio.

Sabe o que é futebol?

Gosto é gosto, é de cada um, mas queria dizer algumas coisas de quem vem dentro disso há mais de 40 anos.

Se não sabe o que é futebol, recomenda-se silêncio para não falar besteira.

Parando pra pensar: nesse momento em que há uma tragédia mundial, não bastasse todo o mar de problemas e tristezas, o futebol está fazendo muita falta.

O Brasil não é uma república federativa com 100 milhões de TVs Smart. Não. Aqui no Rio mesmo tem pedaços da cidade que sequer têm luz. E gente humilde demais que tem como única distração o jogo de futebol no radinho de pilha, ou a resenha.

Pelada de rua, golzinho, de fora, tudo está proibido. Muitos garotos pobres, longe demais de pais com ótimos salários, às vezes só sabem o que é brincar quando há uma bola, mesmo que esteja esgarçada, com a câmara de ar em carne viva.

Já ouviu falar na geral do Maracanã? Ela foi assassinada há quinze anos, mas por outros cinquenta e cinco era o único lugar desta cidade maravilhosa onde brancos e negros se abraçavam de verdade toda quarta-feira e domingo – e quando tinham que sair na porrada, era de igual pra igual.

Durante muito tempo, num país comprovadamente escravagista (“E daí?”, né), a negritude tinha duas chances de ser respeitada como devido: na música popular ou no gramado de futebol. O racismo esteve e está em todos os lugares, mas o futebol ajudou de vários modos a lutar contra ele.

Quer saber de futebol? Pergunte para alguém que já ama o jogo há muito tempo sobre como tudo começou. Vai dar um livro inteiro.

Se é domingo na arquibancada, sábado no campo da praia ou feriado na grama ao lado do churrasco, não importa. Pode ser na mesa de botão, no game do computador e até no velho Telejogo, o futebol está lá ganhando os corações. E o Pelebol? E os craques no fundo das tampinhas de garrafa?

Os cinquentões de hoje foram crianças vendo e ouvindo Rivellino, Ademir da Guia, Dicá, Edu. Seus pais vibraram com Castilho, Barbosa, Evaristo de Macedo. Os avós sonharam com Domingos da Guia, Fausto, Heleno, Batatais, Lelé. As crianças de agora podem saber de todos eles.

Sabe quem foi Roberto Gomes Pedrosa? Já ouviu falar de Preguinho? E Belford Duarte?

E o Fla-Flu da Lagoa em 1941, hein? E a Taça Salutaris de 1927?

Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. País, Uchoa, Alex, Geraldo e Álvaro. Wendell, Miranda, Tadeu, Edinho e Rubens. Lico, Nunes e Tita. Jorginho, César e Baroninho. Todo de preto, o Borrachinha. De camisa branca, Leão.

Não despreze quem ama futebol. Tem muito mais coisas em jogo do que somente uma partida. Tem crônica, cinema, teatro, romance. Tem beleza até nos finais infelizes – pergunte aos maníacos que andam vendo reprises de derrotas de seus times há 30 anos!

Um garotinho com um cachorro quente na mão, um copo de Coca-Cola na outra, o popô no velho concreto quente e com seus pequeninos olhos espiando Edinho, todo de branco, arrancando da defesa para o ataque até fazer um golaço, comemorar feito um louco e, no final do jogo, lamentar a péssima vitória do Fluminense por 4 a 0 – poderia ter sido melhor. Ao lado, o pai sorri.

“Quando termina a partida, o torcedor, que não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos, que surra a gente deu neles, ou chora sua derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão. E então o sol vai embora, e o torcedor se vai. Caem as sombras sobre o estádio que se esvazia. Nos degraus de cimento ardem, aqui e ali, algumas fogueiras de fogo fugaz, enquanto vão se apagando as luzes e as vozes. O estádio fica sozinho e o torcedor também volta à sua solidão, um eu que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico feito uma quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval”. – Eduardo Galeano.

@pauloandel

Paulo Cezar Caju: um ídolo, uma lição de humanidade e um fã

Colaboração de Alberto Lazzaroni

A vida nos reserva muitas surpresas. O ano era 2016 e já começou cercado de muita expectativa. A esposa estava grávida, após inúmeras tentativas, e o tão sonhado filho estava a caminho. Tudo girava em torno desse acontecimento e estávamos muito felizes. De repente, a saúde da sogra que já vinha abalada se complica e ela é internada. Preocupação total. Mal tivemos tempo de respirar e vem outra notícia: um primo, quase um irmão, cai da laje da sua casa e também é internado com suspeitas de ficar paraplégico. Comoção total.

