Em algum lugar de 1982 (por Paulo-Roberto Andel)

Faz muito tempo, a gente perdeu pro Corinthians num sábado à noite no Maracanã. Era o Torneio dos Campeões. Teve velório na geral de protesto e tudo, eu saí correndo. O Maracanã era minha segunda casa, e eu contava as horas para voltar lá. Fui sozinho. Eu gostava de ir sozinho aos jogos, fato que se repetiu inúmeras vezes.

Eu era bom jogador de botão. Sem falsa modéstia, jogava pacarai. Então era a minha vingança: se o Flu perdesse, eu tinha que ganhar todos os jogos da semana para compensar. Deixa estar.

O jogo teve pouco público e, por isso, poucos ônibus na saída – não havia metrô. Eu me lembro que aos pés do Viaduto dos Marinheiros o 434 estava bem cheio e apertado. Já devia ser quase meia noite. Estávamos chateados, mas alguns batucavam, outros ouviam a resenha no radinho e alguns até riam. A gente sempre esperava o próximo jogo, o próximo jogo, sempre em frente.

Quando passamos pela Rua do Riachuelo, teve alguma confusão sem gravidade, algo de gozação. O ônibus ficou parado uns cinco minutos, depois ficou tudo bem.

Meia hora depois saltei na Siqueira Campos. Estava tudo fechado, com exceção da Bella Blú. Lanchei uma fatia de pizza. O Sniff’s já estava sendo lavado, todo mundo tinha se mandado. Fui pra casa. Meus pais já estavam dormindo. Entrei de fininho com zero barulho, tomei banho e fui deitar. Logo seria domingo. Não ia ter Fluminense mas eu sonhava com um bom café e almoço. Lasanha da Torna. Conversa de Arquibancada na TV, depois minha mãe ia ver o Silvio Santos – como ela gostava!

As coisas não eram assim tão boas, longe disso, mas eu tinha um negócio a meu favor: o tempo. Todo o tempo do mundo. Ele sempre vence, mas na juventude a gente sempre tem chances de virar o jogo. No futebol então, onde tudo pode mudar a cada três dias, imagine. Eu ficava esperando chegar a hora de ir ao Maracanã: juntava moedas, todos os trocos possíveis, era um programa muito barato.

Bom, desta vez eu não cheguei em casa, porque vi o jogo na TV. São duas da manhã. Estou sozinho e muito longe da juventude. Não há jornais para se comprar neste domingo, nem frios na padaria, nem lasanha da Torna nem nada. Sem pai nem mãe.

O que sobrou?

Alguns botões estão perto da TV, uma saudade que me rasga da testa aos pés.

E o Fluminense, claro, que não pode esperar e já tem uma decisão na próxima terça. Futebol é assim: não se pode esperar.

@p.r.andel

Amaral jogava demais, demais! (por Paulo-Roberto Andel)

São quatro da manhã e acabo de saber que Amaral morreu. Tinha 69 anos.

Ele jogou demais.

Aos quinze anos, já era titular no Guarani. Só não foi campeão brasileiro pelo Bugre porque já tinha sido negociado com o Corinthians.

Salvou o Brasil diante da Espanha na Copa de 1978, num dos lances de mais talento já vistos em todos os Mundiais de Futebol. Tirou a bola em cima da linha de gol. Só quem viu, sabe o que foi. Oscar e Amaral, uma tremenda dupla de zaga.

Na vila perto da minha casa, todo mundo queria ser Amaral. Essa tarefa coube ao Renato, que também era um monstro da bola e a conduzia igualzinho ao ídolo.

Amaral tinha muito talento, muitos recursos técnicos. Saía jogando com toda a calma do mundo, como se aquilo fosse simplório. Era um digno representante de nomes como Domingos da Guia e Zózimo. Gente que tratava a bola como se dissesse “oi, meu bem”.

Depois dele, um nome de tanta elegância na defesa foi Ricardo Gomes. Altair também. Mestres do futebol, da técnica do jogo, do futebol onde a bola é o estandarte.

Amaral jogava de cabeça erguida, olhando para a frente. A bola deslizava nos seus pés, como se o granado fosse uma mesa de snooker. Cada passe era uma degustação refinada.

Que craque!

Valeu, Apolinho! (por Paulo-Roberto Andel)

Neste exato momento, tem muuuuita gente chorando. Eu também, mas vou tentar fazer um réquiem.

Falar de alguém que a gente sempre ouviu desde a infância, por quase meio século.

Do tempo em que o Maracanã tinha seus astronautas vendendo Coca-Cola na arquibancada, e com tanques de refresco nas costas – no copo era só espuma, mas deliciosa.

Quando Victorio Gutemberg fazia ecoar sua voz potente nos alto-falantes de som abafado, para escalar os times, falar da Loteria e lançar o bordão inesquecível “Suderj informa”.

E no fim dos clássicos abarrotados, quando as vinhetas de minutagem das rádios faziam o som psicodélico de _gran finale_? Cento e tantas mil pessoas. Corações a mil no maior estádio do planeta, enquanto Rivellino, Adílio, Roberto, Mário Sérgio, Paulo Cezar Caju e outras feras escreviam a história do futebol brasileiro com seus dribles e passes, suas jogadas de arte.

Apolinho viu tudo isso e muito mais. Foram décadas do melhor futebol do mundo, que encantou adultos e crianças para sempre – até hoje vivemos de restos dessas lembranças. Ganhou o apelido pelo transmissor que levava nas costas, atrás do gol, e ficou Apolinho para sempre. Consagrou-se ao lado de Garotinho e Denis Menezes numa equipe que ficou imortalizada no rádio carioca, depois passou anos na Rádio Globo e muitos outros na Tupi, onde ficou até o fim – e é inacreditável que este fim tenha sido hoje, porque depois de muitos anos a gente se acostuma com a ilusão de que monstros do rádio como ele, Washington Rodrigues, são imortais de carne e osso.

Apolinho deu no pé em dia de goleada do seu Mengão. Tudo a ver com seu amor. Também é o dia de Super Ézio. Pronto, já tem um Fla x Flu armado para animar a eternidade.

Um dos maiores jornalistas esportivos da história, ele viu tudo torcendo, trabalhando ou os dois: voos munumentais do goleiro americano Pompeia, folhas secas imperdíveis de Mestre Didi ou gols e gols do jovem Pelé. Precisa mais? Não, mas ele teve o privilégio de ver os melhores, entrevistá-los e depois comentar.

É fim de quarta-feira. A cidade está em lagrimas porque Apolinho deu tchau e, aos poucos, a gente se toca do tamanho da perda, mas morrer é algo no mínimo discutível para quem sempre teve o talento para a imortalidade.

Washington Rodrigues, gênio do rádio brasileiro, familiar a milhões e que fez tanta gente humilde feliz com seus comentários, galhofas e barbaridades sempre populares.

Os gênios dizem adeus, a saudade fica pra sempre. Viva o eterno Maracanã do Apolinho!

@pauloandel

Memórias do Torneio dos Campeões (por Paulo-Roberto Andel)

Olha, eu gosto muito de futebol, muito mesmo. Gosto de jogar e de ver. Ir ao Maracanã é uma coisa muito boa, e está mais fácil porque meus pais agora me deixam vir sozinho, inclusive à noite. Só o passeio já valeria a pena: eu pego o 434 na Figueiredo Magalhães e faço uma viagem pelo Rio. É um percurso muito bonito que serve de roteiro turístico pela zona sul do Rio, o Centro e, logo depois, Praça da Bandeira e São Cristóvão até chegar ao maior estádio do mundo.

Praticamente todo o meu dinheiro eu gasto com futebol. Também não tenho muito, é a mesada que meu pai me dá. E também vou ao cinema. Só que o futebol é sagrado. Para poder ir a mais jogos, eu vou de geral que é bem mais barato, quase o preço da passagem de ônibus. Se estiver com tempo de chuva, aí a geral é certa, porque você aguenta o primeiro tempo e, no intervalo, o pessoal da Suderj abre uma escada que vai até a arquibancada.

Eu sou Fluminense desde que nasci, gosto demais do Fluzão, mas venho ver jogos de outros times. Já assisti Vasco, Botafogo, Flamengo, America e Bangu.

Não sei por que, mas uma coisa que eu gosto muito é de chegar ao Maracanã ainda vazio, bem silencioso. Esse silêncio me faz muito bem, é como se acalmasse tudo. Gosto de ver o campo, bem verdinho, mesmo quando tem alguns defeitos. Ah, e eu gosto também de me deitar na geral vazia e ficar olhando o céu. A cobertura de concreto do Maracanã faz o desenho de um círculo, o céu parece um disco voador, é muito bonito. Claro que o estádio cheio é maravilhoso também, mas eu gosto dele deserto. É um jeito diferente de ver.

Outra coisa ótima da geral: a gente pode jogar bola antes do jogo. Outro dia teve Vasco e Botafogo, então viemos com uns amigos da escola. A gente marcou o golzinho e ficou três para cada lado. Tinha o Luiz Cláudio, que é Flamengo, o Bolaman também. O Chico, vascaíno. Não me lembro se tínhamos um botafoguense na trupe. Nossa bola oficial, a Dente de Leite. Acho que foi num sábado à tarde.

Foi uma ótima ideia fazerem o Torneio dos Campeões. Vários jogos excelentes, tem Maracanã quase todo dia. Logo mais eu vou de novo pra ver Vasco e São Paulo. Sempre alguém me pergunta por que eu vou numa partida que não tem o meu time. É que futebol é bom demais. Só de subir a rampa e passar pelo tunelzinho da arquibancada, já é uma emoção enorme.

O Maracanã é grande, é gigante. Espero poder acompanhar o futebol pelo resto da vida. Toda vez que vou ao jogo, é como se eu continuasse um sonho que nunca termina. Há pouco, o Fluminense quase foi campeão brasileiro, mas deixamos escapar a vaga pro Grêmio de virada. Foi um jogão. Perdemos, paciência. A coisa não está fácil para o Flu, mas espero que em breve a gente tenha um time que possa ser campeão. Eu tenho fé que isso vai acontecer.

A Copa União e a grande ilusão (por Paulo-Roberto Andel)

(Com a colaboração fundamental de Flávio Souza e Edgard Freitas Cardoso)

A gente via os campeonatos brasileiros cheios de times e jogos. Nos anos 1970 houve exagero, com quase 100 clubes. Nos 1980 passou para 40. Todo mundo reclamava do calendário, do excesso de jogos, que só devia ter partidas no final de semana. De toda forma, o esporte era uma paixão popular que dominava nosso país continental, com estádios abarrotados.

