Brianezi 1981/1982

O que me lembro mesmo era em 1981. Havia uma loja de brinquedos na Rua Santa Clara, quase chegando na Avenida Copacabana. Chamava-se Dom Pixote. Pronto.

As caixinhas azuis traziam times incríveis, numerados – um sonho à época -, modernos. Os escudos eram bem grandes e visíveis. E vinha uma linda palheta multicolorida, bela, psicodélica.

Naquele tempo usávamos o Estrelão para jogar. E dadinho também. As bolinhas de feltro ficavam guardadas como troféus.

A onda se espalhou pelas ruas. Siqueira Campos, Figueiredo Magalhães, Barata Ribeiro. O coração de Copacabana ficou louco por vários garotos querendo os botões Brianezi, misturando-os com os galalites ou mesmo substituindo-os. Os garotos juntavam a mesada para comprar os times completos. Noutras vezes rachavam a caixinha: quem ficasse com o 9 e o 10 abria mão do goleiro. Palheta de um lado, bolinhas de feltro do outro.

Os campeonatos foram pipocando: debaixo da escada rolante do shopping da Siqueira Campos – ela, escada, não funcionava. Nos corredores dos blocos residenciais. Aos pés da lanchonete do pai do Marcelinho. O Bola tinha uma mesa grande, morava numa cobertura na esquina de Siqueira Campos com Barata Ribeiro. Paulinho organizava campeonatos na Ladeira dos Tabajaras. Luis Fernando, no Copaville.

Podia ser a foice e o martelo da URSS, a estrela de Davi no botão azul de Israel, o Saint Etienne da França. Eu preferia os times cariocas. A Brianezi era uma força da natureza para muitos garotos de 1981, com todo o amor de um mundo de botões e dadinhos. Futebol pra valer.

Quase quarenta anos depois, o sentimento ainda é o mesmo. As cores, a caixinha. Os garotos de Copacabana. Campeonatos, risos e abraços. Jogávamos nossas vidas e valia a pena. Era o botão, o jogo, a palheta de mil cores incandescentes. A caixinha.

@pauloandel

A respeito da famosa Bola de Ouro

Colaboração de Leonardo Baptista
batistaleonardo668@gmail.com

Então, aqui estamos em meio à pandemia e muito se discute a respeito da continuação dos campeonatos ao redor de todo o mundo, com a chance real de haver um cancelamento de toda a temporada e logo se começam as especulações sobre as premiações individuais.

Em especial a famosa Bola de Ouro e o prêmio de melhor jogador do mundo eleito pela FIFA, que erroneamente são colocados às vezes como um único prêmio quando não são: apesar de em teoria premiarem a mesma coisa, não são raras as vezes em que os prêmios são dados a pessoas diferentes na mesma temporada.

Logo o brasileiro, como gosta de comentar sobre nosso esporte favorito, já começa a especular: este ano será do Neymar? Este ano Neymar ganha?

Então pergunto: para quê?

Existe uma necessidade de conquistar um troféu que até 1995 era concedido apenas a europeus jogando na Europa, ou seja, mesmo que um europeu arrebentasse pelos campos mundo afora, não estaria elegível para o prêmio por não atuar no seu continente.

Esclarecendo: o prêmio em sua característica fundadora é europeu, para europeus e para a Europa; porém já ao ano de 1995 era fácil entender que o melhor futebol do mundo, apesar de ser praticado lá não era praticado por europeus, e a premiação a contragosto de muitos passou a ser mais ampla para jogadores ao redor de todo o mundo.

Porém, vamos aos fatos: todos os grandes times europeus nas maiores Ligas do mundo têm na sua história jogadores sul-americanos; muitos só são o que são por causa de jogadores que saíram do Novo Mundo e foram palestrar em campo por lá, seja a magia de Ronaldinho Gaúcho, que refez o Barcelona, ou seu maior jogador Lionel Messi, que é argentino. É certo que este foi criado nas bases da equipe europeia, mas ainda assim, é argentino. E quem conhece de futebol vê que essa característica não se desgruda dele em campo tanto quanto a bola em seu mágico pé esquerdo.

O mesmo Barcelona ganhou sua última Champions League tendo como principais jogadores um uruguaio, um argentino e um brasileiro, sua segunda Champions League veio com um gol na final feita por, adivinhem, um brasileiro.

