America e Madureira, Luisinho e Wolney Braune (por Paulo-Roberto Andel)

Acordei com a cara no celular. Ainda meio zonzo, espio e a primeira postagem é da boa página Primos Pobres do Futebol. Opa, tem um vídeo de America e Madureira, vitória por três a zero, disputada no antológico estádio Wolney Braune.

Clico no vídeo e volto mais de quarenta anos no tempo. Dia 30 de agosto de 1981, um sábado à tarde em Vila Isabel ou Andaraí, conforme o gosto do freguês. Até então, o mandante rubro não conquistava um título estadual desde 1960 e não decidia um turno desde a Taça Guanabara de 1975.

Numa partida de maior brilho no segundo tempo, o grande americano foi o artilheiro Luisinho Lemos. Ele fez um golaço em cobrança de falta, que abriu o placar do jogo, chegando a 13 gols no Campeonato Carioca de 1981.

Algumas lembranças admiráveis. Aquela tarde foi gloriosa para os pouco mais de 2.000 americanos presentes. Na preliminar de juniores, o America venceu por impiedosos 5 a 0. No jogo de fundo, além do destaque de Luisinho, a classe do meia Manoel “Português” com excelente qualidade, afora o goleiro Ernâni, o volante Pires (ex-Palmeiras) e o jovem atacante Porto Real.

Será que os torcedores presentes naquele sábado sabiam que o estádio Wolney Braune trazia consigo uma longa história de futebol desde os tempos do Andarahy, depois passando pela Portuguesa, até chegar ao America?

Pelo Carrossel Suburbano, vale lembrar o experiente atacante Jorge Demolidor, com passagens em várias equipes cariocas.

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AMERICA 3 x 0 MADUREIRA
30/08/1981

Local: Wolney Braune (Rio de Janeiro);
Árbitro: Artur Ribeiro Araujo;
Renda: Cr$ 420.800,00;
Público: 2.104;
Gols: Luisinho 36 do 1.º; Lima (contra) 12 e Zé Paulo 42 do 2.°;
Cartão amarelo: Rogério

AMERICA: Ernani, Zé Paulo, Osmar, Heraldo e Alcir; Pires, Nélio e Manuel; João Carlos, Luisinho e Porto Real. Treinador: Marinho Peres

MADUREIRA: Gilson, Ramiro, Ivã, Rogério e Lima; Luis Carlos, Edson (Manfrini) e Tita; Chiquinho, Jorge Demolidor e César. Treinador: Jorge Ferreira

Internacional de Limeira, 1986 (por Paulo-Roberto Andel)

Dia 03 de setembro de 1986. Uma noite inesquecível para o futebol paulista e brasileiro. Depois de um campeonato disputadíssimo e das semifinais, Palmeiras e Internacional de Limeira decidiram o título do Paulistão diante de quase 80 mil pessoas no Morumbi, 90% delas palmeirenses.

O Palmeiras era tido como favorito natural, apesar de estar na fila de conquistas desde 1976. Tinha investido forte para quebrar o jejum, contando com jogadores consagrados como Lino, Jorginho, Edmar, Mirandinha e Éder. O que ninguém sabia era que a Inter, montada sem estrelas mas com ótimos jogadores, iria crescer como nunca para a decisão.

Pensando com mais calma, dava para perceber que o time alvinegro de Limeira não seria vida fácil: tinha feito um excelente segundo turno no campeonato paulista, contava com o excelente treinador Pepe e, nas semifinais, havia deixado o Santos pelo caminho. Definitivamente, a Inter não era favas contadas.

A primeira partida da decisão havia sido um empate sem gols, o que se repetiu no primeiro tempo da partida de volta – ambas no Morumbi, contrariando a ética futebolística. Resignada, a Inter aguentou a injustiça e botou seu bloco na rua. Logo fizeram dois gols, um com o saudoso Kita e outro com o ponta Tato. O placar de 2 a 0 bateu firme no senso comum e silenciou o Morumbi. Mais tarde o Palmeiras descontou com o zagueiro Amarildo de cabeça, após escanteio cobrado por Éder, dando novos tons ao jogo: a Inter recuou, procurando contra-ataques, e o Palmeiras foi desesperadamente em busca do empate. Kita perdeu uma chance com o gol vazio, e no último minuto o Palmeiras desperdiçou numa cabeçada de Mendonça, ídolo do Botafogo.

Pela primeira vez em 84 anos um time do interior paulista conquistava o campeonato estadual. Para muitos, uma infeliz lembrança daquela noite tinha sido a bola mal recuada pelo lateral Denys, provocando o segundo gol da Inter de Limeira, mas o grande jogo do time campeão não pode ser creditado apenas a uma falha do adversário. Lá estavam Gilberto Costa, o veterano zagueiro Bolívar, mais os atacantes Lê e Tato, nomes de respeito do nosso futebol.

