Há pouco, tive uma pequena e inevitável melancolia que todos os órfãos sentem, sem importar a idade. Coisa das onze da manhã de domingo. Pensei no meu pai, que está irremediavelmente morto há oito anos, e quando eu era um menino cheio de sonhos e de futuro em 1979, com dez anos de idade.
O meu domingo de torcedor mirim era acordar cedo, ouvir o programa do Valdir Vieira no rádio, esperar dar onze da manhã para que a TV Bandeirantes transmitisse alguma partida do campeonato paulista. No intervalo do jogo, geralmente almoçávamos lasanha, frango assado ou bife. Terminado o jogo, entrava no ar o programa Conversa de Arquibancada, apresentado pelo jornalista Hamílton Bastos, com representantes das torcidas dos clubes cariocas discutindo o futebol.
Fim de programa, descíamos para o ponto de ônibus da rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana. Vinha o ônibus 434, branco, com uma faixa cor de vinho e a outra, azulada. Então fazíamos o mais charmoso percurso de transporte coletivo da cidade do Rio de Janeiro: Zona Sul, Lapa, Praça XI, Praça da Bandeira e logo ali já se via o cenário dos sonhos – centenas de pessoas caminhando em direção ao estádio do Maracanã.
Rapidamente comprávamos nossos ingressos – quando tinha algum sobrando, meu pai comprava outros para dar aos meninos pobres que ficavam perto da bilheteria pedindo. Vi vários deles chorarem por isso. Passávamos pela apertadíssima roleta e logo a rampa do Maracanã desfraldava o espetáculo – as camisas das torcidas organizadas, em exposição para venda, presas nas colunas de sustentação.
Três da tarde, muita gente em muitos jogos e a preliminar de juvenis, depois denominada de juniores. Os grandes craques do futuro desfilavam a valer no gramado do Maracanã. Eu olhava tudo: o jogo, o campo, as arquibancadas, as bandeiras, os cantos. Era uma experiência multisensorial. Quando surgia uma imensa nuvem dos céus nos abraçando, quando o nosso time entrava em campo, eu já sabia que um grande jogo estava acionado para decolar. Fiquei tão encantado por aquilo tudo que investi boa parte de minhas mesadas, moedas e congêneres vendo partidas e partidas, do time do meu coração e dos demais.
Nem sempre ganhamos. Perder fazia parte do jogo. Mas era bom demais ver o jogo no estádio naqueles tempos. Vinha gente de todos os lados, as pessoas confraternizavam, eu não via batalhas de ódio. É claro que havia problemas, mas o saldo era altamente positivo. E assim foi por anos e anos, por mais de trinta deles, até o dia em que em nome da modernidade, resolveu-se que o Maracanã seria posto abaixo, mantendo sua fachada. E os gols do Fantástico? E a resenha da TVE?
O tempo passou. Os torcedores foram alijados da grade da TV. As preliminares acabaram para preservar o gramado – leia-se ocultar os craques mais jovens e facilitar transações. O rádio perdeu força. Meu pai disse adeus para sempre. Lasanha em família, nunca mais. Nem o 434, que depois virou laranja e agora é cor de prefeitura – com trajeto encurtado.
Quatro da tarde, mudo os canais de futebol no controle remoto. Há muitas opções, nenhuma delas dotada de plena qualidade. O Maracanã morreu: virou um trambolho sem alma. Hoje está fechado.
Acabou de sair um belo gol do Corinthians contra o Santos, disputado na Vila Belmiro. Nos tempos da lasanha, era Morumbi cheio. Agora tem torcida única, vinte mil torcedores em vez de cinco vezes mais.
Os estádios são lindos, corfortáveis, assépticos, diferenciados. Na televisão, ficaram todos iguais. É difícil distinguir um do outro. Só lhes faltam a alma, o charme, o encanto. O narrador acaba de dizer que o futebol é um espetáculo para a família. Tudo bem, mas não seria melhor que fosse para o torcedor?
O meu time é um arsenal de mentiras e falsas promessas. Ainda o amo, torço muito por ele e espero que vença amanhã.
Onde foi que meu domingo acabou?
Tenho um palpite: quando a ganância corporativa engoliu o futebol.
@pauloandel