Veio a TV. As cotas. Numa grande costura, na virada de 1987 veio a Copa União. Todos os problemas do nosso futebol estavam resolvidos: criou-se uma divisão de elite, cópia do então Campeonato Italiano, para dominar a atenção do país inteiro. O resto já não importava. Ao mesmo tempo, começou timidamente um lote de movimentos para que os estádios tivessem menos gente, compensada por ingressos majorados – luta encampada pelo então diretor de futebol da CBF, Eurico Miranda.

Se a Copa União deu folga no calendário, por outro lado nasceu a interessante Copa do Brasil. No Continente, a Supercopa dos Campeões da Libertadores e a Copa Conmebol. A folga, claro, foi para o espaço.

Pouca gente percebeu que ali poderíamos ter embarcado numa verdadeira canoa furada. Não por causa das novas competições, que fique claro.

Com a elitização do futebol brasileiro, clubes importantes do cenário nacional foram jogados aos tubarões e nunca mais retornaram à órbita original. Podemos falar do Pará, da Bahia, de Pernambuco, cujos principais times passaram ao comportamento de gangorra nas séries, ou mesmo nunca mais voltando à tona. Estados como Mato Grosso do Sul e Amazonas, que tinham cenários locais disputados, naufragaram. E mesmo nos Estados onde prevaleciam os grandes clubes brasileiros, os campeonatos locais foram esvaziados e as equipes de menor investimento despencaram. O resultado foi nefasto, porque afetou diretamente a formação em larga escala de jogadores talentosos – e não é à toa que desde 2002 os fora de série desapareceram do futebol brasileiro.

Mais tarde, outros movimentos como a espanholização provocada pela desigualdade nas cotas de TV afetaram a própria Série A.

Hoje, o calendário continua extremamente apertado. Nada mudou nesse sentido. As competições se amontoam, os clubes abandonam as campanhas para focar em uma única. As dívidas se acumulam. E curiosamente, um dos xodós dos torcedores brasileiros é a Copa Libertadores, que tem um formato de grupos e mata-mata que lembra os antigos certames brasileiros.

Durante a semana, à tarde, em qualquer boteco que tenha um aparelho de televisão, torcedores acompanham atentos os jogos da Champions League, também no mesmo formato dos Brasileiros de outrora.

Pensemos no America, no Bangu, na Portuguesa de Desportos, em Guarani e Ponte Preta, em Operário de Campo Grande e Comercial, no Nacional de Manaus e no Rio Negro. Em Sport, Náutico e principalmente o Santa Cruz. Em Tempo, Paysandu e Tuna Luso. No Paraná Clube e até mesmo no Coritiba. No Juventude. No Vitória.

O sonho da Copa União pode ter gerado muitas fortunas pessoais, mas para a maioria dos jogadores e dos clubes brasileiros, parece ter sido uma grande ilusão.

Jabaculê contra a Lusa Carioca (por Wagner Victer)

TENTATIVA DE JABACULE CONTRA A PORTUGUESA NO JOGO DE VOLTA DAS QUARTAS DE FINAL DA SÉRIE D

Há no ar uma tentativa de JABACULÊ contra a Portuguesa no jogo das quartas de finais do Campeonato da Serie D, tentando retirar o jogo do Estádio da Portuguesa na Ilha e levando para Volta Redonda.

Primeiro, há de esclarecer que o estádio Luso-Brasileiro, palco alternativo importante do futebol carioca, que já recebeu jogos até de Sul-americana e dos clubes de maior investimento do Rio de Janeiro, como Flamengo e Botafogo, tem todos os laudos técnicos atualizados do estádio, o que permite que a partida de volta das quartas de final, diante do Caxias-RS, aconteça no local, assim como ocorreu nesta mesma fase em 2022, no confronto entre Portuguesa e Amazonas.

Levar o jogo para Volta Redonda, que fica a 200 quilômetros da Ilha do Governador é vergonhoso, cheira a jabaculê e a CBF está em um movimento estranhíssimo.

O Luso-Brasileiro tem capacidade liberada pelo Corpo de Bombeiros para 5.144 torcedores e pela Polícia Militar do Rio de Janeiro para 4.400 torcedores, o que atende perfeitamente o regulamento previsto pela competição, de capacidade mínima de 4.000.

Não à toa, em 2022, nesta mesma fase, diante do Amazonas FC, a Lusa quebrou um recorde dos últimos anos colocando um público de 4.300 torcedores em seu estádio.

A Portuguesa lutou bastante ao longo de todo o campeonato justamente para ter o direito de decidir todos os jogos em seu estádio. O clube investiu em segurança, conforto e comodidade para os torcedores que comparecem ao estádio. Entregamos hoje um campo com gramado que, sem dúvidas, está entre os melhores de todo o Brasileirão Série D. A iluminação está dentro dos padrões e, inclusive, foi aprovada para um jogo do Brasileirão Série A entre Vasco da Gama e Cuiabá.

É a hora de todos os cariocas, insulanos e torcedores da Lusa se indignarem contra essa manobra.

Sampaio Corrêa no topo (da Redação)

Fundado em 2006, depois de 17 anos de luta, o Sampaio Corrêa Futebol e Esporte conseguiu sua maior glória: ao vencer o Olaria por 3 a 1 neste sábado (18) em Saquarema, tornou-se campeão da Segunda Divisão do Rio de Janeiro, assegurando vaga na elite do futebol carioca para a disputa de 2024. Parabéns gerais.

A grande rampa (por Paulo-Roberto Andel)

Para quem vai ao Maracanã há muito tempo, é certo que muita coisa mudou. O velho estádio setorizado virou uma arena, mas também segmentada e pior, gradeada. Não há vestígios da velha geral, nem do glorioso setor de cadeiras azuis, que já tiveram a cor laranja também.

Sábado passado, para aliviar um pouco das dores da vida, fui assistir Fluminense e Palmeiras. Comprei o ingresso em cima da hora no único local disponível, Leste Superior, que antigamente chamávamos de meio de campo e, mais tarde, de cadeiras brancas. Resolvi fazer um caminho diferente, de muitos anos atrás: saltei no metrô São Cristóvão, indo a pé pelo Cefet e rememorando caminhadas fascinantes com meu pai rumo ao palácio do futebol. Mais policiado do que eu esperava, com pequenos grupos de tricolores rumando para o Maraca, eu fui junto.

Uma saudade: parar bem na esquina e lembrar da antiga bilheteria, onde comprávamos nossos ingressos em 1978 e 1979, também onde garotinhos pediam moedas. Várias vezes meu pai comprou três, quatro ou cinco ingressos e deu para eles, que saíam enlouquecidos para entrar no Maior do Mundo e viver duas horas de sonho. Saudade que ia se repetir mais duas vezes: primeiro, ao lembrar que na entrada da Leste vi Alberto Lazzaroni pela última vez, há uns dois meses, e ele queria doar um ingresso sobressalente. Nos anos 1970 mil garotinhos viriam correndo, mas não conseguimos ninguém. E Alberto foi embora muito antes do justo e razoável. Segundo, bem perto do encontro de Alberto, fica um degrau da escadinha onde eu sentava com meu pai, às vezes uma hora antes dos portões abrirem – ele adorava chegar cedo. Tempos em que o Maracanã era cercado por bancos de praça e vendedores de laranja, a fruta mesmo, mais cara quando descascada.

Ir de Leste Superior, assim como na Oeste, dá direito a uma experiência maravilhosa: subir a rampa original do Maracanã, a imortal, que serve aos torcedores há 73 anos. Dela, eu já aproveitei quase 50. Subo lentamente com meu chinelinho velho e sinto vontade de chorar muitas vezes, porque todos aqueles anos incríveis vêm à tona: a emoção de rever a infância, a sensação de ter meu pai ao lado, espiar às torcidas organizadas vendendo seus produtos nas pilastras, aqueles garotinhos da bilheteria subindo e rindo tão felizes mesmo com roupas rasgadas ou descalços, os senhores carregando suas almofadinhas para aliviar o calor na arquibancada. Subidas com esperança em vitórias maravilhosas que nem sempre vieram, a seguir descidas de cabeça quente ou repletas de vitória.

Dois minutos de subida que valem uma vida. Agora estou sozinho, ninguém me acompanha e o novo Maracanã tem uma pequena rampa anexa para continuar o percurso até a entrada do setor. Para quem viveu muito o Maracanã, um jogo não é só um jogo: há toda uma carga do passado maravilhoso. Então compro meu velho cachorro quente, um mate, vou para a arquibancada e repito um ritual de muitos e muitos anos: olhar para o novo e rever os anos inesquecíveis de minha vida.

O jogo é duro, meu amigo Edgard não pôde vir, o Luciano chegou atrasado e vimos o Fluminense vencer bem. Teve gol de pênalti e gol bonito. Ver o Marcelo tocando a bola e driblando relembra momentos espetaculares do nosso futebol, que eram muito comuns. Tudo é diferente, sem dúvidas, mas tem sabor. Difícil foi ver o Alberto no obituário do telão, é estranho demais porque ele era cheio de vida e, num estalar de dedos, tudo mudou.

Fim de jogo, a torcida do Fluzão sai feliz e confiante, então descemos a rampa e me sinto em berço esplêndido como em nenhum outro lugar. Há mais de 70 anos, quanta gente desceu ali? Quantas vezes houve alegria ou tristeza. Quantas vezes não saímos inebriados com um golaço ou uma jogada inesquecível? Fui feliz ali muitas vezes, mesmo nos piores momentos.

Logo depois do portão, me despeço do Luciano e, à esquerda, está o nosso degrauzinho, meu e do meu pai. É a lembrança, é o que me resta. Tal como na ida, faço a volta diferente e vou a pé para o metrô de São Cristóvão, depois salto no Catete, peço um lanche no Big Néctar e lamento muito que meu amigo Eric não esteja lá para me acompanhar num sanduíche. Ainda vou pegar um táxi para casa. Na terça que vem eu vou de Norte, então não vai ter a emoção da grande rampa, mas espero que se repita em muito breve.

@pauloandel

America, agosto de 2023 (por Paulo-Roberto Andel)

O futebol não é a minha vida, definitivamente (para surpresa de muitos), mas ele é uma parte bastante considerável da minha vida. Talvez a parte mais sonhadora e romântica, ao mesmo tempo que tem todas as mazelas da vida real. À essa altura, o que tento fazer é algo que lembro de uma letra de Renato Russo: viver pequenos momentos divertidos.