O Real Madrid, que se gaba por ser o maior clube do mundo, tem seu domínio iniciado com ninguém menos que Alfredo Di’Stefano, argentino.

E para não dizer que esta opinião se baseia apenas em passado e que é puro saudosismo, olhem para a década que se encerra, e apontem um time sequer, campeão no dito “melhor futebol do mundo” sem ao menos um sul-americano.

São poucos.

O que quero dizer com esses fatos é que, se hoje o futebol europeu é o maior do mundo, é graças aos sul-americanos que por lá passaram e ainda passam, seja a garra argentina, a força uruguaia ou a magia brasileira. O que acontece é um reflexo de coisas que vão além do futebol e passam longe das quatro linhas, apesar de nelas refletir diretamente, o bom e velho eurocentrismo, um continente mais rico. Pega ao redor do mundo coisas que não têm e dizem ser deles, ou você nunca ouviu um “fulano joga como europeu”, não?

Jogamos como sul-americanos, africanos e afins, afinal o dito melhor futebol do mundo é, na verdade, apenas o mais rico. Claro, com todo o mérito, eles têm suas estruturas sociais muito mais avançadas e menos desiguais que o nosso sofrido continente, mas o motivo disso não é pauta por aqui (talvez pra outro papo).

Existe uma obsessão pela Bola de Ouro porque ela teoricamente nos coloca no mesmo patamar de europeus, mas, gente, somos melhores. São fatos e dados que podem ser vistos e revistos a qualquer momento: o que sofremos por querer nos igualar ou ser bons aos olhos dos europeus não passa de um “colonialismo futebolesco”.

Ah, mas Lionel Messi não é europeu e é o maior vencedor, sim. Mas porque foi criado ali, e apesar de manter suas características argentinas como já dito neste texto, mas afinal, se ele jogasse a mesma barbaridade sem ter sido formado lá dentro teria as seis Bolas de Ouro? Talvez. Pelo nível que o craque apresenta, mas com toda a certeza não seria tão unânime quanto foi por não inspirar (nessa hipótese) tanta empatia dos europeus, (qualquer semelhança disso com acontecimentos na esfera social fora do futebol não é mera coincidência).

Enfim, a Bola de Ouro é um reconhecimento importante mas não deveria ser pilar principal para sustentar nosso orgulho pelo futebol praticado aqui e lá fora por nossos compatriotas. Somos campeões de tudo, sendo protagonistas em todo lugar e isso sim vale de muita coisa.

A Bola de Ouro é um prêmio individual em um jogo de onze contra onze e, no onze contra onze, somos penta.

A máquina laranja

Colaboração de Leonardo Baptista
batistaleonardo668@gmail.com

Muito se discute sobre o futebol que, de vez em tempos, vem à tona encantando o mundo com passes certeiros, dribles e uma função tática reconfortante para os que assistem, capaz de calar até mesmo a mais acalorada discussão em mesa de bar sobre como se deve ou não jogar o esporte bretão. Porém, muito do que se fala pouco se imagina sobre como se sentiram os fãs e torcedores que tiveram contato pela primeira vez na história com um futebol como esse.

Estamos falando, é claro, da famosa laranja mecânica de 1974, que não começou naquele ano, tampouco terminou, mas que é referência ainda hoje em toda seleção que se destaca pelo toque de bola e futebol virtuoso; a seleção holandesa se destaca como revolucionária apenas quatro anos depois de um Brasil tricampeão mundial ocupar este “trono” de inventores de uma nova forma de jogar futebol. Ainda a Alemanha Ocidental supercampeã, que seria seu algoz na fatídica final da Copa de 1974, não seria tão bem lembrada pelo seu jeito de jogar: o carrossel holandês, como foi chamado, ao ficar com o vice do Mundial, mostrou que naquela edição em específico trazia algo que ia muito além das quatro linhas.

Não é necessário procurar muito para encontrar relatos de jogadores que enfrentaram aquela seleção totalmente horrorizados, pelo fato de não saberem o que fazer ou como agir diante de tal espetáculo dentro de campo, um futebol que vinha das bases holandesas multicampeãs em torneios de clubes, comandada por Rinus Michels e liderada (como se não pudesse faltar) por um craque bem ao estilo da época – Johan Cruijff -, que deixava os espectadores tão embasbacados quanto os jogadores que a enfrentavam, com toque de bola, marcação no campo adversário, zagueiros atacando, atacantes defendendo, três, quatro holandeses em cima de cada adversário que tentava ao mínimo ficar com a bola, sem entender como ou quem era o time que os atropelava com uma sutileza e a sensação de facilidade como se praticassem outro esporte.

