Futebol Cards, uma onda irresistível

Entre 1978 e 1981, a garotada que curtia futebol foi tomada por uma verdadeira febre que até hoje repercute no mundo adulto: a coleção de cartões Futebol Cards.

O lançamento veio na esteira da Copa da Argentina e logo mobilizou uma multidão. Pela primeira vez, o futebol não era lançado em figurinhas para um álbum, mas em cartões de papelão de ótima qualidade – mais de 40 anos depois, colecionadores ostentam peças impecáveis.

Cada cartão vinha com a foto do jogador vestido com a camisa do clube e, em seu verso, uma pequena ficha de apresentação com dados pessoais, gostos e trajetória na carreira. A venda era em pacotinhos com três cartões e o chiclete Ping Pong, também chamado de Magrão pelo seu formato retangular finíssimo. Bem, o chiclete não era grande coisa (…), mas o fato é que a garotada invadia as bancas de jornal – que, acredite, vendiam jornais naquele tempo – com suas moedas para a arrebatar os pacotes. Num mundo sem internet, o Futebol Cards era uma das raras oportunidades de se conhecer um pouco mais os ídolos.

Como em toda coleção, Futebol Cards tinha os cartões mais populares, que acumulavam repetições e eram usados em trocas, enquanto os mais raros eram disputados a tapa. Todo mundo tinha um Fred do Botafogo, zagueiro e irmão de Paulo Cezar Caju. Abel, o Abelão, hoje treinador consagrado, era um símbolo permanente do Vasco nos pacotinhos. Pelo Fluminense, o cartão popular era do multitarefa Rubens Galaxe. Do Flamengo, Rondinelli. E das equipes de outros estados? Quem não teve vários Iúra do Grêmio, Victor do Santos, Odirlei da Ponte Preta e o cracaço Zé Carlos do Guarani?

Num primeiro momento, a coleção se limitava aos grandes clubes, mas rapidamente abrigou equipes expressivas de outros estados e, numa segunda etapa, algumas equipes de menor investimento. Um caso típico foi a simpática Caldense de Minas Gerais, que ganhou projeção nacional com a coleção. Já incensado pela bela campanha em 1977 e o grandioso Estádio Santa Cruz, o Botafogo de Ribeirão Preto também teve grande visibilidade graças à coleção, que incluía nomes como os de João Carlos Motoca, o do goleiro Aguilera e do veteraníssimo Zito.

Alguns cartões ficaram muito valorizados por erros de edição. Por exemplo, no Guarani, os cartões dos pontas Capitão e Bozó, campeões brasileiros de 1978, saíram trocados. Em outras situações, os jogadores que mudaram de clube possuem cartões diferentes. É o caso de Nunes, que tem dois cartões quando jogava pelo Fluminense (um de camisa branca e o outro com uma camisa tricolor estranhíssima) e depois um pelo Flamengo, com a camisa rubro-negra. Também é o caso do xerife Moisés, com cartões pelos dois clubes. No Grêmio, o goleiro Remi não tirou a foto com a camisa da posição, mas sim a do time.

A Futebol Cards também lançou a série Grandes Jogos, registrando partidas importantes dos anos 1970, com fotos maravilhosas. Clássicos como Atlético e Cruzeiro, Fla x Flu e o incrível Fluminense x Corinthians de 1976 estão na lista.

Mais de quarenta anos depois, a coleção mexe com os torcedores cinquentões. Negociações na internet alimentam o sonho de se conseguir um cartão que faltou à época. Lá estão muitos e muitos nomes que ajudaram a escrever a história cotidiana do futebol brasileiro. Que tal o Helinho do Vasco? Ou o trio Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá da Ponte Preta? Juari e Nilton Batata no Santos. Zé Carlos, Renato e Zenon no Guarani. Marinho, Jair Gonçalves e Pires no Palmeiras. Você sabia que Ancheta, zagueiro símbolo do Grêmio, depois virou cantor na noite de Porto Alegre?

Ah, o meu time com Wendell e Renato, Gilson Gênio e Zezé, Pintinho e Cleber, que saudade!

@pauloandel

O primeiro jogo

Eu não sei dizer sobre a atuação dos times, era muito pequenininho, devia ter pouco mais de cinco anos de idade. Só sei que era o meu Fluminense jogando contra alguém no Maracanã.

Era uma tarde de domingo, numa partida iniciada às 17 horas, padrão daqueles tempos. Ao término, o Maracanã mudava de semblante: trocava a tarde clara pelo escuro da noite.

Não havia um grande público presente. Sei disso porque me lembro dos grandes silêncios em momentos da partida, assim como da imagem cinzenta dos grandes degraus de concreto – que futuramente seriam a minha segunda casa.

Talvez, mas apenas talvez, o Fluminense estivesse de branco. É uma suposição, um sentimento.

Não sou capaz de descrever jogadas, mas sei dizer da bola. Em diversas ocasiões, um dos goleiros tinha a bola na mão e depois a quicava no gramado. Uma ou duas vezes. Depois o chute fazia a bola subir, até a vista confundi-la com os holofotes da grande marquise do Maracanã – que pareciam bolas de futebol alinhadas.

Sei que lanchei um cachorro quente. O vendedor parou perto de mim, colocou a caixa ao lado de nós e meu pai comprou. O sabor que aquele lanche tinha era espetacular, e não dá para explicar isso a quem não teve vivência nas velhas arquibancadas. Só sentindo para saber.

O que lembro mesmo é do final. Estávamos sentados bem perto de um acesso. Olhei para o placar escrito zero a zero. Meu pai parou do meu lado, esperou as pessoas passarem e estendeu a mão para mim. Segurei e então descemos por um túnel bem estreito.

Já no corredor, havia bastante luz e gente caminhando para os dois lados. As pessoas se deslocavam com calma. Não havia euforia, afinal era o empate em zero a zero. Depois tinha uma grande rampa para descer e o caminho para a estação de trem Derby Club, essa com bastante gente e bandeiras do Fluzão. Nosso destino era a Central do Brasil, ao contrário da maioria. Chegando lá, pegaríamos o ônibus 154 que nos deixaria na porta de casa.

Essa é uma pequena história que acaba de fazer 48 anos. Meu início como torcedor de futebol. Não foi uma tarde de glórias nem glamour, mas que significa muito para mim, pois foi a primeira de muitas e muitas tardes e noites onde fui um garoto muito feliz. Era o Fluminense de Gerson, de Cafuringa e Silveira, de Félix e Manfrini, de Brunel e Lima, louco para retomar os caminhos vitoriosos de 1969 a 1973 – e eles logo viriam.

@pauloandel

Foto: Maurício Val