Há mais de quarenta anos, quando mal era adolescente, meu sonho era o Maracanã permanente. Lá eu me sentia bem – lá, na praia, em acampamentos e no cinema. Além do Fluzão eu ia ver outros jogos sempre que dava, especialmente do América. Vi quase todo o Torneio dos Campeões e a Taça Rio. Tempos depois, sacaneado pela força da grana covardemente, o America entrou num buraco de onde nunca mais saiu. Primeiro, alijado das competições nacionais e, a seguir, fora da primeira divisão do Rio onde, nos últimos anos, faz uma espécie de gangorra.

Recebi notícias de colegas americanos há pouco. Soube que, ao ser eliminado da fase final da segunda divisão carioca, o America viveu uma situação que beira o inacreditável: torcedores, jogadores e o treinador Alfredo Sampaio promoveram uma briga campal. O fato ocorreu nesta quarta (2/8) em Saquarema, após a derrota para o Sampaio Corrêa por 4 a 3.

Há anos, o America tem verdadeiros tumores dentro de si. Posso falar bem: há dez anos, ofereci meu trabalho para o clube junto com meu sócio, quando fomos ridicularizados por um cidadão que utiliza o codinome de “Professor”. Nosso objetivo era trabalhar com redes sociais e história, criar uma grande rede de apoio ao clube, captar sócios etc. Em pouco mais de uma hora de reunião, o sujeito se propôs a rir das nossas ideias e interromper nossos argumentos, perguntando “Mas que dinheiro você vai trazer para o clube?”. Depois da terceira intervenção grosseira, disse-lhe que fomos lá para oferecer nossa mão de obra e nossas ideias, e que dinheiro se consegue em bancos. Enfim, uma reunião inútil mas que nos serviu de lição e que talvez traduza muito do sofrimento do America: gente que vê o clube e sua história apenas como um banco, mesmo que sob escombros, sugando o que puder até o fim. O final da reunião foi patético: o cidadão pediu meu cartão de visitas e o recomendei a procurar meu nome no Google…

Nestes dez anos, o America já caiu várias vezes, viu sua sede se transformar em ruínas e vive uma agonia de paciente terminal, respirando por aparelhos. Para os garotos dos anos 1980 como eu, é uma derrota pavorosa. A gente tinha nossos times, mas adorava o America, assim como outras agremiações cariocas que vivem à míngua. Para nós, o Diabo era grandão, atrapalhava a gente e especialmente os rivais. Não ganhava mais títulos, mas estava na briga. Quantos de nós, já adultos, estivemos na arquibancada rubra em 2006, pela final da Taça Guanabara contra o Botafogo?

Eu e meu sócio fomos ridicularizados naquele dia da reunião. O “Professor” continua espetado no America. Resta saber que aulas estão sendo dadas no clube. Uma tristeza.

@pauloandel

Brasileirão 2023 x 2012 (por Robertinho Silva)

O Brasileirão de 2012, edição vencida pelo Fluminense, foi um certame marcado por grandes nomes. Muitos craques renomados mundialmente disputaram esta edição. Ronaldinho Gaúcho no Galo, Neymar no Santos, Deco e Fred no Fluminense, Juninho Pernambucano no Vasco, Seedorf no Botafogo, Diego Forlan no Internacional.

O Grêmio tinha Elano e Zé Roberto na meia. O O São Paulo tinha os jovens Lucas Moura e Casemiro. O Timão tinha Paulinho, o Cruzeiro tinha Walter Montillo, o Flamengo tinha Vagner Love, o Palmeiras tinha Marcos Assunção. Grandes nomes que fizeram história no mundo da bola, e que deram um tempero especial ao futebol brasileiro.

A temporada de 2012 foi recheada de grandes partidas. Grandes nomes e equipes que abrilhantaram o espetáculo. Porém, ao longo dos anos, isso foi diminuindo, por fruto de más gestões nos clubes e desequilíbrio econômico.

Vivemos um período de declínio em nível de competitividade. Um Brasileirão de cartas marcadas, onde antes da bola rolar, já sabíamos quem seria o campeão.

Anos depois de ter várias estrelas disputando o campeonato Brasileiro, o cenário se repete. A expectativa para a Série A aumenta cada vez mais, uma vez que grandes nomes que já fizeram história no futebol mundial jogam por aqui.

Temos Marcelo no Fluminense, Luís Suarez no Grêmio, Hulk no Galo, Renato Augusto no Corinthians, Charles Aranguiz e Enner Valência no Inter, Fernandinho no Athlético, Dudu no Palmeiras, Arrascaeta no Flamengo, Tiquinho Soares e Marçal no Botafogo, mais a mais recente contratação James Rodríguez no São Paulo.

É natural que surjam comparações entre 2023 e 2012. Apesar de Palmeiras e Flamengo terem dominado o cenário nacional nos últimos anos, com o Galo quebrando a hegemonia em 2021 vindo logo atrás, é possível se acreditar que o campeonato esteja retomando o equilíbrio técnico.

A chegada de dinheiro novo nos clubes e a mudança de modelo de gestão fazem com que tenhamos elencos mais robustos e grandes nomes, o que fortalece quem deseja desafiar a hegemonia de Verdão e Fla.

A tendência é que tenhamos um campeonato nivelado pra cima na parte técnica, e esses nomes sendo diferencial para as equipes. Óbvio, que vários deles não estão mais no auge da carreira, mas poderemos ver lampejos do que vimos de muitos deles na Europa em solo brasileiro.

Além desses grandes nomes, equipes intermediárias muito bem administradas, que vêm de temporadas sólidas. Equipes que conseguem fazer com que apostas se consolidem no mercado da bola, além de ter um bom trabalho na base.

Elementos muito bons para o futebol brasileiro retomar seu protagonismo.

America e Madureira, Luisinho e Wolney Braune (por Paulo-Roberto Andel)

Acordei com a cara no celular. Ainda meio zonzo, espio e a primeira postagem é da boa página Primos Pobres do Futebol. Opa, tem um vídeo de America e Madureira, vitória por três a zero, disputada no antológico estádio Wolney Braune.

Clico no vídeo e volto mais de quarenta anos no tempo. Dia 30 de agosto de 1981, um sábado à tarde em Vila Isabel ou Andaraí, conforme o gosto do freguês. Até então, o mandante rubro não conquistava um título estadual desde 1960 e não decidia um turno desde a Taça Guanabara de 1975.

Numa partida de maior brilho no segundo tempo, o grande americano foi o artilheiro Luisinho Lemos. Ele fez um golaço em cobrança de falta, que abriu o placar do jogo, chegando a 13 gols no Campeonato Carioca de 1981.

Algumas lembranças admiráveis. Aquela tarde foi gloriosa para os pouco mais de 2.000 americanos presentes. Na preliminar de juniores, o America venceu por impiedosos 5 a 0. No jogo de fundo, além do destaque de Luisinho, a classe do meia Manoel “Português” com excelente qualidade, afora o goleiro Ernâni, o volante Pires (ex-Palmeiras) e o jovem atacante Porto Real.

Será que os torcedores presentes naquele sábado sabiam que o estádio Wolney Braune trazia consigo uma longa história de futebol desde os tempos do Andarahy, depois passando pela Portuguesa, até chegar ao America?

Pelo Carrossel Suburbano, vale lembrar o experiente atacante Jorge Demolidor, com passagens em várias equipes cariocas.

##########

AMERICA 3 x 0 MADUREIRA
30/08/1981

Local: Wolney Braune (Rio de Janeiro);
Árbitro: Artur Ribeiro Araujo;
Renda: Cr$ 420.800,00;
Público: 2.104;
Gols: Luisinho 36 do 1.º; Lima (contra) 12 e Zé Paulo 42 do 2.°;
Cartão amarelo: Rogério

AMERICA: Ernani, Zé Paulo, Osmar, Heraldo e Alcir; Pires, Nélio e Manuel; João Carlos, Luisinho e Porto Real. Treinador: Marinho Peres

MADUREIRA: Gilson, Ramiro, Ivã, Rogério e Lima; Luis Carlos, Edson (Manfrini) e Tita; Chiquinho, Jorge Demolidor e César. Treinador: Jorge Ferreira

Internacional de Limeira, 1986 (por Paulo-Roberto Andel)

Dia 03 de setembro de 1986. Uma noite inesquecível para o futebol paulista e brasileiro. Depois de um campeonato disputadíssimo e das semifinais, Palmeiras e Internacional de Limeira decidiram o título do Paulistão diante de quase 80 mil pessoas no Morumbi, 90% delas palmeirenses.

O Palmeiras era tido como favorito natural, apesar de estar na fila de conquistas desde 1976. Tinha investido forte para quebrar o jejum, contando com jogadores consagrados como Lino, Jorginho, Edmar, Mirandinha e Éder. O que ninguém sabia era que a Inter, montada sem estrelas mas com ótimos jogadores, iria crescer como nunca para a decisão.

Pensando com mais calma, dava para perceber que o time alvinegro de Limeira não seria vida fácil: tinha feito um excelente segundo turno no campeonato paulista, contava com o excelente treinador Pepe e, nas semifinais, havia deixado o Santos pelo caminho. Definitivamente, a Inter não era favas contadas.

A primeira partida da decisão havia sido um empate sem gols, o que se repetiu no primeiro tempo da partida de volta – ambas no Morumbi, contrariando a ética futebolística. Resignada, a Inter aguentou a injustiça e botou seu bloco na rua. Logo fizeram dois gols, um com o saudoso Kita e outro com o ponta Tato. O placar de 2 a 0 bateu firme no senso comum e silenciou o Morumbi. Mais tarde o Palmeiras descontou com o zagueiro Amarildo de cabeça, após escanteio cobrado por Éder, dando novos tons ao jogo: a Inter recuou, procurando contra-ataques, e o Palmeiras foi desesperadamente em busca do empate. Kita perdeu uma chance com o gol vazio, e no último minuto o Palmeiras desperdiçou numa cabeçada de Mendonça, ídolo do Botafogo.

Pela primeira vez em 84 anos um time do interior paulista conquistava o campeonato estadual. Para muitos, uma infeliz lembrança daquela noite tinha sido a bola mal recuada pelo lateral Denys, provocando o segundo gol da Inter de Limeira, mas o grande jogo do time campeão não pode ser creditado apenas a uma falha do adversário. Lá estavam Gilberto Costa, o veterano zagueiro Bolívar, mais os atacantes Lê e Tato, nomes de respeito do nosso futebol.

A querida e simpática Inter de Limeira realizou uma grande campanha no ano de 1986. Conseguiu uma façanha que, quase quatro décadas depois, ainda é das maiores em nosso futebol.