Logo ao início da Copa um susto: o Uruguai, tradicional e poderoso em competições foi massacrado pela inovadora seleção, que nunca havia tido destaque no cenário mundial quando se fala em seleções. Naquele jogo as próprias palavras do meia uruguaio Pedro Rocha descreviam o sentimento dos adversários frente a
à seleção de Cruijff:

“Por duas vezes, em campo, quis chamar a minha mãe: a primeira, com 17 anos, na minha estreia no clássico Peñarol e Nacional, em pleno Centenário. Na segunda, com 32 anos, quando enfrentei a Holanda na Copa de 1974. Quando peguei a bola pela primeira vez, quatro jogadores vieram para cima de mim e me tiraram a bola. Não entendi nada, mas na segunda vez, a cena se repetiu, e foi assim o jogo todo. Ali, eu quis a minha mãe”.

E foi assim que o mundo viu, de fato, a “sombra laranja” que assolava a Europa sendo tricampeã consecutiva do campeonato continental (1971,1972,1973). Daquele momento em diante o futebol como era jogado pela seleção holandesa seria chamado de “futebol total”, e não seria por menos, pois nunca antes havia se visto forma tão bela de jogar futebol. Mesmo o lendário Brasil tricampeão do mundo, que tinha causado espanto similar, parecia apático diante daquela Holanda e, não por menos em um jogo belíssimo, o próprio Brasil de Rivellino e Jairzinho sucumbiu aos holandeses.

Coube à Alemanha Ocidental parar o carrossel holandês através de um futebol frio, tático, físico e objetivo. Mas a derrota na final não aconteceria sem a mágica dar seu último e maravilhoso suspiro naquela competição. Ao iniciar o jogo, a Holanda com seu toque de bola e movimentação em segundos chegou à área alemã, que não teve outra opção senão cometer um pênalti, cobrança feita e 1 a 0 para os holandeses. Nunca antes ou depois, na história da maior competição do maior esporte do mundo, uma final começou com uma seleção pegando pela primeira vez na bola ao fundo de sua rede. Foi assim que a Holanda deu sua cartada final, e os alemães enfim conseguiram a virada.

Muito se discute sobre como o “futebol total” impactou o mundo em sua época e depois dela. Essa filosofia se perpetuou pelos campos de futebol do mundo, principalmente da Espanha, onde Cruijff se sagrou campeão como treinador, e é dito como o precursor da filosofia de jogo que lá é praticada até hoje, sendo essa a filosofia da seleção espanhola campeã do mundo em 2010 e, pasmem, até a seleção alemã campeã em 2014 teve como referência em seu trabalho o “futebol total”, de quem fora algoz quarenta anos antes.

É complicado afirmar, de fato, qual a maior seleção dentre as que não ganharam a copa, se o Brasil de 1982 e 1986, a Hungria de 1954 e muitas outras, mas é fato dizer que em 1974 especificamente, o ouro da taça não reluziu mais do que o laranja do carrossel holândes. Em 1974 nem tudo que reluzia naquela Copa era ouro, mas laranja.

Craques da praia

Quatro caras jogando bola na praia eram do barulho. William, Barroco, Xuru e Lubi. Todos monstruosos. Ofensivos, talentosos.

Três deles foram escoteiros no 44, na Paróquia Santa Cruz de Copacabana. Dois deles estudaram juntos no Cícero Penna. Dois deles jogaram juntos no Dínamo, time seminal da praia com o eterno presidente de honra, treinador e manager Tião Macalé. Todos eram fominhas de bola, entrando a noite nas peladas quando ainda não havia iluminação na praia.

Houve um tempo em que William e Barroco eram sempre vistos em alguma trave entre a República do Peru e a Santa Clara. Sempre titulares, jogavam onde queriam. Atuaram por muitas equipes. Cavaleiros negros da bola. Já o Xuru era louro de olho claro, filho de português, tinha cara de turista e ainda colocava aqueles bermudões coloridos. Fazia o que queria com a bola, só não era tão rápido. O Lubi era moreno de cabelo preto liso. Parecia impossível que não se tornasse profissional de futebol, tamanha era sua qualidade – e ainda destruía no futebol de salão, na quadra do Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira. Aliás, qualquer um deles poderia ter sido jogador profissional, justamente no começo dos anos 1980, quando a derrota do Brasil para a Itália criou a maior mentira do mundo – que não se podia jogar bonito, mas apenas com força.

