Moisés e o Bloco das Piranhas (por Paulo-Roberto Andel)

Em 1971, o Rio de Janeiro não podia ser considerado exatamente um mar da tranquilidade por vários motivos, mas tudo se acalmaria quando chegasse o Carnaval. E num amigável dia de treino no Vasco da Gama, no garboso estádio de São Januário, surgiu uma das maiores instituições de samba e futebol do país, criada por um dos maiores personagens da cidade, hoje pouco falado.

Nasceu o Bloco das Piranhas, idealizado pelo zagueiro vascaíno Moisés, com uma pegada polêmica e, ao mesmo tempo, popular: a formação contava com jogadores do futebol carioca, todos devidamente vestidos de mulher e com toda a vaidade que o carisma feminino exige.

O bloco passou a desfilar em Madureira e, por conta da popularidade de seus integrantes, logo arrastou uma multidão pelo bairro. Moisés, embora nascido na cidade de Resende-RJ, era o arquétipo do carioca, com sua irreverência, bom humor, malandragem e cultura – quem já viu suas entrevistas sabe que praticava um português perfeito e elegante. Com seu carisma, o zagueiro logo trouxe uma turma da pesada do futebol, ligada ao Vasco: o volante Alcir Portela, o zagueirão Joel Santana e o artilheiro Dé O Aranha. Em pouquíssimo tempo os jogadores de todos os times começaram a aderir ao desfile, que só sofreu um desfalque forte uma única vez, em 1975, quando os jogadores do Fluminense passaram o sábado de Carnaval no Maracanã por um motivo nobre: a apoteótica estreia de Rivellino diante do Corinthians, numa goleada por 4 a 1. Outros personagens marcantes do bloco foram os saudosos Manguito e Perivaldo, respectivamente zagueiro do Flamengo e lateral direito de Botafogo, Bangu e Seleção Brasileira, e os ativíssimos Brito (campeão mundial em 1970), Vanderlei Luxemburgo e Zé Roberto Padilha.

Até o final dos anos 1990, o Bloco das Piranhas foi um sucesso absoluto, mas acabou não renovando o quadro de jogadores – muitos surgidos estavam mais ligados nos desfiles da Sapucaí – e então encerrou suas atividades. Mas durante duas décadas e meia ele foi um símbolo glorioso do Carnaval do Rio, onde jogadores acostumados a estrelar manchetes e jogar no Maracanã para mais de 100 mil pagantes, eram simplesmente divertidas e simpáticas transformistas que levavam a alegria do futebol para a maior festa popular do Brasil. A cada ano, o Bloco e seus personagens são rememorados, mostrando a força de sua representação.

Moisés, o responsável por toda aquela farra, foi um símbolo de carioquice e jogou em muitos dos principais clubes brasileiros, encerrando sua carreira no Bangu e, por isso mesmo, vivendo um Carnaval à parte sob a liderança de ninguém menos do que Castor de Andrade, um personagem que desafia definições. Apesar de sua fama de durão e de suas frases de efeito, como “Zagueiro que se preza não ganha o prêmio Belford Duarte”, foi bom jogador e depois teve tudo para ser um excelente treinador, mas recebeu menos chances do que deveria. Homem do futebol, do samba e da praia, Moisés ainda merece o devido reconhecimento como uma das personalidades mais marcantes de seu tempo.

Futebol e Carnaval (por Paulo-Roberto Andel)

O preconceito contra o futebol é tão estúpido como qualquer outro, especialmente quando comparado/associado com outras manifestações populares, feito o carnaval.

Nos dois casos, são paixão de milhões de pessoas e também alvo de grupos inescrupulosos que deles se aproximam/ocupam para lucrar ilicitamente e se locupletar. Mas é bom que se diga: são os mesmos grupos que, de alguma forma, se assemelham aos que estão envolvidos nas grandes corporações, entidades de classe, partidos políticos etc. Ou seja, por toda parte.

As duas temáticas são riquíssimas, cheias de contradições, tensões e flutuações que merecem não somente debates, mas estudos aprofundados. Por sinal, muita gente séria costuma orbitar pelos dois focos.

Interessante lembrar que futebol e carnaval também são divididos praticamente em castas. A série A do futebol brasileiro tem muito mais privilégios que a C ou D, assim como existe a clara distinção econômica entre os desfiles da Sapucaí e da Intendente Magalhães, por exemplo.

Os que minimizam a importância do futebol e do carnaval não percebem que, para milhões de brasileiros, estas são as únicas diversões possíveis, às vezes numa TV velha ou um radinho. Há muito em jogo. Não é exagero afirmar que, em ambos os casos, talvez aconteça a única possibilidade de cidadania real num país que, hoje, luta para se erguer dos escombros do fascismo.

Ninguém é obrigado a gostar de futebol nem de carnaval, é óbvio, mas desprezar a importância destes movimentos na cidade, no estado e no país é, de alguma forma, exercer a ignorância sobre dois polos fundamentais para se entender o próprio Brasil, pelos aspectos sociais, econômicos, geográficos, políticos e humanos. Ambos estão há mais de cem anos tatuados no cotidiano brasileiro e, muitas vezes, se misturam de maneira maravilhosa.

Há muitos livros sobre os dois assuntos, juntos e separados. Para quem se interessar, os temas são vastos e ainda precisam de mais gente estudando, filmando, gravando, entrevistando, escrevendo. Dois motores que explicam e podem impulsionar muita coisa boa pelo Brasil afora.

@pauloandel

Bloco das Piranhas: o Carnaval da Bola (da Redação)

Mais do que um zagueiro dos bons, Moisés Matias de Andrade era o típico carioca: zombeteiro, irreverente, bem humorado, amante das praias e das ruas.

Autor de pérolas como “Zagueiro que se preza não ganha o (prêmio) Belford Duarte” e “Da medalhinha pra baixo é tudo joelho”, ele fez época no futebol brasileiro dos anos 1970, jogando pelos grandes clubes cariocas e também pelo Corinthians (onde foi campeão em 1977).

Depois, foi um personagem muito ligado ao Bangu, como jogador e treinador, num tempo de grande destaque da equipe alvirrubra, sendo vice-campeão carioca e brasileiro em 1985.

O futebol carioca vivia uma de suas melhores épocas, entre os anos 1970 e 1980, recheado de craques, prestígio e com o Maracanã muitas vezes lotado. Os jogos eram empolgantes, as rivalidades eram saudáveis e o torcedor tinha prazer em acompanhar as partidas.

Moisés faleceu em 2008, e é um patrimônio esquecido da cidade do Rio de Janeiro que precisa ser resgatado. Uma de suas criações tem a ver com o Carnaval: o Bloco das Piranhas, que desfilava em Madureira, composto por jogadores de futebol e celebridades, todos vestidos de mulher. No Bloco das Piranhas, Dé O Aranha, Luisinho Lemos, Joel Santana, Alcir Portela e Brito eram nomes certos a cada folia.

CLIQUE AQUI.

CLIQUE AQUI.

CLIQUE AQUI.

Uma das grandes celebrações de rua entre os anos 1970 e 1990, que infelizmente não teve sequência – dependia muito dele, Moisés, que era o líder e promotor do bloco. O retrato de um futebol mais simples, do povo, antes da era dos supersalários, seguranças e assessores de imprensa.

05

09

10