##########

INTER DE LIMEIRA 2 x 1 PALMEIRAS

Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo, Morumbi;
Data: 3 de setembro de 1986;
Público: 78.564;
Renda: Cz$ 2.443.660,00;
Árbitro: Dulcídio Vanderlei Boschilia;

Gols: Kita 4’, Tato 8’ e Amarildo 29’ do 2ºT;

Inter de Limeira: Silas; João Luiz, Juarez, Bolívar e Pecos; Manguinha, Gilberto Costa e João Batista (Alves); Tato, Kita e Lê (Carlos Silva). Técnico: Pepe.

Palmeiras: Martorelli; Diogo (Ditinho), Marcio, Amarildo e Denis; Lino (Mendonça), Gerson Caçapa e Jorginho; Mirandinha, Edmar e Eder. Técnico: José Luiz Carbone.

Uma breve história sobre futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Há quem diga que o futebol é bobagem. Santa insensibilidade: se não fosse o futebol, o mundo seria muito pior porque, para centenas de milhões de pessoas, ele é a única chance de alegria em meio a um monte de ódio, opressão e covardia. Hoje à tarde, conversando com Raul, lembramos que o velho Maracanã era o único espaço de real convivência democrática da cidade entre ricos e pobres, abraçados nos gols e chorosos nas derrotas. Em muito menor escala, eu só consegui viver o mesmo no grupo de escoteiros: todos acampávamos com ou sem dinheiro, fazíamos vaquinha, apertávamos a comida, o ônibus mais barato. No grupo éramos uns setenta; no Maracanã, cem mil. Quantas vezes o futebol me salvou? Não sei dizer. Quando meu pai chegava derrotado e violento por causa da bebida, eu corria para o 434, ia para a geral e chorava vendo um jogo. Noutras vezes, eu ficava no corredor da arquibancada olhando a UERJ e sonhando em estudar lá. Noutras vezes eu ia porque era o único lugar em que, tão solitário, eu não me sentia sozinho. Foi assim muitas vezes. Sem o futebol, a depressão teria me vencido, eu teria executado o suicídio que iniciei e teria sido um desperdício, porque escrevi muitas coisas legais a seguir, o que eu não faria morto por motivos óbvios. O futebol me deu a ilusão de um monte de amigos juntos, caso da arquibancada; me deu sonhos em jogos e lances inesquecíveis; preparou meu espírito para saber encarar as derrotas. O futebol me deu muitos colegas, com quem interagi e trabalhei muitas vezes. Por exemplo, nesse domingo há 28 anos o meu time ganhou um dos maiores jogos de todos os tempos, com um gol de barriga. Naquele ano quase tudo deu errado pra mim, mas o campeonato valeu muito a pena. Muitos anos depois, foi o futebol que permitiu minha estreia em livro e, por gratidão, escrevi um monte de livros sobre o tema, vários ainda inéditos. Por causa do futebol vivi admirações, paixões e conheci minha esposa. Também conheci pessoas do Brasil inteiro, com quem converso sempre que posso – algumas colaboram com o meu site. O futebol só não me ofereceu mais abraços do que minha mãe. Você conhece ou segue um artista, acaba gostando mais dele quando é um entusiasta do futebol. Ele me faz esquecer as dores no corpo, a minha tragédia pessoal, a melancolia cotidiana. Por uma hora e meia, mesmo que o jogo não seja bom eu tenho meu pequenino momento de felicidade. Tanto faz se é uma partida importante ou esdrúxula – o jogo começa, eu volto a ter dez anos de idade e meu olhar persegue a bolinha na tela da televisão. Ah, se não fosse o futebol, como eu teria conversado com a Bibi Ferreira, o Gilberto Gil e a Letícia Spiller? E a Maria Bethânia? E o Italo Rossi? E como eu ia suportar o mundo agora, que me humilha todo dia enquanto sinto dores pelo corpo e choro por tanta gente humilhada feito eu? É domingo à noite, tudo parece perdido, tenho vontade de desistir mas penso na terça-feira, tudo pode ser diferente e surgir pelo menos uma luzinha no fim do túnel. Pode ser que eu não tenha um único amigo, pode ser que eu não consiga vender e está tudo perdido, mas a terça-feira me serve de esperança. Vou pensar no jogo, vou conversar com colegas para chegar logo o horário da partida. Agora é uma noite melancólica como todas de domingo, onde esperamos ótimas semanas que nunca, mas nunca chegam – ao menos para mim -, só que eu carrego comigo o futebol, a minha esmolinha, os meus botões que minha mãe comprou com tanto sacrifício, as histórias que vi e escrevi, as histórias que ainda preciso contar quando era garoto e, na Copacabana de orla escura, chutava a bola na areia com os colegas mesmo sem vê-la direito, nem o goleiro e o gol – assim como só nos resta viver, nos campos da praia só nos restava jogar, pouco importando se a bola iria para a direção correta, ou se um gomo da bola estivesse soltando. Aqui falo de quarenta ou quarenta e cinco anos atrás, que foram há um susto porque tudo é brevidade, mas a bola na praia, na vila, no playground do Gordinho e mesmo no Maracanã – meu pai me levou para ver não apenas o Fluminense, mas o America, o Bangu e até o Campo Grande, todos contra o Flamengo – eram tudo uma coisa só: um pequeno suspiro de felicidade.

@pauloandel

Uma rua sem nome (por Paulo-Roberto Andel)

Pode não ter sido o primeiro jogo que fui, mas é o primeiro jogo que me lembro de ter ido ao Maracanã. Foi em 1974, quando eu tinha cinco para seis anos de idade.

Eu não me lembro de nada da partida, mas do campo vazio quando o jogo acabou. Era noite, muito provavelmente de domingo.

Quando olhei o placar, tenho quase certeza de que foi um zero a zero. O Fluminense contra alguém, lógico.

Achei os degraus da arquibancada muito altos. Claro, eu era pequenininho, minhas pernas eram bem pequenas. Aí meu pai veio me dar a mão e desci para o túnel de acesso, bem escuro e estreito. Parecia uma aventura secreta por trinta segundos.

Então vinha a saída pelo corredor do Maracanã. Não era um jogo de muito público. Várias pessoas caminhavam na mesma direção que nós, outras vinham no sentido contrário. E um certo silêncio prevalecia dos dois lados, o que reforça minha impressão de empate.

Andávamos tranquilos, eu e meu pai de mãos dadas. Não me recordo de outro pai e filho por ali, não feito a gente. Éramos únicos.

Para mim, aquele corredor que levava à grande rampa de saída, imensa, gigantesca para mim, era como se fosse uma rua. Uma rua de futebol, com as pessoas indo e vindo depois de um jogo.

Depois da descida, havia carroças de cachorro quente com vários fregueses, e vendedores de laranja oferecendo uma promoção. Em frente ao portão do Maracanã, tinha uma grande estrutura de concreto, bem grande, com peças vazadas que me lembravam um palito plástico de picolé Chicabon.

E então pegávamos o trem para a Central e, de lá, o ônibus 154 para Copacabana, que nos deixava na porta de casa na rua Santa Clara.

Essa é uma lembrança de 1974, prestes a completar 50 anos. Infelizmente, meu pai não está mais aqui para me dar a mão e ninguém mais dará. Muito tempo se passou. O Maracanã agora é outro, super outro.

De toda forma, eu ainda procuro o túnel escuro e ínfimo, ainda espio a rua sem nome cheia de gente indo e vindo, todos ansiosos pelo próximo encontro, o próximo domingo no Maracanã, os altos degraus da arquibancada.

É que cinquenta anos não são nada diante do sonho de uma criança, descobrindo seu lugar preferido no mundo.

@pauloandel

O botão (por Paulo-Roberto Andel)

Perto da cabeceira da cama, encontro um botão do Flu.

Basta um segundo e o futebol dá mil voltas na minha cabeça.

O botão tem vida própria, muito além da mesa de jogo. Ele te leva ao Maracanã, a São Januário, ao Andaraí.

Um gol de Robertinho, de Parraro, de Cano ou até um inédito de Alexandre Jesus.

O botão navega pela grande nuvem de pó de arroz na arquibancada. Abre um bandeirão gigantesco. Vira um super-herói como Ézio, ou viaja 60 anos no tempo para incorporar Waldo, 80 para Romeu Pelicciari ou ainda um século para reviver Welfare, o tanque tricolor.

O sonho que um botão proporciona pode virar cena de cinema dos aspirantes, com um golaço de ninguém menos do que Paulo Cezar Saraceni, fera tricolor que deixou os gramados para mergulhar em câmeras e ação. E torcendo pelo amigo, Mário Carneiro testemunharia o grande gol da geral.

Um botão do Fluminense para atravessar o tempo, recordar histórias maravilhosas e outras terríveis, porque a vida é imperfeita.

Ah, o botão: ele pode ser Telê Santana, Brant, Jair Marinho ou Doval. Pode ser Preguinho, Pinheiro ou Cléber, pode ser Vander Luiz ou Ângelo.

O botão, em campo ou sob simples admiração, é uma vida. Ele é o futebol em riste, a alegria, a saudade.

A saudade.

Moisés e o Bloco das Piranhas (por Paulo-Roberto Andel)

Em 1971, o Rio de Janeiro não podia ser considerado exatamente um mar da tranquilidade por vários motivos, mas tudo se acalmaria quando chegasse o Carnaval. E num amigável dia de treino no Vasco da Gama, no garboso estádio de São Januário, surgiu uma das maiores instituições de samba e futebol do país, criada por um dos maiores personagens da cidade, hoje pouco falado.

Nasceu o Bloco das Piranhas, idealizado pelo zagueiro vascaíno Moisés, com uma pegada polêmica e, ao mesmo tempo, popular: a formação contava com jogadores do futebol carioca, todos devidamente vestidos de mulher e com toda a vaidade que o carisma feminino exige.

O bloco passou a desfilar em Madureira e, por conta da popularidade de seus integrantes, logo arrastou uma multidão pelo bairro. Moisés, embora nascido na cidade de Resende-RJ, era o arquétipo do carioca, com sua irreverência, bom humor, malandragem e cultura – quem já viu suas entrevistas sabe que praticava um português perfeito e elegante. Com seu carisma, o zagueiro logo trouxe uma turma da pesada do futebol, ligada ao Vasco: o volante Alcir Portela, o zagueirão Joel Santana e o artilheiro Dé O Aranha. Em pouquíssimo tempo os jogadores de todos os times começaram a aderir ao desfile, que só sofreu um desfalque forte uma única vez, em 1975, quando os jogadores do Fluminense passaram o sábado de Carnaval no Maracanã por um motivo nobre: a apoteótica estreia de Rivellino diante do Corinthians, numa goleada por 4 a 1. Outros personagens marcantes do bloco foram os saudosos Manguito e Perivaldo, respectivamente zagueiro do Flamengo e lateral direito de Botafogo, Bangu e Seleção Brasileira, e os ativíssimos Brito (campeão mundial em 1970), Vanderlei Luxemburgo e Zé Roberto Padilha.