Durante anos desfilaram seus talentos pela areia, sempre requisitados. Durante o dia, podiam ser vistos em restaurantes nobres como o Bonino’s, lanchonetes da moda como o McDonald’s da Hilário de Gouveia, cinemas como o Roxy, danceterias como a Help (sobre as ondas).

O Barroco chegou a jogar salão pelo Flamengo. William ficou muito tempo jogando na praia. O Xuru não levou a sério – um desperdício – e resolveu fazer faculdade na UFRJ. O Lubi sumiu.

Não havia smartphones, cams, mal tinha telefone e a máquina fotográfica era cara, uma pena: mereciam registros para a posteridade.

O melhor time do bairro

Colaboração de Alberto Lazzaroni

Senhores, isso tudo aconteceu no século passado. Eram os idos dos anos 1970. O ano ao certo eu não sei. Mas, querem saber? Isso é o que menos importa. Só sei que, no melhor estilo Gil Gomes “Meninos, eu vi!”

Era o clássico do bairro. Não tinha mais aonde colocar gente no estádio da A.A. XV de Novembro da Vila Carmari. Mavile x Flamengão. Muita rivalidade em campo. O alviverde contra o rubro-negro. E o melhor: o vencedor levaria o trofeu de melhor time do bairro.

Eu estava muito feliz pois meu pai havia me levado para ver o jogo e só de estar ali com ele, era mesmo motivo para muita alegria. Torcíamos pelo Mavile que era realmente um timaço. O craque era ninguém menos que meu primo, o Verinho. Que jogadoraço! Ditava o ritmo no meio de campo. Além dele, havia também na meiúca o cerebral Beto Minhoca e o artilheiro Índio, além dos sempre eficientes Luizinho e Nelson Bacalhau. Estávamos confiantes na vitória.

O jogo começa brigado e o Flamengão, como esperado, vinha com o claro intuito de segurar o ímpeto do alviverde. E, num lance fortuito, abre o placar. Pronto. Não fez mais nada a não ser pressionar a arbitragem para que o jogo acabasse logo. Não deu certo. O Mavile apertava e num bate e rebate, o artilheiro Índio empata entrando literalmente com bola e tudo. Mal o Flamengão dá a saída, o Mavile retoma a bola e entrando pela direita em diagonal, como um raio, Ju vira o jogo.

Explosão da torcida. Vibração total. Não havia tempo para mais nada e o juiz apita o fim do jogo. Tumulto generalizado. Empurra empurra com a equipe do Flamengão, que tanta cera havia feito, querendo agora que a partida continuasse. Nada feito. O juiz irredutível disse que o jogo havia acabado e os atletas do Mavile correram para a mesa à beira do campo para pegar o trofeu. Mas, que trofeu? Ele não estava mais lá.

– Como pode? – todos se perguntavam.

Nisso, veio um grito. Tá aqui, dentro da sede. Venham!

E foi aquele corre-corre para pegar o troféu. Chegando lá, um funcionário do clube, sede do evento, não queria liberá-lo. Disse que haveria uma nova partida. Foi devidamente “convencido” a fazê-lo.

Os jogadores do Mavile então saem pela rua desfilando com orgulho ostentando o trofeu conquistado. Mas não havia acabado. Numa última e desesperada tentativa, vem de lá um diretor do Flamengão e segura o trofeu, puxando-o para si. Puxa daqui, puxa dali, finalmente o diretor solta o desejado objeto e os atletas alviverdes comemoram como se fosse mais um gol.

No entanto, algo inusitado havia acontecido. O trofeu era formado pela escultura de um jogador chutando uma bola. Na disputa por ele, o braço do jogador do trofeu foi arrancado. Silêncio inicial e perplexidade. Nada muito duradouro. Alguém grita: vai sem braço mesmo!

Carnaval fora de época. Lá se foram eles, sambando e cantando em direção à praça São Jorge, mais especificamente ao local de comemoração de todas as vitórias: a padaria do Seu Tomás. Agora, era só esperar a chegada da bateria do Bloco do Caixote e comemorar até o dia clarear. E o amanhã? Responda quem puder.