O tempo passou. O filhote nasceu e hoje é um meninão muito esperto e inteligente. A sogra, infelizmente nos deixou no ano passado, por conta de complicações da saúde. Hoje, o que nos resta é a saudade. E o primo? Bom, o primo José deixou o hospital mas infelizmente o diagnóstico de paraplegia se confirmou. Se aposentou por invalidez e hoje passa o tempo em sua cama, tentando encontrar motivos que o façam resgatar a alegria de viver.

Ontem, como sempre faço, falei com ele e, companheiros que éramos nas peladas de rua, a pauta quase sempre é futebol. No meio da nossa conversa recebo uma mensagem do eterno craque Paulo Cézar Lima, o PC Caju. Fiz a conexão na hora. Por que não pedir ao PC para enviar uma mensagem de conforto ao primo? Ele é botafoguense, tem o PC como um dos seus ídolos e certamente ficará feliz em receber esse carinho da parte dele. No melhor estilo “calçar a cara”, pedi o favor ao PC.

Assim o fiz mas devo confessar que não alimentei muita esperança não. E explico: PC é um ícone do futebol mundial, deve haver umas trocentas pessoas querendo falar com ele, entrevistá-lo, escreve as suas colunas, enfim, uma agenda lotada. Mas ele fez um áudio. E me enviou em menos de um minuto após o pedido. Transcrevo:

“Bom dia, salve José! Saudações botafoguenses. Muita força, muita perseverança, muita fé em Deus. Muita fé em você também que é mais importante nessa hora mas é Deus, lógico, que está ao nosso lado, todos os dias, todas as horas. Mas somos nós que temos que correr atrás e lutar, né? Que tudo corra bem, que você se recupere e vamos ver se após essa quarentena possamos tomar um café juntos aí, falou? Um grande abraço, muita saúde, tudo de bom. Um abração do tricampeão mundial Paulo Cézar Lima.”

Não preciso nem dizer o quanto esse áudio me emocionou e, de prontidão, agradeci demais a ele. Encaminhei o áudio para o José e foi algo assim muito poderoso. Ele me respondeu emocionado num primeiro áudio dizendo que não estava acreditando naquilo. O seu ídolo mandando um áudio específico para ele. Eu falei que era para acreditar e que enviasse um também que eu encaminharia para o PC. Moral da história: o PC acabou me pedindo o telefone do José, ligou para ele e, por instantes, não havia mais doença, não havia cama, não havia dor. A voz triste deu lugar à alegria. Só havia a magia do futebol a unir o ídolo e o fã, numa conversa onde ambos voltaram no tempo. O tempo em que um encantava a todos nos gramados mundo afora e o outro o imitava nas peladas de rua de seu bairro.

O que temos aqui meus amigos é a prova cabal do poder do futebol e da paixão que ele arrebata. Aquele momento em que um ídolo faz mais pelo torcedor que um psicólogo. O momento em que ele também é um remédio. Não sei se os atuais “craques” teriam tempo e vontade para fazer isso. São muitos assessores, muito estafe, muito marketing. Mas o que importa é que Paulo Cézar Lima, o grande PC Caju, o fez. E isso não tem preço. Como te disse PC: que Papai do Céu te dê em dobro! Você é gente!

Futebol no Aterro

Era uma aventura rápida. Sair de Copacabana num ônibus qualquer, saltar no Aterro do Flamengo e procurar duas boas árvores para servirem de traves. O gramado, um tapete de sonhos como se fosse jogar no Maracanã. Basta uma bola e o dinheiro da passagem.

Podia ser com um amigo, um conhecido ou outro menino que estivesse pela redondeza disposto a jogar, nem que fosse um chute a gol revezando os dois batedores. A vantagem do Aterro é que, por ser imenso, ninguém deixa de se divertir com o jogo de futebol, desde os pequerruchos que chutam bolas de plástico do mesmo tamanho deles até os marmanjos, que fazem dos campos de areia uma verdadeira La Bombonera, o mítico campo do Boca Juniors em Buenos Aires.

Golzinho com par de chinelos ou latas ou um objeto qualquer. Dupla de praia em plena grama. Dois trios chutando contra um só goleiro. Dentro ou fora. Pela manhã ou à tarde todos sonham em ser Edinho, Falcão, Cláudio Adão, Careca. Dribles de Adílio, arranques de Júlio César Uri Geller. Quem está no gol pode ser Leão, Carlos, Paulo Sérgio ou Waldir Peres. E se pode sonhar com um mar de gente ao lado, muitas bandeiras, fumaça, fitas de papel higiênico fazendo serpentinas na arquibancada, muito pó de arroz e um lindo placar eletrônico no cheio de lâmpadas onde se lê “SUDERJ informa”.