A querida e simpática Inter de Limeira realizou uma grande campanha no ano de 1986. Conseguiu uma façanha que, quase quatro décadas depois, ainda é das maiores em nosso futebol.

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INTER DE LIMEIRA 2 x 1 PALMEIRAS

Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo, Morumbi;
Data: 3 de setembro de 1986;
Público: 78.564;
Renda: Cz$ 2.443.660,00;
Árbitro: Dulcídio Vanderlei Boschilia;

Gols: Kita 4’, Tato 8’ e Amarildo 29’ do 2ºT;

Inter de Limeira: Silas; João Luiz, Juarez, Bolívar e Pecos; Manguinha, Gilberto Costa e João Batista (Alves); Tato, Kita e Lê (Carlos Silva). Técnico: Pepe.

Palmeiras: Martorelli; Diogo (Ditinho), Marcio, Amarildo e Denis; Lino (Mendonça), Gerson Caçapa e Jorginho; Mirandinha, Edmar e Eder. Técnico: José Luiz Carbone.

Fluminense 121 (por Paulo-Roberto Andel)

Ainda me lembro do exato momento em que me tornei Fluminense, há 50 anos: meu pai veio me mostrar um álbum de figurinhas da Copa de 1970 e abriu na página da Seleção Brasileira. Apontou e disse: “Esse é o Félix, ele é do Fluminense”. Desde então, essas duas palavras nunca mais saíram da minha memória, Félix e Fluminense. Eu não me apaixonei pelo escudo, pelas cores ou pelas bandeiras, mas pela palavra – e se coincidência não existe, está explicado porque, muitos anos depois, escrevi vários livros sobre o clube.

Cheguei em 1973 e o Flu já tinha uma história maravilhosa. Embora não seja o primeiro clube de futebol do Brasil, foi o pioneiro de tudo: inventou os campeonatos, o estádio, a torcida, o cuidado com a grama – pelo impecável burro Faísca -, o ídolo – e sex symbol – e, por fim, a Seleção Brasileira, para quem forneceu dezenas de jogadores nas Copas do Mundo.

Provando sua vocação suprema para o futebol, o Fluminense logo tratou de ganhar muitos títulos na era do amadorismo. Depois deu um tempo e, quando veio o profissionalismo, montou aquele que provavelmente foi o maior time de sua história, dominando o Rio de Janeiro em fins dos anos 1930 – e se não fosse a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era candidato certo a ganhar o Mundial de 1942 com um escrete tipicamente tricolor. E já que a guerra veio, o Fluminense colaborou com um avião de combate para o Brasil. No fim dos anos 1940, a Taça Olímpica deu ao Flu o título de perfeita organização desportiva. Quando o futebol brasileiro foi reduzido a pó na Copa de 1950, correndo grande risco até de desaparecimento, veio o Fluminense e ganhou o Mundial de Clubes, reacendendo o interesse popular pelo esporte.

Desde então, o Fluminense viveu de tudo, tal como um verdadeiro ator de cinema: ganhou e perdeu grandes títulos, foi condenado à morte com rebaixamentos mas ressuscitou para sempre, teve dezenas de grandes craques, vários perebas, lutou muito e atravessou décadas. Foi às vias de fato, encarando a luta. Time de guerreiros. Tudo isso foi testemunhado pela maravilhosa massa tricolor, muitas vezes imersa na mais apaixonante nuvem de pó de arroz que já se tem notícia. O grande Flu dos clássicos imortais, de times inesquecíveis como a Máquina Tricolor de 1975/17, a mocidade independente de 1980 e o grande grupo tricampeão carioca e campeão. O time do gol de barriga, os campeões da Copa do Brasil em 2007, o vice-campeão da Libertadores em 2008, os dois títulos brasileiros em 2010 e 2012, mais o recente bicampeonato carioca em 2022/23.

O Fluminense é o time dos gols no último grão da ampulheta, das vitórias inacreditáveis, dos heróis improváveis. É o time da playboyzada que não se limita aos bairros nobres – é muito mais um estilo do que qualquer outra coisa. O time das garotas mais bonitas de todos os tempos, não importando se têm 18, 27, 42 ou 66 anos. O time que, por sua longa trajetória, já irritou e contrariou as redações e estúdios de boa parte da imprensa convencional. De Waterman a Welfare, depois passando por Batatais e Romeu, Rivellino e Edinho, Assis e Washington, Renato e Romário, até agora desembocar em Arias e Cano, o Tricolor é sonho, realidade, drama, conquista e emoção, tudo isso envolto em três cores que contam a história do futebol brasileiro há 121 anos.

@pauloandel @p.r.andel