Um Kichute há 2.200 domingos (por Paulo-Roberto Andel)

(Lembrança de uma noite de 1979)

Domingo, fim de noite, meus pais estão dormindo e estou vendo a TV com o som bem baixinho para não acordá-los. Estou esperando os Gols do Fantástico para dormir.

Tenho um plano grandioso para esta semana, que vai exigir um sacrifício. Se eu não comprar nenhum botão, nenhum pacote de Futebol Cards e economizar o dinheiro dos lanches de terça a sexta-feira, finalmente vou poder comprar meu Kichute. Imagina poder jogar com ele já no fim de semana na vila? É um sonho.

Há muito tempo eu vejo o Kichute na vitrine da Casa Orensana, que fica aqui perto, aos pés da Ladeira dos Tabajaras. Ele é muito bonito. Só de colocar nos pés, você se sente um jogador de futebol de verdade. Eu não coloquei ainda, mas tenho certeza disso. A gente sente. Mal vejo a hora de estrear. Quando vejo a propaganda na TV ou nas revistas, me sinto o Edinho em campo, ou o Miranda. Ou um becão que nem Abel ou Rondinelli.

Quando você olha o Kichute de lado na vitrine, ele tem as travas iguaizinhas às da chuteira, e é todo preto também. Já pensou se tivesse uma mágica em que, ao calçar o Kichute você vá parar no túnel do vestiário do Maracanã, pronto para subir a escada e ver a multidão soltando fogos, enquanto chega ao gramado? Meu coração bate mais forte só de pensar nisso.

Eu sei que não vai ser fácil ficar uma semana sem lanche nem Futebol Cards, também sem nenhum reforço para o meu time de botão, mas eu não posso perder essa oportunidade. Jogar de Kichute é igual a aparecer nos gols do Fantástico ou na reprise da TVE, ou ainda no Bola na Mesa da Bandeirantes – Paulo Stein, Márcio Guedes, Alberto Léo e José Roberto Tedesco, está certinho?

E se o Kichute me fizer jogar no Maracanã e fazer um gol? Meu Deus, não sei o que dizer. Chega logo, sexta-feira, para eu comprar na Orensana. É a hora de virar um craque! Meu pai vai ficar bem orgulhoso de mim.

@pauloandel

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