Os garotos, que nunca mais vão se ver depois da pelada, viveram juntos algumas horas da existência por motivo de futebol. Foram camaradas ou inimigos sem rancor. Correram, suaram, sonharam com a magia que poderá inebriá-los para o resto de suas vidas.

Terminada a peleja, um deles se senta na grama sozinho, pega o único trocado que lhe sobra, chama o sorveteiro e compra um picolé de limão. Refresca-se depois da correria e espia todo o lugar, abraçando com carinho sua bola de futebol emborrachada e humilde. É um Maracanã depois de um jogo do pensamento. Pergunta as horas para um corredor grandão, são quinze para as quatro e ele decide voltar para sua casa: a televisão vai transmitir Grêmio e Flamengo, decisão do Campeonato Brasileiro de 1982. Todos querem ver e torcer para alguém!

Minutos depois, sentado no banco de trás de um ônibus 433 absolutamente vazio, ele olha para a Enseada de Botafogo, vê outros garotos jogando futebol de praia, sonha com um bom almoço depois do banho, fica empolgado em passar pelos túneis que lhe servem de caminho para casa e depois do segundo, já perto, pensa se gostará do futebol daquele mesmo jeito aos trinta ou quarenta anos de idade.

A pessoa é para o que nasce.

A linha do céu de Moça Bonita

Fim de tarde, fim de jogo, os admiráveis maníacos já deixaram o estádio do Bangu, o Fluminense jogou outra vez. É uma sede interminável. O jogo, o jogo, o próximo jogo, o próximo campeonato, a próxima temporada. Assim tem sido para mim e para muitos torcedores que acompanham seus times de futebol pelo mundo afora.

A diferença do Fluminense para todos os outros está no meu coração de criança. Foi dele que tudo veio, que me trouxe até aqui e que me levará para o futuro imprevisível. Meu time é meu grande companheiro da trajetória de vida. Bons e maus passaram, amores também, as pessoas amadas disseram adeus e ficaram guardadas para sempre no coração. O Fluminense não: como nos versos geniais de Caetano, ele é tensão flutuante do Rio. E por quase todo o ano, a cada três dias ele mobiliza sua gente a persegui-lo como pode: de trem, ônibus, bicicleta, pela TV do bar da esquina, pelo fone de ouvido, pelo radinho de pilha da portaria ou da barraquinha de camelô.

A linha do céu de Moça Bonita desenha um fim de dia, mas na verdade é o recomeço do eterno presente em que vivemos. O Fluminense é pensado, sonhado, desejado. Tal como a pessoa amada, ele instiga e pouco importa se está ou não em seus dias de glória, porque torcer não implica em lógica nem casuísmo, não é escolher quando se busca, mas um sonho que só termina com a morte e talvez nem isso.

O Fluminense está na linha do horizonte, com suas cores diferenciadas pela beleza da luz que abraça a Terra esférica. Ele também está no ponto de ônibus abraçando um coração sereno de volta para casa, nos carros que passam e no mistério da noite que se avizinha. A procura incessante que Bob Dylan faz desde que saiu de casa há muitas décadas e, com seu ônibus, atravessa os Estados Unidos com sua “Neverending Tour”, a turnê que nunca termina, pouco importando se os ginásios vão estar apinhados de gente ou com os gatos pingados facilmente identificáveis, porque estão sempre lá e rangem os dentes em qualquer lugar onde as três cores são nome. Perto dos 80 anos, o trovador estadunidense, o maior artista vivo de seu país, rima com o Fluminense.

Lá vai o velho escudo correndo pelo asfalto procurando a beleza das luzinhas no fim da estrada que não chega, abraçado pelo azul do céu que morre e renasce a cada dia, às vezes coberto de gris, noutras límpido e certeiro. Eu também estou lá, mesmo quando não preciso ou sequer consigo fazer a procissão do futebol ao vivo. O meu Fluminense está em todos os lugares, ganhando ou perdendo. Ele está muito acima de covardias, da vaidade dos homens maus, dos deslumbrados ovos que dele se locupletam por algum motivo – todos vão passar, só o Fluminense não passará jamais, como bem disse o maior de todos os escritores tricolor. O que está em jogo é muito acima de tudo: voar em busca do meu time e, a cada três dias, navegar por lindas noites e tarde para encontrá-lo como se fosse o beijo desejado, que não se encerra em si – ele insiste, avança, avança, sempre em busca do infinito.

