Livros (de futebol) e o leitor

Por conta do meu trabalho, especificamente no campo da literatura de futebol, é comum me mandarem mensagens do tipo “O que você acha do livro de fulano?”, “Sicrano mandou bem?” etc. No Fluminense então…

É o seguinte: eu não sou vigia da literatura alheia. Ela é livre e torço para que cada vez mais livros sejam lançados. Claro, sigo as determinações de meu ídolo Ivan Lessa: “Livro é pra ler, não pra enfeitar estante”.

Enfim, as questões éticas me deixam fora de declarações públicas sobre os livros de colegas/conhecidos do ramo do futebol, embora eu atue em outras áreas e esteja atento ao que acontece por aí. E tem de tudo, do melhor e do pior, como na vida. Já se foi o tempo em que ser publicado era garantia de excelência. Hoje, quantos não o são exclusivamente por causa de dinheiro ou financiamento de terceiros? Tudo é muito relativo.

Como profissional do ramo, tento fazer com que livros de terceiros tenham o máximo de qualidade, sem perder a pegada e o estilo de cada autor. Sem falsa modéstia, eu e meu sócio Zeh Augusto Catalano temos conseguido excelentes resultados. Os livros saem com a cara dos autores: nada é fake.

Não levo em conta declarações do tipo “É livro de historinhas”… A própria sentença define a anemia intelectual de quem a emite, assim como o tempo que não deve ser desperdiçado com isso. Detalhe fundamental: quantidade de informação e qualidade técnica nem sempre andam de mãos dadas, às vezes longe disso. Há livros que, por sua natureza, exigem fundamentos técnicos e perspectiva científica; outros simplesmente não precisam disso para ser honestos, bons ou ótimos.

A melhor opinião que tenho a dar não é a de escritor, revisor ou editor, mas sim a de leitor. Não leve a sério um escritor que não lê: qualquer profissional sério do ramo precisa ter muita carga de leitura, preferencialmente variada. E como leitor, o que eu procuro nos livros? Agilidade, emoção, clareza de texto – xô, pernósticos! – profundidade e… tesão. O gosto de quero mais. O livro não pode deixar a sensação de fastio no leitor, mas sim a de eletricidade, de querer que ele continue. Tanto faz se é um garotinho olhando para um campinho de terra, se é um torcedor idoso olhando seu estádio preferido e lembrando os melhores anos de sua vida, ou ainda um craque supremo remoendo seus rancores – o futebol é grande demais, nele cabem todos os roteiros e argumentos.

Uma coisa que ajuda muito o escritor iniciante – e até os veteranos acomodados – é ir além dos livros, mas em busca da arte. O cinema, o teatro, as exposições, os shows. As diferentes manifestações artísticas colaboram decisivamente para a formação intelectual do autor e, consequentemente, para sua própria evolução artística. Sair da mesmice, procurar outros ângulos, outras perspectivas. Futebol é maravilhoso mas sinto dizer: se você quer ser escritor do ramo mas se limita aos jogos e resenhas, seu campo de observação e análise tende a ser menor e isso atinge o texto de forma letal. Futebol é também música, cinema, quadrinhos, pintura e teatro. É arte. O que você lê em Nelson Rodrigues como futebol é na verdade teatro, tendo em vista o colossal dramaturgo que foi. O que faz João Saldanha um ícone da literatura de futebol é seu estilo simples, despojado mas acertando sempre a flecha no alvo com humor e profundidade.

Aproveito para reproduzir trecho de “A crônica”, texto definitivo do Ivan Lessa que fala do gênero brasileiro, mas que vale como reflexão para todos os outros na literatura.

“Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro.

Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.

Tanto faz que seja elitista ou literariamente limitador.

E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley?

A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.”

Por enquanto é só. Abraço.

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Autor de mais de 30 livros entre produções solo e coautorias, com diversas temáticas, Paulo-Roberto Andel edita o site Panorama Tricolor há dez anos – um dos maiores em produção 100% própria sobre um clube de futebol no Brasil – e o blog otraspalabras! há dezesseis. Biógrafo do roqueiro Serguei, atualmente Paulo é colaborador do jornal Correio da Manhã e do site Museu da Pelada. É um dos autores com mais títulos publicados no futebol brasileiro do século XXI. Seu mais recente livro, “Uma breve história da Portuguesa”, conta os quase cem anos da agremiação hoje símbolo da Ilha do Governador.

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