Até o final dos anos 1990, o Bloco das Piranhas foi um sucesso absoluto, mas acabou não renovando o quadro de jogadores – muitos surgidos estavam mais ligados nos desfiles da Sapucaí – e então encerrou suas atividades. Mas durante duas décadas e meia ele foi um símbolo glorioso do Carnaval do Rio, onde jogadores acostumados a estrelar manchetes e jogar no Maracanã para mais de 100 mil pagantes, eram simplesmente divertidas e simpáticas transformistas que levavam a alegria do futebol para a maior festa popular do Brasil. A cada ano, o Bloco e seus personagens são rememorados, mostrando a força de sua representação.

Moisés, o responsável por toda aquela farra, foi um símbolo de carioquice e jogou em muitos dos principais clubes brasileiros, encerrando sua carreira no Bangu e, por isso mesmo, vivendo um Carnaval à parte sob a liderança de ninguém menos do que Castor de Andrade, um personagem que desafia definições. Apesar de sua fama de durão e de suas frases de efeito, como “Zagueiro que se preza não ganha o prêmio Belford Duarte”, foi bom jogador e depois teve tudo para ser um excelente treinador, mas recebeu menos chances do que deveria. Homem do futebol, do samba e da praia, Moisés ainda merece o devido reconhecimento como uma das personalidades mais marcantes de seu tempo.

Ivan Lessa e um Fla x Flu (da Redação)

Original: “Tempo e tape”, Diário Carioca, dezembro de 1965

A cidade inteira comentava o Fla-Flu que terminara e eu, nas profundezas de um sétimo andar ainda não começara a torcer. Todos traziam guardados na lembrança os gols de Silva e Samarone como quem leva consigo um objeto de uso pessoal novinho em folha, e eu, insulado em outra faixa temporal, num sétimo andar, preparava-me para o início da partida ‒ ainda nem entrara em campo. Eu era um jogador antes do jogo; friccionavam-me com álcool, colocavam-me joelheiras; davam-me instruções. Eu confiava na vitória e estava certo de que tudo faríamos para vencer a peleja. Eu e o time estávamos em boa forma ‒ física e psicológica.

Enquanto isso a cidade comemorava ou explicava. A bola chutada, machucada, esvaziada, que conhecera os pés dos jogadores, as mãos cuidadosas dos goleiros e, por três vezes, o fundo acolhedor das redes, ainda rolava macia e saltava fagueira. Todos os gols acontecidos ainda estavam por acontecer. Mas os flamengos sorriam e os fluminenses justificavam e eu ‒ eu não sabia de nada. E além do mais sou botafoguense.

O seguinte: o jogo começaria às 18h:00 e terminaria lá por volta de 20h:00. Às 20h30 o video-tape completo na TV Continental. Às 18h, pois, tranquei-me em casa sem rádios, nesta época em que as pessoas sem rádio estão cada vez mais desvalorizadas. E esperei. Por duas horas esperei. Mas há uma técnica: há que cuidar para que os barulhos da rua não denunciem os tentos. Gol do Flamengo vem, geralmente, acompanhado de muito foguete. Já os tentos do Fluminense são mais sóbrios: fazem-se sentir pela presença na janela de dois meninos sorridentes, e quietos. Os do Botafogo só aparecem perto de um bar em rua de muita árvore: são vistos na expressão de um senhor com um cachorro ao lado. Os do Bangu são silenciosos: um rapaz para a bicicleta e agita uma pequena bandeira alvirrubra. Os do América surgem em praça vazia e é quase certo que serão anulados. Barulho mesmo só nos tentos do Flamengo. E do Vasco, é claro, que vem a dar no mesmo.

A salvo dos tentos da rua, precisa-se evitar que um amigo ‒ totalmente alheio às coisas do futebol ‒ entre em casa no intervalo do jogo real e o jogo em tape, exclamando:

‒ O Fla-Flu foi vencido pelo Flamengo por dois a um…

Esse camarada não diz nunca Fla-Flu, chama de Fluminense-Flamengo ou, o que é ainda pior, de Flu-Fla. Evite-o.

E de 20h15 às 21h40 assiste ao jogo que terminara às 19h45. Na televisão havia sol, lá fora escurecia. Na minha casa, pelo menos, o Fluminense ainda poderia ganhar a partida. Havia tempo para reações e tentos nos últimos instantes. Havia tempo. Um tempo em tape. Preso e difícil. Preso a um sol que se acabara, difícil como mastigar o que já fora engolido.

O vergonhoso silêncio do mundo do futebol sobre o caso Daniel Alves (por Paulo-Roberto Andel)

Vi Casagrande começar a carreira. Bom jogador, artilheiro e um dos mais conscientes nomes do futebol brasileiro. Cria de Sócrates, não podia dar noutra coisa. Virou um dos melhores comentaristas de futebol do Brasil, justamente porque não se limita às quatro linhas. Tem profundidade. E tanto faz sua orientação política, poderia ser de direita mas não é.

Justamente por isso, o caso do “Bife de Ouro” deu repercussão. Ronaldo, um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos (e cartola contestado na Espanha), ficou irritado e achou absurdo que não pudesse encher sua pança com a carne dourada em paz. Afinal, o que são milhões e milhões de brasileiros em insegurança alimentar e miséria, não é mesmo? Ele só se esqueceu de uma coisa: o bom senso em respeito ao povo que o idolatra. Kaká disse que, no Brasil, não se respeita ídolos e que, se andasse na rua, o próprio Ronaldo não passaria de um… gordo. Com todo o desastre da analogia, parece que o problema é de antropologia, de ida ao campo: o próprio Kaká não deve andar na rua…

A seguir, o que não faltou foi gente colocando a boca no trombone. Por exemplo, o mesmo Kaká e Marcos, dois ex-jogadoraços mas que, na hora da opinião pública, são tremendos pernas de pau. Desastrosos. Eram bem melhores quando falavam o mínimo em entrevistas.

O deboche da panelinha pentacampeã mundial rendeu muitos memes e likes, que no fim das contas dão lucro, mas mostrou de certa forma quem é quem nesse tabuleiro do futebol.

A ausência de “tetracampeões” e “pentacampeões” mundiais ao velório de Pelé foi muito comentada, mas contou com a cara de paisagem da turma. Afinal, para que homenagear Pelé sem um cachet no estilo da FIFA, não é verdade? Hipocrisia pouca é bobagem.

Os “penta” morreram de rir quando Casagrande foi indicado numa enquete do UOL como o pior comentarista da TV. Enquete, feita com duas dezenas de jogadores, em sua maioria baba-ovos da, digamos, “patota” da FIFA. Enquete, que vale menos do ponto de vista científico do que o estudo de uma casca de banana podre. Riram e debocharam, mas é compreensível: todos são multimilionários, ganharam uma Copa do Mundo, têm poder mas não possuem nem o talento, nem a qualificação, nem o senso crítico de Casagrande – e isso é que lhes dói. Há pessoas que são tão pobres que só têm fortuna e mais nada. Carisma e intelecto não se compra com bifes de ouro, nem relógios no pulso que valem um apartamento…

Tudo isso bate nos últimos dias com um acontecimento lamentável, abominável e criminoso, praticado por um membro honorário da turma: Daniel Alves. Estas linhas não são escritas para cometer leviandade nem hipocrisia: dadas as informações e apurações, dificilmente o jogador escapará da sentença condenatória por motivos evidentes e publicamente conhecidos. Aliás, é quase impossível que escape, pelas provas já colhidas e noticiadas.

Os jogadores acima citados e outros da “rapaziada” como Cafu e Rivaldo, até agora não deram um pio diante da barbaridade de Daniel Alves. Uma única sílaba. Vários “penta” o conhecem ou são amigos pessoais, alguns jogaram com ou contra ele.

É um silêncio que, embora perturbador, não surpreende quem conhece futebol: há muito tempo, a maioria absoluta dos jogadores de sucesso no exterior não tem o menor compromisso com a Seleção, imaginem com o povo brasileiro.

Em certo momento, parecem crer que são seres intocáveis, iluminados, incontestáveis e que conseguiram suas fortunas exclusivamente pelo mérito individual – o que sabemos ser impossível no esporte de alto rendimento.

Talvez não seja apenas corporativismo: nenhum deles deu qualquer pio sobre o massacre dos Yanomamis, cujas imagens fazem qualquer pessoa ter vontade de chorar por remeterem aos campos de concentração nazistas. É alienação, mesmo. Ignorância. Estupidez. Querem ditar a idolatria ao povo brasileiro mas o ignoram solenemente.

A grande verdade é que a maioria dessa turma não está nem aí para nada. Acreditam até ser pentacampeões tendo vencido apenas uma vez. Vivem num mundo à parte, onde não cabem 99,99999% do povo brasileiro, que ama o futebol muito tempo antes da existência desses caras, que aliás não seriam titulares de nenhuma das seleções campeãs em 1958, 1962 e 1970. Esse é o principal motivo de não serem tratados como reis; é mais fácil jogar a culpa nos outros do que admitir a própria inferioridade em relação a jogadores de épocas anteriores. Poderiam pelo menos olhar o YouTube de vez em quando para lhes servir de injeção de simancol.

O silêncio sepulcral dessa turma diz muita coisa. Nada de positiva.

Para não esquecer: o artigo foi em cima dessa turma, mas se estende a todos os jogadores de futebol que passam pano ou fazem cara de paisagem diante de um crime de estupro.

Só lembrando: o futebol é maravilhoso e apaixonante. É o esporte mais visto e praticado no mundo. Infelizmente, isso não o isenta de péssimas pessoas que dele obtiveram ou obtêm fama e fortuna. Mas elas poderiam ao menos se lembrar de que tiveram ou têm mães, esposas e filhas, fato que por si só não permite a nenhum homem digno fazer silêncio diante de algo tão hediondo quanto um estupro.

@pauloandel

Atualizado às 14:32h, 26/01/2023

A voz do Gilsão (por Paulo-Roberto Andel)

Houve um tempo em que o futebol era a vivência no estádio e a voz do rádio. Sim: imagens eram raras na televisão, raramente as partidas eram transmitidas, as fotos só ficavam disponíveis nos jornais do dia seguinte e, num domingo, você só via os gols no Fantástico, lá pelas dez da noite, ou o VT da partida na TVE à meia noite. Assim sendo, gerações e gerações de futebol foram criadas pela narração, locução e reportagem esportiva.