Em frente à linha do céu de Moça Bonita eu penso no Fluminense. Quando me sinto miserável e abandonado, penso no Fluminense e ele me oferece acalanto. Quando saio depois de uma derrota, me irrito por trinta segundos e então penso em onde será a próxima partida do Fluminense. Meu coração não se apequena, pelo contrário: aí é que ele se agiganta em uma busca que nunca terá fim. Olho para trás, vejo mais de quarenta anos passados, sonho com mais trinta à frente, ou vinte que sejam bons, ou o que vier porque não tenho o controle disso, mas aquela velha emoção de criança ainda queima com toda fúria: é a próxima partida, é o Fluminense, onde estará o Fluminense, oxigênio do meu pensamento, água para a sede que não cessa, a força que nunca seca, a linha do horizonte que me chama e faz sentir minha mão dada à de meu pai, como se aquela linda imagem algo dissesse “Vamos! Hoje é dia de jogo, vamos perseguir o nosso time”. Eis o que nos cabe.

@pauloandel

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Sobre a foto espetacular de Vinicius Viana, também em homenagem ao aniversário de Leonardo Moretti e a todos os tricolores que perseguem o Fluminense por amor, cada um a seu modo, desde muito até o sempre.

Título inspirado em “A linha do céu de Barueri”, publicado em “Do inferno ao céu – a história de um time de guerreiros”, Editora 7Letras, página 127, 2010, e consequentemente em “Nashville Skyline”, Bob Dylan, Columbia Records, 04/04/1969.

Aquele Gordon Banks

Brasil e Inglaterra na TV há pouco. Meio século depois, o jogão da Copa do México ainda é muito falado, com razão.

Dez entre dez comentaristas cravam como grande lance a defesa de Gordon Banks, com razão.

O Brasil levou uma bola no travessão. É do jogo.

Agora, o nosso gol é um clássico eterno do melhor futebol do mundo: Tostão deixa três ingleses de bobeira e cruza lindamente; Pelé deixa outros dois com um toquinho colossal, enjoado; finalmente Jairzinho ajeita e solta a bomba.

Estava rediviva a mística de 1958 e 1962.

Os uniformes eram lindos de morrer, achado maravilhoso de Ibrahim Sued. Até as placas da Esso na linha de fundo eram charmosas. Os caracteres no placar na tela da televisão. Tudo.

As imagens da Copa de 1970 estão muito vivas para quem gosta de futebol. Compreende-se: foi a primeira que vivos com os próprios olhos dentro de casa. O time era o maior de todos os tempos. Todos os craques voltariam para o Brasil e viveriam aqui, muitos ainda jogando várias temporadas.

Jairzinho, Gerson, Tostão, Pelé e Rivellino. Podia ser o quinteto de Miles Davis em “Kind of blue”. O MPB4 cantando “Roda Viva” com Chico Buarque. Uma mesa em Paris com Hemingway e seus pares. Mas é o nosso melhor futebol, com as nossas lindas cores, fazendo os olhos de milhões de torcedores brilharem, dando uma réstia de alegria para um país com portões fechados.

Três anos depois do tri, os garotos de quatro ou cinco anos ficavam embasbacados com as figurinhas dos heróis da bola. Só de ouvir falar nos tricampeões do mundo, muitos se apaixonaram pelo futebol para sempre. Taí a coluna que não deixa mentir.

@pauloandel

Ainda sobre 1982

Na era do caos pelo Covid19, as reprises são abundantes nos canais esportivos. Na semana passada, com a campanha do Brasil na Copa de 1982, vieram à tona enormes discussões sobre o que seria a verdade do time de Telê Santana no Mundial da Espanha. Para muitos, um engodo. Para outros, abaixo do esperado. Para alguns, tudo muito discutível, mesmo que seja um dos times mais respeitados da história das Copas do Mundo, ao lado de outras admiráveis não campeãs como a Hungria de 1954 e a Holanda 1974/78.

Importante pontuar que as retransmissões foram feitas sem as análises e narrações originais, que dariam muito do clima da época, mas há muito além disso.

Primeiro: aquela foi a última vez em que a Seleção Brasileira era realmente popular. Praticamente todos os seus jogadores atuavam no Brasil. Os campeonatos regionais e o brasileiro reuniam com facilidade públicos de 50, 80 ou 100 mil pessoas. Era um time identificado com seu povo.