‘Rebeldes da bola’ fizeram história

Artigo de João Máximo na Folha de São Paulo, 03/04/1994

O futebol sempre teve seus rebeldes. O último deles, Romário, às vésperas da Copa do Mundo dos EUA, tem a língua solta: chamou Pelé de “débil mental”. Não é o único. As impropriedades de Edmundo, Neto, Serginho Chulapa, Caju, entre outros, fervilham na memória do torcedor.

Mas outros tempos também tiveram seus rebeldes: Fausto dos Santos, Heleno de Freitas, Almir, Afonsinho. Uma galeria de grandes craques à qual poderia ser somado um rebelde genial: Thomaz Soares da Silva, o Zizinho.

Os cinco eram diferentes em tudo. Na verdade, só a rebeldia os uniu. Fausto dos Santos (1905-1939), um negro elegante e inteligente que decidiu enfrentar de peito aberto a perseguição dos dirigentes do Flamengo, que o queriam dócil e obediente. Foi derrotado. No futebol e na vida.
Morreu tuberculoso, num sanatório de Palmira, hoje Santos Dumont (MG), meses depois de jogar com 40 graus de febre sua última partida com a camisa rubro-negra. Era chamado de “Maravilha Negra” e, segundo quem viu, era o mais iluminado daqueles tempos.

Heleno de Freitas (1920-1959) foi dos casos mais patéticos de toda a história do futebol brasileiro. De uma família de classe média, advogado, culto, bonito, contraiu sífilis numa de suas muitas noitadas pelo Rio boêmio dos anos 40. Envergonhado, escondeu a doença de todos, inclusive dos médicos. Pouco a pouco, a sífilis converteu-se numa paralisia progressiva. Os que o chamavam de “temperamental” – tentando assim explicar suas explosões (chegou a empunhar um revólver para interpelar Flávio Costa, que o barrara no Vasco) – não suspeitavam que o maior centroavante de sua época simplesmente enlouquecia. Viciou-se: uísque, depois cocaína, no fim éter. E morreu esquecido num sanatório de Barbacena (MG).

Almir Moraes Albuquerque (1937-1973) foi um rebelde de pavio curto, violento, sempre de dentes trincados contra adversários e desafetos. Teve fim trágico: morreu a tiros numa briga de bar na mal-afamada Galeria Alaska, em Copacabana. Em campo, entre gols e dribles espetaculares, escreveu sua história com brigas memoráveis e pelo menos uma perna quebrada: a de Hélio, do América.

Afonsinho, hoje com 47 anos, era uma espécie de estranho no ninho do futebol da década de 70. Jovem, grande cartaz com as garotas, estudante de medicina, não se conformava com a escravidão a que os jogadores se submetiam em nome da chamada Lei do Passe. Entrou para a história como o primeiro a libertar-se, depois de uma luta nos tribunais contra o Botafogo. Hoje, pediatra, é mais lembrado por isso do que pelo bom futebol que jogava.

Resta Zizinho, 72, mais lembrado por suas proezas de craque do que como rebelde. Mas era, realmente, um indomável. Também quebrou perna e teve a sua quebrada, também brigou em campo e também enfrentou treinadores e dirigentes que tentavam, no grito, enquadrá-lo. Era melhor que todos eles. Chegou a ser vetado “definitivamente” da seleção, mas acabou voltando a ela por força de seu futebol. Rebelde, mas genial.

O meu Fla-Flu particular

Colaboração de Alberto Lazzaroni

Nasci numa família grande. Ou seria numa grande família? Bom, o que importa mesmo é que tanto do lado paterno quanto do lado materno tive muitos tios, tias e, consequentemente, primos e primas. Os encontros de família eram memoráveis. Muita alegria, música e comida boa. Nossa, e que comida boa…

Um dos meus tios, irmão mais novo da minha mãe, era também meu padrinho. E ele realmente foi um segundo pai pra mim. Ele e meu pai eram tão unidos que muitos pensavam que eram irmãos e não cunhados. Quando eu tinha uns cinco anos de idade, minha mãe adoeceu de tuberculose e teve que ser internada numa clínica em Correias, na Região Serrana. Nesse momento, com meu pai trabalhando direto e sem ter quem pudesse tomar conta de mim e dos meus irmãos em nossa própria casa, fomos eu e meu irmão para a casa desse tio. Ele morava num distrito que hoje é um município: Queimados. Tenho excelentes lembranças desse período em que, a despeito da ausência da minha mãe e das visitas esporádicas do meu pai, fui muito bem tratado.

