Dia de Seleção (por Paulo-Roberto Andel)

Quinta, dez pras duas. Lanchei, suei, chorei, tomei banho, jantei bem e fiquei pensando. Marina parou de responder o WhatsApp, deve ter adormecido. Ela trabalha amanhã, ficarei sozinho. Nos últimos tempos, o que eu mais faço é ficar sozinho. As pessoas estão nos smartphones, geralmente muito ocupadas.

Desde aquele dia de muitos anos atrás, com o mar de papel picado que vi na rua em 1978, Brasil 0 x 0 Argentina, lá se foi uma vida. Quarenta e quatro anos.

Vários amigos daquele tempo estão longe ou infelizmente mortos. Meus pais se foram. Tanta, tanta gente. Tem saudade, melancolia e tristeza também.

Nunca é só um jogo, mas jogos e jogos e jogos que vão se acumulando. O garoto Ardiles é um respeitável setentão. Beckenbauer também. Sepp Maier.

Leão, Nelinho, Amaral, Edinho. Jorge Mendonça e Toninho foram embora. Coutinho, Telê, Valdir Peres, o espetacular Sócrates.

Minha vida é longe de ser tranquila, mas nela o futebol é uma presença permanente. É muito bom. Sem o futebol, tudo ia ser muito mais difícil.

A gente vai contando o tempo em Copas. O Sarriá já ficou longe, o México também. A divertida Copa da Itália no Edifício Pampeiro – o Brasil massacrou a Argentina, acertou três bolas na trave e foi eliminado. A Holanda foi eliminada no mesmo dia. Eu era calouro da UERJ.

Sei muito bem que a Copa no Qatar foi um erro, que merece todas as críticas, que não podemos tolerar uma série de coisas. A gente sabe. O mundo tem que melhorar. E as pessoas que se consideram “mais politizadas” precisam aprender que há muita gente politizada apaixonada por futebol, e que sabe melhor do que ninguém onde estão os baixos mundos do esporte. Ninguém é evoluído politicamente por desprezar uma paixão que mobiliza bilhões de pessoas.

São duas da manhã. Eu sinto saudades da Copa da Argentina, não pela ditadura horrenda daquele país, mas por causa de Tarantini, Fillol e Mário Kempes, da fantástica Holanda e do Brasil. Eu tenho saudades de Lato e Trésor. Saudades de colar os escudinhos nos botões, de jogar amistosos com Fred e Floriano, o Luís Fernando também.

O Brasil vai entrar em campo e rememorar os grandes heróis dos anos 1930 e da Copa de 1950 – seleção que sofreu e sofreu muito, sem justiça. Voltar no tempo em que nem Copa havia, como no Sul-americano de 1919 nas Laranjeiras. São muitas histórias numa só.

Daqui a algumas horas eu não vou apenas ligar a TV e ver a estreia do Brasil na Copa do Mundo diante da Sérvia. Não. Mais do que isso, o que vou fazer é pedir ao tempo uma esmola, uma migalha, um golinho dos melhores anos da minha vida. Tempo, esse marcador implacável que sempre vence. Quando somos crianças, o mundo é nosso.

Em 1978 eu tinha uma coleção de tampinhas de Coca-Cola com as carinhas dos jogadores. Ainda não tinha uma mesa de botão. Minha mãe me deu dinheiro para comprar uma cartolina verde, acho que dois cruzeiros. Fiz as linhas do gramado com caneta Bic azul e régua. Na falta de um transferidor, eu fiz as meias-luas e o círculo central com a base de um castiçal que até hoje está aqui em casa. Era um campo pobre, simples, mas bem bonito e desenhado. Posso vê-lo agora com o papel picado sendo jogado pelas janelas de Copacabana.

Agora deu para entender o que eu estou procurando às duas e meia da manhã?

@pauloandel

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