Segundo: Telê Santana vai para a Seleção Brasileira depois que o Palmeiras, time que treinava à época, massacrou o poderoso Flamengo nas quartas de final de 1979 em pleno Maracanã numa atuação arrebatadora. Ele se torna o treinador exclusivo e a Seleção é chamada de “permanente”, passando a se apresentar e jogar mensalmente. Em pouco tempo Telê resgata a paixão pelo futebol depois do fiasco da Copa América de 1979. Entre 1980 e 1982 a Seleção faz grandes partidas, dá exibições e chega à Espanha como a favorita ao título. Naquele período, o Brasil sofreu apenas duas derrotas: uma para a URSS, no começo do trabalho, e outra para o Uruguai, na final do Mundialito de 1981, torneio realizado naquele país em comemoração do cinquentenário da primeira Copa do Mundo (com um ano de atraso).

Terceiro: a credibilidade da Seleção tinha fundamento. Em 1981, o Brasil fez uma excursão à Europa e bateu três potências: Inglaterra (1 a 0), Alemanha (2 a 1) e França (3 a 1). Aliás, na primeira Era Telê o Brasil venceu a Alemanha, que seria vice-campeã mundial, por três vezes, uma delas por 4 a 1. O time era cantado e decantado por toda a imprensa esportiva mundial, sem exceções. E a base do time vinha de timaços como São Paulo, Atlético e Flamengo.

Tudo isso gerou uma enorme expectativa que na Espanha não se confirmou. Há muitos motivos mas, descontando-se a estreia contra a URSS, sempre complicada e nervosa, a Seleção passou com muita facilidade pelos seus três adversários a seguir. Se Escócia e Nova Zelândia eram fácies de bater, o mesmo não se pode dizer da Argentina, que sempre é um osso duríssimo de roer. A vitória por 3 a 1 foi inconteste. Quatro vitórias em quatro jogos, ainda que sem o brilho de quem costumava oferecer shows – mas todos sabemos que, na Copa, é diferente. Com seis gols nas duas primeiras partidas, o Brasil superou a estatística empacada desde 1954.

O jogo contra a Itália era muito perigoso, mas muitos italianos reconheciam a superioridade brasileira e a vantagem do empate para os então tricampeões mundiais. Só que a Itália jogou como nunca, esteve à frente do marcador em boa parte do jogo e, no fim, conseguiu sua vitória em uma jogada até inesperada (o peteleco de Tardelli se converter num passe para a finalização qualificada de Paolo Rossi). Os italianos foram melhores e souberam alcançar o resultado. O timaço brasileiro, com exceção de bons momentos de Sócrates e Falcão (por sinal, autores dos gols), fez uma de suas piores partidas desde que o trabalho iniciara em 1980.

Por muito tempo, certa empáfia atribuiu aos italianos a pecha de “zebra”. Ledo engano: um time com Zoff, Scirea, Cabrini, Tardelli, Antognioni, Altobelli e Paolo Rossi jamais poderia ser uma zebra. Fez uma primeira fase sem vitórias, mas mostrou força ao derrotar os argentinos. E contra o Brasil arrancou para o título merecido.

Desde então, nenhuma outra derrota brasileira numa Copa do Mundo deixou o país tão triste quanto essa do Sarriá. A relação mudou para sempre. O Brasil fechou as portas por 24 horas. Não foi a derrota em um jogo, mas a de um encanto regular do futebol brasileiro por mais de dois anos. Muito mais do que a retransmissão de uma partida onde tudo deu errado contra um grande adversário. E custou caro ao futebol mundial, com a obsessão pelo chamado futebol-força.

Pelo menos, a reprise de Brasil 2 x 3 Itália serve para tirar de vez a culpa exclusiva de Serginho pela eliminação. Ele não foi bem, mas definitivamente não deveria ter sido o bode expiatório. Waldir Peres, que falhou contra a URSS, mostrou muita segurança no resto da competição e não teve culpa nos gols. Feras como Éder e Zico estiveram apagadas. Edinho e Roberto eram dois jogadoraços, mas é difícil cravar que resolveriam sozinhos a parada contra os italianos. É certo: Luizinho, um craque, jogou mal a Copa. Leandro e Júnior, craques, cederam generosos espaços de contra-ataque. A Seleção na Espanha jamais foi a mesma que havia encantado o mundo nos dois anos anteriores, mas sua imagem anterior era tão poderosa que prevaleceu.