Lá atrás, marcaram época no Rio de Janeiro nomes como Ary Barroso e Oduvaldo Cozzi. Depois, Orlando Baptista, Waldyr Amaral, Jorge Curi, Antônio Porto, Loureiro Neto, Danilo Bahia, Doalcey Bueno de Camargo, Ruy Porto, João Saldanha, Mário Vianna (com dois ênes), Alberto Rodrigues, Luiz Mendes e muitos outros. Neste domingo, sentou praça na eternidade Gilson Ricardo, que apesar de baixinho era chamado de Gilsão. Explica-se: a baixa estatura não era páreo para o enorme vozeirão que, por muitos anos, marcou as jornadas esportivas da Rádio Globo e, posteriormente, da Super Rádio Tupi.

Nas últimas décadas, Gilson Ricardo formou um trio de ferro ao lado de outros dois gigantes que dispensam apresentação: o Garotinho José Carlos Araújo e Gerson Canhotinha de Ouro. Tão poderosos que, com o tempo, ampliaram seus domínios, chegando também à televisão.

Gilsão criou dezenas de bordões, mas dois deles se tornaram inesquecíveis: “Que zoeeeeeiiiiraaaa!”, celebrando a comemoração da torcida na hora do gol, e “Para com isso”, geralmente criticando uma jogada errada – este ficou tão popular que os ouvintes ligavam para a Rádio Globo e pediam o bordão personalizado. Dos anos 1980 até ontem, foram muitos e muitos gols comentados por seu talento e voz inigualáveis. Passam por nomes como Assis, Zico, Roberto, Romário, Edmundo, Bebeto, Fred, Renato Gaúcho, Felipe, Roger Flores, Túlio Maravilha, Obina, Gabigol, Pedro, Seedorf, Washington e muitos outros. São muitos nomes.

A Gilson Ricardo, devo uma grande chance, cavada pela amiga Lau Milesi: em seu programa da Rádio Globo, tive minha primeira oportunidade de divulgação na grande mídia, falando de meu primeiro livro “Do inferno ao céu – a história de um time de guerreiros” em 2010. Anos mais tarde, com o apoio da querida jornalista e produtora Nathália Pereira, participei diversas vezes do programa esportivo de Garotinho no SBT, sempre com Gilsão e Gerson, inclusive lançando outros dois livros lá. Eu achava impressionante como aqueles caras, todos craques, se encontravam a um minuto do início da transmissão e, de repente, explodiam como se ali estivessem por horas. Coisa de feras entrosadas.

Agora, o que devo a Gilson Ricardo e também a Garotinho, Gerson, Edson Mauro, Ricardo Mazella e tantos outros gigantes do rádio esportivo é, sem dúvida, a melhor coleção que tenho: a de memórias de jogos imortais, de lances divertidos e inusitados, de paixão e drama, de romance, de futebol com Maracanã de geral e orelhão atrás do gol, de craques e figuraças. As memórias que comecei a juntar ainda garoto e continuo colecionando por aqui. É o rádio, a voz, a voz que dita cenas inesquecíveis que posso sequer ter visto, mas as sonhei.

Hoje não tem zoeira, mas sim uma saudade gigantesca.

@pauloandel

Alvorada de futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Acordei com a TV ainda ligada na reprise de Argentina x Holanda – os hermanos já estão na final da Coupe du Monde. Espiei, levantei e bebi um copo d’água, não foi o suficiente, abri uma latinha de Fanta Guaraná e um pacotinho de amendoim. Quatro horas da manhã, eu achava o cúmulo alguém acordar à essa hora mas não sou um idiota: milhões de pessoas estão em pé neste momento rumo a ônibus e trens em busca da sobrevivência por meio do trabalho. É desumano.

Li o post da Claudia Sobral e me solidarizei. Cadê nosso sono? Eu sou uma bomba de problemas insone, prestes a explodir e tudo que não quero são discursos hipócritas em meu enterro um dia, que espero estar longe daqui. Sempre odiei a hipocrisia. O que tiver de fazer, faça logo. O resto é hipocrisia e canastrice, é discurso para boi dormir – e eu sou um boi insone.

Do nada, lembrei de Karl-Heinz Rummenigge. Um grande craque do meu tempo. Ele jogou demais. Nunca vi ninguém chamá-lo de fracassado ou covarde ou limitado porque não foi campeão mundial – seria ridículo. Onde está Rummenigge? Bom, agora Messi está redivivo – era um fracassado para muitos, com todo o ridículo desta sentença, mas a chance de fechar a carreira com a Copa do Mundo o reabilitou a ponto de muitos brasileiros louvarem-no, esquecendo-se das besteiras que diziam até um mês atrás porque essa é a vocação de parte considerável do nosso povo: dizer besteiras sem pensar. Se pensassem, teriam vergonha do que dizem. Assim, Messi voltou a ser o que era para muitos de nós, um cracaço dos maiores, o que não quer dizer que tenha superado Maradona e vários nomes brasileiros. É um grande craque e ponto.

Falo de futebol na madrugada para me entorpecer e aliviar. Sem futebol, talvez eu nem tivesse chegado até aqui. Certamente escrevo sobre muitas coisas, mas futebol é praticamente meu oxigênio. Ele alivia a dor da minha família morta, da perda de amigos, das traições dos falsos ex-amigos, da ingratidão medíocre e mesquinha, das contas que enforcam, da tristeza de ver tanta gente sofrendo o tempo todo. Sem futebol, meu suicídio seria fato consumado. É minha igreja, mas não sou fanático: apenas amo.

Deixo Rummenigge e lembro dos meus botões em 1979. Faz muito tempo. Eu ganhei um Fluminense e um Flamengo da minha mãe, comprados nas Lojas Americanas de Copacabana, bem ao lado do consultório do nosso dentista, o Dr. Amílcar no Edifício Ritz. Dois times novinhos, você colava as carinhas dos jogadores nos botões. Edinho, Pintinho, Zezé, Miranda. Já são 43 anos e penso nisso como se fosse semana passada.

Provavelmente perdi mais uma batalha para a insônia. O jeito é ligar no Hora 1, ver as mesmas notícias de ontem à noite, encarar a realidade dos fascistas impunes no terrorismo impune em Brasília. Mais um dia de muita preocupação pela frente. Mesmo assim sou um privilegiado, por incrível que pareça com as dívidas colocando meu pescoço na guilhotina: tenho um bom ventilador, uma cama confortável, um jornal na TV e posso descansar até dez da manhã, pelo menos. Eu tenho o futebol.

Atrás da cortina azulada, o dia claro dá sinais de vida. Escuto um silêncio enorme. Não há ninguém por perto, ninguém. Pensando bem, raras vezes teve. Lá vem mais um dia. Há dor, depressão e também a sorte.

Paz na terra aos homens de boa vontade. Rolam os dados. O que tiver de ser, será.

@pauloandel

Está chegando a Copa (por Paulo-Roberto Andel)

Parecia tão longe que ainda demoraria muito, mas o tempo é implacável e aí está a Copa do Mundo, diante de todos os corações. Começará em menos de quinze dias e trará de volta um turbilhão de emoções para todos que amam o futebol.

Eu olho para trás e penso nas Copas que vivi. Uma Copa do Mundo sempre tem muitas Copas do Mundo nas costas, uma bagagem especial.

Nós sonhamos em reviver nossos melhores momentos sempre. Agora mesmo me divido: a criança vendo a chuva de papel picado na rua em 1978, o menino vendo os golaços do Brasil 1982.

E os grandes jogos? E os craques? Quem serão os verdadeiros protagonistas do Mundial do Catar?

Será que vamos ter outra “Mano de Dios”?

Quem vai ser o novo Gordon Banks, voando baixo para fazer o impossível?

Sonhos de um futebol mágico e eterno, tal como o de Garrincha no Chile, acertando o possível e o impossível. Quem sonhará?

Ou aqueles malucos geniais e maravilhosos da Holanda, trocando passes e trocando de posição, deixando os adversários embasbacados a todo instante? Ou ainda mais longe, do super timaço da Hungria em 1954?

A Copa é eterna. Ela abre a cortina. Falei aqui de lances que vi na TV muito depois de terem acontecido, bem como outros que sequer vi ao vivo, só ouvi falar. Tudo fica muito vivo, pulsante.

Estão abertas as vagas para o grande espetáculo do futebol na Terra. Estamos à espera de grandes lances definitivos, de jogos para se sentir o coração na boca. Uma coisa é certa: durante um mês, todos os corações do mundo vão perseguir o sonho do futebol. Bares cheios, churrascos, tevês cercadas por olhos atentos. Seleções clássicas e humildes. Jogos simples e apoteóticos. O sonho, o drama, a paixão.

Se não der pra rever o fantástico Pelé atormentando os goleiros Viktor e Mazurkiewicz, que seja o Ronaldinho fuzilando Oliver Kahn. Cercado de jovens, o já veterano Neymar terá sua oportunidade derradeira. Thiago Silva, decano de quatro Copas, também.

O sonho brasileiro da Copa é igualzinho àquela tarde já distante de 1994, quando Jorginho fez um cruzamento perfeito e Romário, sempre ele, subiu três metros de altura para cabecear de forma indefensável, deixando o goleiro sueco Ravelli sem pai nem mãe. A seguir, Romário abre os braços, seguro da vitória imortal, e a gente faz um país, daqueles que casam a voz de Marina Lima com os versos de Antônio Cícero.

Está chegando a Copa!

@pauloandel

Lima Barreto, o genial inimigo do futebol (por Paulo-Roberto Andel)

Poucos anos de seu surgimento no Brasil, o futebol já causava furor em debates na imprensa.

Extremamente popular na capital da República, o famoso esporte bretão também era motivo de polêmicas e, onde elas estavam, havia também a presença de um dos maiores escritores brasileiros de todo os tempos: Lima Barreto. Sua luta contra o futebol foi declarada contra outro craque da época, Coelho Neto.

“O futeból é eminentemente um factor de dissenção. Agora mesmo, elle acaba de dar provas disso […].O Sacro Collegio do Futeból reuniu-se em sessão secreta, para decidir se podiam ser levados à Buenos-Ayres, campeões que tivessem, nas veias, algum bocado de sangue, negro-homens de cor. […] O conchavo não chegou a um accordo e consultou o Papa, no caso, o eminente Sr. Presidente da República. S. Ex. […] não teve dúvida em solucionar a grave questão. Foi sua resolução de que gente tão ordinária e compromettedora não devia figurar nas exportáveis turmas de jogadores; lá fora, accrescentou, não se precisava saber que tínhamos no Brazil semelhante esterco humano. […] O que me admira, é que os impostos, de cujo producto se tiram as gordas subvenções com que são aquinhoadas as sociedades futebolescas, não tragam também a tisna, o estigma de origem, pois uma grande parte delles é paga pela gente de cor.”.