Mas havia um detalhe: esse tio era flamenguista. Não, vocês não fazem ideia do que eu estou dizendo. Na verdade, para bem fielmente retratá-lo posso dizer que ele era “O” flamenguista. Ele era muito apaixonado pelo Flamengo e discutia na rua, na loja, em qualquer lugar que fosse para defender o seu time. Chegava a ser engraçado. E aí veio o inevitável: tentou me convencer a ser torcedor do seu time também. Eu já era tricolor mas uma criança de 5 anos ainda é muito suscetível a essas mudanças, ainda mais sendo estimulada para tal.

O tempo passou, minha mãe se recuperou e voltamos para nossa casa. A vida seguia o seu curso e eu firme e forte com o Fluminense, seguindo os passos de meu pai e de meu irmão mais velho, nessa época já vivendo os dias da grande Máquina Tricolor. O Flamengo de Zico no entanto se aproximava. Havia ali uma oportunidade. Meu tio a percebeu e num belo dia ele aparece lá em casa com uma camisa, tipo T-shirt. Lembro bem dela: era branca e de longe se percebia uns pontos em vermelho e preto. Quando pegávamos a camisa e olhávamos de perto, com atenção, a coisa ficava clara: não eram pontos e sim a palavra “Mengo” escrita de forma minúscula sobre toda a camisa. Estranhei mas fiquei com ela. Instintivamente não a mostrei para meu pai para não ter confusão.

Num belo dia, vesti a tal camisa e fui pra rua jogar a minha pelada diária. A turma toda já estava no campinho mas eu dei falta de um amigo. Perguntei por ele e os outros responderam que hoje ele não viria para a pelada pois o pai começaria a criar porcos e ele estava lá ajudando a construir o chiqueiro. Explicações dadas, rola a bola. Lá pelas tantas, esse amigo surge na rua puxando um carrinho de mão cheio de serragem. É, a serragem seria usada para forrar o chiqueiro. Aí, aconteceu o que a molecada gosta de fazer: a zoação foi geral. Digo zoação pois naquela época não havia surgido ainda a expressão “bullying”. Todos rindo daquela situação. O amigo, logicamente, não gostou. Já estava privado do futebol e a galera ainda zoa? Não prestou. Se abaixou e pegou um punhado de pó de pedra e veio pra cima da gente. Só que, ao chegar mais perto, tacou tudo em cima de mim. Não gostei e achei desproporcional. Peguei ele com carrinho e tudo e joguei dentro do valão que havia em nossa rua.

Ele saiu chorando pra casa e em seguida retorna com o pai, sendo que este segurava uma madeira. O vizinho então começou a me ameaçar com a madeira ordenando que eu retirasse o carrinho do valão. Como não o obedeci, ele começou a me bater de leve com a madeira. Só que já haviam avisado à minha mãe. Nem preciso relatar os detalhes. A confusão já estava formada e no melhor estilo leoa defendendo o filhote, minha mãe surgiu se interpondo entre eu e o vizinho. Acabei sendo puxado para casa pela minha mãe que, aos berros, me recriminava e, ao mesmo tempo, desfilava todos os impropérios para o vizinho. Instintivamente, olhei para o meu corpo e me dei conta que estava com aquela camisa. Pensei: ela me trouxe azar. Arranquei-a do corpo e a joguei também no valão. Estava definitivamente encerrado qualquer flerte com o oponente.

Nunca comentei isso com o meu tio. Provavelmente minha mãe o fez. A verdade é que daquele dia em diante ele nunca mais quis me fazer mudar de time. E aconteceu algo interessante em nossa relação: quando conversávamos sobre futebol, ele jamais falava mal do Fluminense e nem eu do Flamengo. Podíamos até fazê-lo longe um do outro. Um para o outro, jamais.

Esse amado nos deixou em 2007. Depois de lutar bravamente, sucumbiu a um câncer. Até hoje sinto o cheiro da loção pós-barba que ele usava. Um vazio impreenchível existe dentro de mim. Mas, acima de tudo, ficou o exemplo maior de uma pessoa que foi todo amor para comigo e com todos os que conviveu. Um cara verdadeiro, incapaz de fazer média com quem quer que fosse. Esse era o Sr. Jairo. O cara com quem travei o meu Fla x Flu particular, no qual não houve vencedor e sim vencedores. Descanse em paz, tio.