Os campeões de 1994 e 2002 realizaram partidas até piores do que os derrotados na Espanha, mas a vitória final apaga os erros. Não é preciso tirar-lhes o brilho para elogiar a Era Telê na CBF. Tivemos brilho também em 1938 e 1950, tínhamos craques em 1966 mas o fracasso foi grande. A Seleção de 1982 mantém o respeito porque foi muito vista em seu auge ao vivo e na TV.

Ao ser recebido para a coletiva após a derrota para a Itália, Telê Santana foi aplaudido de pé por mais de duzentos jornalistas. Se isso não tiver significado nada, talvez os torcedores do São Paulo em 1992/1993 possam explicar melhor.

@pauloandel

Didi, o craque da Copa do Mundo de 1958

Colaboração do jornalista Luiz Paulo Silva

Reproduzo abaixo matéria da revista Manchete, de 1958, do saudoso jornalista Ney Bianchi, ao fim da Copa do Mundo daquele ano, enaltecendo as atuações de Didi, que foi considerado o craque do mundial. Teve até eleição entre os jornalistas que cobriram o evento e Didi ganhou disparado (1.350 votos). Detalhes: 1) Pelé não aparece entre os dez melhores; 2) Gilmar ficou em quarto (235); 3) Garrincha e Nilton Santos ficaram em sétimo e oitavo (com 130 e 123 votos, respectivamente); 4) Fontaine, o francês que marcou 13 gols naquele mundial, ficou em nono, com apenas 103 votos.

Eis a matéria, abaixo:

CONSAGRADOR E DEFINITIVO:

DIDI, O “CRAQUE DO MUNDO DE 58”

Estocolmo, junho (de NEY BIANCHI e JÁDER NEVES, enviados especiais)

Didi está consagrado como o maior jogador da Copa do Mundo de 1958. Equivale a dizer: é o maior astro do futebol mundial, na atualidade. A seu respeito, muita coisa tem sido escrita, reportagens inteiras. Quando, ao término das oitavas de finais Didi foi citado como o craque das eliminatórias, já havia nos afirmado:

— O que interessa é ganhar a Copa do Mundo.

Agora, quando foi consagrado como “o craque do mundo”, repetiu o refrão, mudando apenas o tempo do verbo:

— O que interessava era ganhar a Copa do Mundo.

“UMA PÉROLA NEGRA, RARA E BRILHANTE”

Gabriel Hannot não se cansou de escrever para o seu diário “L’Equipe”:

— Este homem é, em verdade, uma pérola negra muito rara e valiosa, que todo amante do bom futebol deve procurar ver e relembrar para todo o sempre. Não é muito comum aparecer um jogador de tais virtudes, em qualquer parte do mundo. Didi é, a um tempo, artista, malabarista e jogador de futebol. Um passe seu de cinquenta metros equivale a meio gol. E, quando chuta, suas bolas fazem como o mundo. Giram, giram, giram. E traçam irremediavelmente uma parábola fatídica para o melhor dos arqueiros…”

“VALE A PENA PAGAR PARA VER DIDI”

Ainda nos tempos em que não havia otimismo por aqui, com respeito à conquista da Copa, os jornais suecos se ocupavam de Didi, elogiando-o. Agora ocupam-se dele prevenindo. O “Svenska Dagen” foi um dos que escreveram:

— Qualquer “ticket”, por mais caro que seja, vale a pena ser pago, só para que possamos ver Didi jogar. Não sabemos quando virá à Suécia, outra vez, um craque de tal valor.

A verdade é essa: Didi jamais jogou tanto, em toda a sua vida, o que é, em síntese, também o caso de Gilmar, que atingiu o pleno da sua maturidade esportiva. Mas também ele nunca teve tão grande vontade de vencer. Já dissemos: rezava, quando tocavam o hino nacional, nos estádios. E olhava o céu, longe…

“DEFINITIVO: O CRAQUE DO MUNDO”

A própria enquete que o “Press Club” da Copa fez para apontar o melhor jogador da Copa foi definitiva. Didi mereceu a grande maioria dos votos de todos os jornalistas presentes, destacando-se como um craque excepcional. Eis, em síntese, a distribuição desses votos:

DIDI (Brasil)…………… 1.350 votos

Kopa (França)..………… 456

Skoglund (Suécia)…..… 436

Gilmar (Brasil)….….…. 235

B. Wright (Inglatterra)… 134

Greg (Irlanda)…………. 132

Garrincha (Brasil)…….. 130

Nilton Santos (Brasil)… 123

Fontaine (França)……… 103

Rahn (Alemanha).………. 97

E outros, menos votados, valendo acrescentar que todos os jogadores brasileiros receberam votos.