“É o fardo do homem branco: surrar os negros, afim de trabalharem para elle. O futeból não é assim: não surra, mas humilha; não explora, mas injuria e come as dízimas que os negros pagam.”

CLIQUE AQUI.

Lançamento do livro “Andarahy Eterno” (da Redação)

Neste sábado (8), o escritor Kleber Monteiro lançou seu segundo livro, “Andarahy Eterno”, que conta a trajetória completa do mais importante dos times cariocas extintos do futebol carioca.

O evento aconteceu no Largo do Dondon, coração do Andaraí, e contou com a participação de dezenas de leitores que, além da obra literária, também adquiriram réplicas de camisas do majestoso clube alviverde.

“Andarahy Eterno” foi produzido pela Vilarejo Metaeditora e pode ser comprado com o próprio autor pelo WhatsApp 21 99791-5589, ou ainda no Sebo X (Instagram @seboxis).

Flu x Corinthians, o que esperar? (por Robertinho Silva)

Nesta quinta-feira, Corinthians e Fluminense se enfrentam na Arena Itaquera pela partida de volta da Copa do Brasil. No primeiro duelo, empate em 2 a 2 no Maracanã. Por um lado, o Tricolor tem motivos de sobra para se manter otimista. Venceu por 2 a 1 o bom time do Fortaleza no Maracanã pelo Brasileiro.

Por outro lado, o Flu tem muito a lamentar. O time tem tido queda de rendimento, especialmente na segunda etapa dos jogos. É nítido que o time está esgotado fisicamente, e para este jogo decisivo não poderá contar com o meia André, um dos pilares do time tanto na marcação, quanto na construção de jogadas ofensivas. Fernando Diniz terá que escolher entre manter seus jogadores em campo até o limite da ruptura física, ou fazer alterações mais cedo e ter uma queda vertiginosa de rendimento.

Apesar dos pesares, o Fluminense deixa razões para deixar o torcedor esperançoso. O Fluminense é o segundo time mais eficiente nas finalizações, ficando atrás apenas do Inter de Mano Menezes. Vem apresentando bons números fora de casa, sendo o segundo melhor visitante no Brasileiro, e tendo vencido todas longe de seus domínios na Copa do Brasil. O retrospecto de Fernando Diniz jogando contra treinadores estrangeiros que até o momento é de 73,8%. Germán Cano fez as pazes com as redes, fez os dois diante do Fortaleza e retomou a artilharia do campeonato. O goleiro Fábio é o único do atual elenco a ter vencido o Corinthians na Arena Itaquera. Na ocasião, foi campeão da Copa do Brasil em 2018, vencendo por 2 a 1 e garantindo o hexacampeonato da competição para o time celeste.

Outro ponto que me chama bastante atenção nesse Fluminense, é como o time melhorou na construção das jogadas, na compactação de marcação. Isso justifica a tamanha eficiência durante a temporada.

O Fluminense se inspira no épico e memorável jogo de 1984 diante do mesmo Corinthians, válido pela semifinal do Brasileiro daquele ano. Naquela partida, o ex-zagueiro Ricardo Gomes apontou que a classificação a decisão após um jogo que classificou como “tecnicamente perfeito”.

Na final, o Fluminense enfrentou o Vasco, que havia eliminado o Grêmio. No primeiro jogo, vitória por 1 a 0, gol do craque Romerito. Na segunda partida, empate sem gols e título garantido para o time das Laranjeiras.

Foto: UOL

A Taça Rio do America, 40 anos depois (por Paulo-Roberto Andel)

Entre setembro e novembro de 1982, aconteceu a primeira edição do segundo turno do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro com nova nomenclatura, batizado como Taça Rio. Começava uma nova era de charme que duraria vários anos, em contrapartida à consagrada Taça Guanabara, criada em 1965.

O futebol do Rio fervilhava. Os times possuíam muitos jogadores de qualidade, os clássicos eram sinônimo de Maracanã lotado. Apesar da natural disparidade de forças entre as grandes equipes e as de menor investimento, é correto dizer que todos os times da Primeira Divisão do Rio em 1982 tinham valor. Além dos chamados quatro grandes, brigavam America e Bangu, além do Campo Grande (campeão da Série B do Brasileirão naquele ano), o atrevido Bonsucesso e os sempre incômodos Americano e Volta Redonda. Até mesmo a Portuguesa, que fez uma campanha ruim, aprontou contra Fluminense e Flamengo, vencendo os dois clubes respectivamente por 2 a 1 e 3 a 2 – este, num jogo épico na Ilha do Governador.

Já consagrado na temporada pelo título do Torneio dos Campeões, que tem o peso de uma competição nacional, o America conseguiu apenas o sexto lugar na Taça Guanabara. Entretanto, reagiu no returno e marcou seu nome na história da Taça Rio como seu primeiro campeão, apesar de começar a jornada com uma derrota.

A campanha rubra na Taça Rio 1982:

America 1 x 3 Botafogo (Maracanã)
America 4 x 1 Volta Redonda (Wolney Braune)
Americano 0 x 1 America (Godofredo Cruz)
Bonsucesso 0 x 0 America (Moça Bonita)
America 2 x 0 Campo Grande (Wolney Braune)
Vasco 0 x 2 America (Maracanã)
Bangu 2 x 2 America (Maracanã)
Flamengo 0 x 2 America (Maracanã)
Portuguesa 1 x 3 America (Caio Martins)
America 5 x 0 Madureira (Wolney Braune)
Fluminense 2 x 4 America (Maracanã)

A Taça Rio deu ao America a oportunidade de disputar o título estadual de 1982 contra Flamengo (campeão da Taça Guanabara) e Vasco (time com a maior soma de pontos nos dois turnos do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro), num triangular final. Duas derrotas por 1 a 0 alijaram o time do título esperado desde 1960, mas a bela campanha da Taça Rio é uma doce lembrança dos tempos em que o America era protagonista e admirado.

A vitoriosa campanha americana na Taça Rio contou com nomes como os de Gasperin, Chiquinho, Eve­raldo, Zedílson, Aírton, Pires, João Luís, Moreno, Gilberto, Luisinho Tombo, César, Serginho, Gilson, Donato, Jorginho, Adilson, Duílio e Elói, mais os treinadores Dudu e Edu.

O Fortaleza embalou! (por Robertinho Silva)

O Fortaleza está embalado e está com 100% de aproveitamento no returno. Com cinco vitórias consecutivas e seis jogos sem perder, o Leão do Pici abandonou a lanterna, e já é o 12.º colocado no campeonato com 30 pontos.

O Tricolor Cearense conseguiu uma importante vitória por 1 a 0 contra o São Paulo no Morumbi. Se Capixaba fez o gol, por outro lado, o grande nome da partida foi o goleiro Fernando Miguel, que teve atuação de gala fechando o gol. O arqueiro fez sete defesas na partida, sendo quatro delas espetaculares.

Fernando Miguel disputou sua sétima partida no Brasileirão e não sofreu nenhum gol. São 691 minutos sem ter a sua rede balançada no campeonato. O Fortaleza vai se distanciando da luta contra o rebaixamento, faz uma campanha de recuperação incrível neste certame. Pode até sonhar com uma vaga na Libertadores.

Vale destacar; o Fortaleza paga pelo preço do próprio sucesso. Com receitas e elenco médios, os cearenses resolveram focar nas Copas, e por isso, jogou algumas partidas do Brasileirão com time inteiramente reserva ou misto. Acabou passando por um período na lanterna do campeonato. Mesmo assim, por diversas vezes, o time do técnico Vojvoda jogou bem, mas o resultado não foi o esperado. O time mostrava sinais de reação, faltava apenas um pouco mais de sorte.

Neste momento, a chave virou: o Fortaleza vive um momento de retomada no Brasileiro. Dá pra se dizer que o Leão se arriscou de forma “calculada”, fez uma excelente participação em sua primeira vez na Libertadores, e apesar dos pontos desperdiçados no campeonato, faz uma excelente campanha de recuperação neste segundo turno. Na Copa do Brasil, foi eliminado pelo Fluminense nas quartas, mas fez um jogo duríssimo, deixando uma sensação de orgulho no seu torcedor.

O presidente Marcelo Paz já deixou clara a intenção da permanência de Juan Pablo Vojvoda para 2023. Para mim, o argentino é um dos pilares desse projeto lindo que vem fazendo o Fortaleza. Não sei se o Fortaleza conseguirá novamente a vaga pra Libertadores, se vai jogar a Sul-americana, mas o Leão do Pici para mim já é um grande campeão. O campeão da emoção!

Félix, Fluminense, a gênese (por Paulo-Roberto Andel)

A primeira lembrança que tenho sobre futebol está em vias de completar meio século. No entanto, lembro dela como se tivesse dez ou quinze anos de distância. De uma vez só, me encontrei com o esporte, o ídolo e o meu time.

Em algum lugar do primeiro semestre de 1973 – e depois vocês vão entender a precisão -, era noite em Copacabana, no alto da rua Santa Clara. Nós morávamos num prédio de quatro andares, sem elevador, que já não existe mais – foi derrubado para a construção de um apart-hotel.

Nosso apartamento era grande e confortável. Para mim, era gigante. Eu sempre me lembro de ficar no quarto. No do meus pais, também tinha uma cama pequena para mim, onde dormia às vezes, geralmente de tarde. E tinha a saleta, onde eu brincava de Polly e outras coisas.

Naquela noite, eu estava no quarto dos meus pais, na minha segunda cama, enquanto eles estavam na sala, acho que com visitas. Num súbito, meu pai abriu a porta e vem falar comigo. Todo orgulhoso, ele trazia consigo outra descoberta para mim: um álbum de figurinhas. Ele os adorava, e é uma lástima para mim que todos tenham se perdido com nossas mudanças. Os álbuns eram uma declaração de amor do meu pai pelo futebol.

“Paulo, olha aqui. Esse é o Félix, ele é do Fluminense. É o goleiro do Fluminense e do Brasila”.

Parei e olhei com atenção. Eram duas palavras completamente novas para mim, Félix e Fluminense. Eu as decorei de imediato, então posso dizer que naquele momento, cercado pela felicidade de meu pai ao me mostrar o álbum, num só instante eu me tornei Fluminense – se é que já não era -, fã do Félix e, inevitavelmente, do futebol. Foi tudo um furacão de sentimentos, vejam vocês: eu era Fluminense, já era torcedor mas nem sabia as cores do time ou como era seu escudo. Numa cena de quinze segundos, eu tinha um time, um ídolo, mais um esporte para seguir pelo resto da vida. Não me apaixonei primeiro pelas cores, pela torcida, pelas bandeiras ou pelos jogadores: meu amor pelo Tricolor nasceu da palavra escrita, falada, num supetão. Ploft: Fluminense!