Futebol, futebol!

FUTEBOL (por Paulo-Roberto Andel)

Quando meu pai entrou no quarto com o álbum de figurinhas da Copa de 1970, no ano de 1973, eu tinha quatro anos de idade mas já gostava de futebol, mesmo sem nunca ter visto um jogo. E no ano seguinte, 1974, eu me lembro de estar sentado num degrau de concreto da arquibancada num jogo do Fluminense, quando meu pai me deu a mão e me puxou para ir embora. No corredor do Maracanã eu via vários torcedores grandes, todos muito maiores do que eu, caminhando para o mesmo lado, a caminho da rampa do lado da UERJ é de um obelisco que já não existe lá. E lembro do cheiro de cachorro quente das barracas, contrastando com o das laranjas, que eram vendidas em grandes plásticos no chão.

Em 1975, eu estava na casa de Dona Nininha e Seu Arlindo, que ficava na Estrada de Botafogo, quando meu pai chegou com uma caixa de lindos botões da marca Cracks da Pelota. Colar os escudinhos do Fluminense nos botões de plástico transparente, sem cor, foi uma responsabilidade: eu sabia que aquilo era muito sério.

Em poucos anos, eu ouvia um rádio Telefunken bem grandão para ouvir as narrações dos jogos. Meu pai me levou ao Maracanã lotado várias vezes, com 120 ou 130 mil pessoas, uma experiência pela qual ninguém passa imune. Eu lia O Dia, O Globo, Jornal do Brasil e Jornal dos Sports, até o Pasquim falava de futebol, a Revista Placar era maravilhosa. Jogava bola na rua, na vila ao lado do prédio onde morava, e também na praia de Copacabana, alternando as traves do Juventus e do Bairro Peixoto. Disputava campeonatos de botão com Augusto Arromba, Marcelo Batista, Luis Fernando Gomes Minas e o saudoso Fredão. Joguei também com meu amigo Leonardo Tigre Maia, que era meu colega de escola e, anos depois, de faculdade. Na casa do Fred, Luis e Floriano Romano eram figuras presentes, e também jogávamos nas casas deles.

Com 13 anos, eu já ia para o Maracanã sozinho toda semana, jogava botão sozinho, criava finais imaginárias em casa, disputava duplas e praia sempre que possível à noite, peladas na quadra da Lagoa e no Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira. Edinho era meu herói dos gramados. Eu respeitava adversários terríveis como Roberto Dinamite, Tita e Mendonça. Tentei fundar uma torcida organizada com Toninho e Ricardo, filho de Silério, que era amigo de meus pais e trabalhava num prédio da Rua Santa Clara – eles declinaram e deixei de ser o mais jovem presidente de torcida do país. Colecionava muitos botões que minha mãe me dava de presente, com todo o sacrifício financeiro – eu os tenho até hoje.

Quando fiz 15 anos, o Fluminense estava prestes a viver anos incríveis e inesquecíveis. Eu estava lá em todas. Deste então, se passaram quatro décadas. Respirei futebol o tempo todo, e continuo sendo o garoto que se encantava com os botões de plástico, as figurinhas da Copa de 1970, o grande anel do céu a ser observado por quem se deitava num degrau da geral do Maracanã. Por isso escrevi até aqui muitos livros sobre o assunto, afora os inéditos e inacabados: é que eu continuo procurando por todos os lados o cheiro do cachorro quente, das laranjas, os vendedores de Coca-Cola que mais pareciam astronautas da arquibancada – todos de branco, com capacete e o refrigerante às costas num tanque que mais parecia de oxigênio. Eu procuro a nuvem espessa de pó de arroz, o mar de bandeiras e também a oposição do outro lado. Eu procuro o velho obelisco, as caminhadas da Praça da Bandeira até o Maracanã, os sinais das estações de rádio que ecoavam por toda a arquibancada nos minutos finais de jogo, o pacotinho de batata frita Guri no bar fuleiro, a voz de Victorio Gutemberg saindo por altofalantes abafados e dando os resultados da loteria, os garotos pobres e descalços na bilheteria que choravam ao ganhar um ingresso do meu pai – ele também chorava, o lindo placar de lâmpadas que inunda meus sonhos, os passageiros do ônibus na volta de um clássico qualquer – risos, piadas, incorreções e abraços.

O Maracanã por muito tempo foi o lugar onde eu vi os ricos e os pobres se abraçando de verdade, como se fosse amizade e parceria, o único lugar. E que choravam juntos num insucesso.

Ainda procuro os garotos jogando botão debaixo da escada rolante do shopping dos antiquários, ou chutando bola na trave do Juventus com a praia deserta, ou ainda fazendo a de fora na Vila Tenreiro Aranha para se sentirem heróis entre traves imaginárias feitas com chinelos ou pedras.

Invariavelmente os vejo. Eu também estou lá.

@pauloandel

Ivan Lessa: Futebol é ciência

Publicado originalmente na BBC Brasil em 28 de junho de 2006

Acabou-se o que era doce. Ou acabou-se o que era pau puro (vide, ou relembrai, Portugal contra Holanda). Futebol agora pode virar ciência exata. Feito hóquei em patins e bacará.

A afirmação, bem dizendo, a demonstração, foi feita por um cientista, raça que – todos sabem – não respeita nada que é sagrado. Algumas horas antes do apito inicial para a contenda entre as seleções da Inglaterra e do Equador, Kenneth Bray, um teórico dos mistérios da física, atualmente cedendo suas luzes à Universidade de Bath, resolveu dedicar um pouco de seu precioso tempo ao nobre esporte bretão, como ainda o chamam aqueles que nunca viram um jogo da atual seleção inglesa.

Principalmente do jogo em questão, aquele de sábado contra os pobres dos equatorianos. Sejamos, no entanto, docemente científicos e exerçamos uma marcação corpo a corpo sobre o ilustre cientista.

Ken Bray, como é conhecido na intimidade – e mais de uma pessoa já apontou para o fato de que parece nome de lateral direito marcador de ponta esquerda — Ken Bray, dizia eu, tomou de seu computador, ou o do Universidade de Bath, não ficou claro, e utilizando-se de fotografias digitalizadas do “tanque” Wayne Rooney, a grande esperança inglesa, foi armazenando dados para sua implacável equação.

Vocês todos, coitados, já viram ao menos uma fotografia de Wayne Rooney. Sim, eu concordo. É chato. Ele é conhecido nos círculos maldosos como “Shrek”, em vista de sua extraordinária semelhança, só que em branco azedíssimo, com o personagem computadorizado daqueles dois divertidos desenhos eletronicamente animados.

O homem é uma geladeira ambulante.

Ken Bray empregou fotografias digitalizadas a um décimo de segundo durante os 90 minutos regulamentares de um jogo inteiro de futebol que tivesse contado com os esforços de Rooney. Trabalhão aborrecido esse, hein? De posse dessas preciosas fotos todas, o insigne professor (presumo que seja formado) concluiu que o jogador cobre cerca de 7,3 milhas, ou quase 12 quilômetros de distância, em uma partida normal, se normal pode ser qualquer partida que conte com os enérgicos esforços do “Shrek” retangular da redonda.

Pouco mais da metade desses quilômetros são percorridos à velocidade de um corredor profissional de meia distância. O resto como fundista, ou simplesmente caminhada, à beira-mar ou campo, como quiserem. Ken Bray passou em seguida, de calcanhar, à sua exposição (exposição? Que exposição?) tendo declarado à imprensa, como um técnico sagaz ou ponta de lança mentalmente contundido:

– Todos querem saber se Wayne Rooney é o mais perfeito dos jogadores de futebol. Resposta? Possivelmente, sim.

Embora ninguém quisesse saber nada, o físico britânico desandou a tacar equações num quadro negro para provar sua tese. Parecia o tal técnico sagaz. Aquele da Costa Rica.

Deixando afinal de lado o giz, Ken Bray encerrou sua coletiva afirmando que a Inglaterra ganharia do Equador. Isso era fato e fato científico.

Entre os jornalistas, pasmo geral. Pareciam direitinho a defesa da Sérvia e Montenegro no jogo com a Argentina. Ninguém entendeu nada. Sabiam apenas, e assim reportaram, que com a ciência não se discute, assim como não se dá cabeçada em juiz russo incompetente.

E não é que foi tiro e queda? Tiro de David Beckham. Queda do pobrezinho do Equador que merecia coisa – equação que fosse – melhor. Agora é mandar uma equação semelhante para cima de Portugal. Que, na grande tradição holandesa, bem que poderia alijar da peleja, nos primeiros cinco minutos do jogo, o inefável Wayne Rooney.