Félix veio junto. Eu começava a decorar as letras e palavras, e aquele nome foi tão marcante para mim que Félix e Fluminense significavam a mesma coisa, uma coisa só. Faz sentido: Félix é um dos maiores ídolos da história do clube. Cheguei a vê-lo, ainda muito criança e ele como a muralha da Máquina 1975, quando já era um personagem mítico e multicampeão das Laranjeiras.

De onde veio minha certeza sobre o primeiro semestre de 1973? Porque meu aniversário de cinco anos era em julho e, nele, eu já tinha uma bolinha com o escudo do Fluminense, já sabia que era tricolor e que meu time também tinha um lindo uniforme branco. No ano seguinte, 1974, tenho a minha primeira lembrança do Maracanã, olhando o antigo placar em 0 a 0. Enquanto o grande Gerson dava seus últimos passos na carreira e o Fluminense recebia Francisco Horta como presidente – o mais emblemático da história tricolor – e maquinista de um dos maiores times do mundo, eu já era Fluminense de alma, palavra, escudo e sentimento.

Desde então, se passaram muitos anos e aquelas palavras ficaram comigo para sempre. Há quase cinquenta anos, é muito difícil eu passar dias sem lembrar do nome de Félix – e imediatamente do meu pai. O do Flu passou de paixão: virou ofício, trabalho e parte da minha carreira como escritor. Chega a ser incrível pensar que tudo parecia escrito lá atrás, quando passei a amar o clube pelo som e grafia de seu nome.

Félix é um dos grandes heróis tricolores da história, um vencedor supremo, uma fera, um paradigma, um campeão do mundo. Para mim, ele ainda consegue ser mais do que isso: olhando esse longo tempo para trás, ele é a primeira lembrança de uma longa estrada que veio até aqui, sem previsão de término. Félix é Fluminense, as duas palavras são a felicidade de Helio Andel abrindo a porta e, todo orgulhoso, mostrando seu ídolo num álbum de figurinhas para o pequeno filho. É a eles que tenho perseguido por todos os anos. O Fluminense é, a cada três dias, meu sonho de reencontro com aquela noite da infância.

Aquele apartamento não existe mais, nem meu pai, nem Félix, mas a força das palavras atravessou os tempos de tal forma que eles parecem eternos. Agora está escuro aqui no quarto e a TV mostra um noticiário na madrugada, mas me basta uma breve espiada no teto escuro e ele me sugere aquele outro quarto, onde em segundos pai, filho, goleiro e time fizeram involuntariamente – mas nem tanto – um pacto para a eternidade.

@pauloandel

‘Rebeldes da bola’ fizeram história

Artigo de João Máximo na Folha de São Paulo, 03/04/1994

O futebol sempre teve seus rebeldes. O último deles, Romário, às vésperas da Copa do Mundo dos EUA, tem a língua solta: chamou Pelé de “débil mental”. Não é o único. As impropriedades de Edmundo, Neto, Serginho Chulapa, Caju, entre outros, fervilham na memória do torcedor.

Mas outros tempos também tiveram seus rebeldes: Fausto dos Santos, Heleno de Freitas, Almir, Afonsinho. Uma galeria de grandes craques à qual poderia ser somado um rebelde genial: Thomaz Soares da Silva, o Zizinho.

Os cinco eram diferentes em tudo. Na verdade, só a rebeldia os uniu. Fausto dos Santos (1905-1939), um negro elegante e inteligente que decidiu enfrentar de peito aberto a perseguição dos dirigentes do Flamengo, que o queriam dócil e obediente. Foi derrotado. No futebol e na vida.
Morreu tuberculoso, num sanatório de Palmira, hoje Santos Dumont (MG), meses depois de jogar com 40 graus de febre sua última partida com a camisa rubro-negra. Era chamado de “Maravilha Negra” e, segundo quem viu, era o mais iluminado daqueles tempos.

Heleno de Freitas (1920-1959) foi dos casos mais patéticos de toda a história do futebol brasileiro. De uma família de classe média, advogado, culto, bonito, contraiu sífilis numa de suas muitas noitadas pelo Rio boêmio dos anos 40. Envergonhado, escondeu a doença de todos, inclusive dos médicos. Pouco a pouco, a sífilis converteu-se numa paralisia progressiva. Os que o chamavam de “temperamental” – tentando assim explicar suas explosões (chegou a empunhar um revólver para interpelar Flávio Costa, que o barrara no Vasco) – não suspeitavam que o maior centroavante de sua época simplesmente enlouquecia. Viciou-se: uísque, depois cocaína, no fim éter. E morreu esquecido num sanatório de Barbacena (MG).

Almir Moraes Albuquerque (1937-1973) foi um rebelde de pavio curto, violento, sempre de dentes trincados contra adversários e desafetos. Teve fim trágico: morreu a tiros numa briga de bar na mal-afamada Galeria Alaska, em Copacabana. Em campo, entre gols e dribles espetaculares, escreveu sua história com brigas memoráveis e pelo menos uma perna quebrada: a de Hélio, do América.

Afonsinho, hoje com 47 anos, era uma espécie de estranho no ninho do futebol da década de 70. Jovem, grande cartaz com as garotas, estudante de medicina, não se conformava com a escravidão a que os jogadores se submetiam em nome da chamada Lei do Passe. Entrou para a história como o primeiro a libertar-se, depois de uma luta nos tribunais contra o Botafogo. Hoje, pediatra, é mais lembrado por isso do que pelo bom futebol que jogava.

Resta Zizinho, 72, mais lembrado por suas proezas de craque do que como rebelde. Mas era, realmente, um indomável. Também quebrou perna e teve a sua quebrada, também brigou em campo e também enfrentou treinadores e dirigentes que tentavam, no grito, enquadrá-lo. Era melhor que todos eles. Chegou a ser vetado “definitivamente” da seleção, mas acabou voltando a ela por força de seu futebol. Rebelde, mas genial.

A incrível “barca” rubro-negra de 1980 (da Redação)

Em 06 de dezembro de 1980, terminado o Campeonato Carioca (vencido pelo Fluminense) e no período de férias do futebol, os jornalistas William Prado e João Saldanha criticavam a lista de dispensas feita pela diretoria do Flamengo.

Dentre os jogadores citados, ninguém menos do que Nunes, que seria no ano seguinte o artilheiro da decisão do Mundial Interclubes contra o Liverpool, além de Lico e Adílio, grandes destaques da temporada seguinte, considerada a maior da história do clube da Gávea.

Nenhum deles saiu, mas outros jogadores de ponta como Rondinelli e Júlio César acabariam negociados. E Carpegiani tornaria-se o treinador campeão, substituindo Cláudio Coutinho, que faleceria dias antes da final em Tóquio.

 

 

 

No meio do caminho havia um Luxemburgo (por Zeh Augusto Catalano)

 

Fim de semana de eliminatórias. Vários jogos interessantes para serem vistos e outras peladas inaceitáveis sendo transmitidas. O Sportv teve a pachorra de transmitir Bélgica x Gibraltar, na quinta-feira. Um nove a zero muito equilibrado.

Hoje à tarde, me preparei para assistir a uma partida decisiva. A Hungria, em casa, precisava desesperadamente vencer Portugal para seguir com chances mínimas de ir à Copa da Russia. Durante um primeiro tempo pavoroso, a coisa mais interessante que aconteceu foi uma cotovelada desclassificante de um atacante húngaro no Pepe, o sanguinário beque português nascido no Brasil. Foi devidamente premiado com um vermelho da cor de sua camisa e liquidou ali as parcas chances de sua seleção.

Zapeei. Parei em França x Luxemburgo, só esperando para ver de quanto a França já goleava. Aparece o placar. Seis do segundo tempo, zero a zero. Resolvi assistir até onde ia aquilo.

Ia entrar para história.

Luxemburgo se fechou com duas linhas de cinco jogadores  na cabeça de sua área e na sua intermediária. A França, lotada de craques e certa da vitória contra um indigente do futebol, foi rodando bolinhas para os lados e fazendo cruzamentos inócuos. E o tempo passando. Deschamps, técnico dos Bleus, piorou a situação substituindo errado. Sacou a nova estrela do Barcelona, Mbappé, talvez o único que se salvasse do sapato alto. O jogo acontecia em Toulouse, longe de ser um grande centro do futebol. Ao perceber o que se passava, a torcida local, de muda, passou a cantar a Marselhesa, tentando chamar os brios do time pelo patriotismo. Não adiantou.

Luxemburgo fez uma partida impecável. Segurou a França na bola. Cometeu pouquíssimas faltas e não fez cera. Surpreendentemente, ao retomar a bola, contra-atacava consistentemente. No meio do segundo tempo, num lance em que seu melhor jogador, o número sete Rodrigues, entrava sozinho para marcar o gol, o bandeira assinalou um impedimento de ruborizar flamenguistas. Rodrigues, que fez um partidaço, nascido em Portugal, joga num clube de Luxemburgo e certamente vai aparecer rapidamente em algum clube maior, tal o nível de sua atuação. No final do jogo, passou em velocidade por dois marcadores e chutou uma bola na trave de Lloris.

Resumo da atuação de uma França surpreendida pela dificuldade que encontrou, durante os três minutos de descontos a França não conseguiu sequer cruzar uma bola na área ou chutar a gol. Final melancólico para a seleção da casa e início de uma grande e merecida festa da equipe visitante.

O futebol segue sendo o único esporte a dar chance a um adversário tão inferior. A bola pune o sapato alto. Não foi a primeira e nem será a última vez em que isso acontece. E a França, pode chorar lágrimas de sangue por estes dois pontos jogados no lixo. No Luxo.

Nossa proposta com o PANORAMA DO FUTEBOL (da Redação)

panorama do futebol logo

Caros amigos, o PANORAMA DO FUTEBOL pretende ser um espaço de resgate das discussões sobre o que cerca boa parte do futebol que não se vê na televisão.

Para isso, utilizaremos texto, imagem vídeo e som, na tentativa de agregar torcedores em geral que estejam dispostos a uma reflexão mais profunda sobre este esporte que encanta e inebria, mas também caminha com frustrações, falhas e anonimato.

Esteja em casa, feito um estádio de antigamente. Ou outro desses que a TV nem sempre se lembra de mostrar.

A equipe.