Meu sobrinho santista (por Lello Di Sarno)

Estava com três sobrinhos na praia e decidimos comprar um pipa pra cada um.

Primeira aula: um pipa. UM pipa. Nesse caso, três Maranhão.

A Bibi pediu uma de águia bem cabulosa. Ela é mesmo uma guria de rapina e voa. O Cuca escolheu a dele e o vendedor disse que era “de menina”. Eu sou daltônico, então não entendi a frase do amigo, até meu irmão intervir e dizer que isso era babaquice e comprar a rosa pro filho dele. Eu não enxergo mas admiro essa cor que estimula próstatas ou pior… Nem dá esse prazer pros babaca…

E meu sobrinho mais novo e muito meu chegado gostou da que tinha o brasão do time local. Sabia do que se tratava e mesmo assim escolheu. Eu mostrei a contradição mas não vetei. Ele pegou outra e saiu correndo. Mas aquilo ficou nas nossas ideias. Amor a gente não escolhe. E esse mulecote leva maior jeito pra lambari mesmo…

Passou o tempo e a hora que eu esperava chegou. Ele decidiu pelo Peixe. Confesso que foi mais uma das suas lições. E aí, Tio Lello? Você, que tem o futebol como algo tão importante na vida. Que tem seu time como algo mais importante ainda.

Confesso que nunca imaginei tal situação.

Confesso que fiquei emocionado ao ver o primeiro contato de uma criança com aquele que pode ser um amor pra toda a vida. Assim, encontrado através de uma pipa. Ando meio orgulhoso de mim. Somos pessoas em construção.

E como posso negar esse momento dele? Outrora eu sabotaria? E com um filho… E se a opção fosse por um dos outros dois times rivais?

Não sei como seria…

Pensei em argumentar mas não vi como fazer isso sem ser desonesto. Minha relação com meu time é totalmente pessoal e arbitrária. Tudo de indiscutivel, absoluto e colossal que ele tem é assim quando visto por mim. E amor a gente não escolhe. Sentimento não se compra na farmácia. Não há glória, história, pressão externa ou manto sagrado que possa ficar entre uma criança e o rumo do seu coração. Sendo assim. Não posso mentir pro meu sobrinho. O MEU VERDE É O MEU VERDE PORQUE É O “MEU” VERDE.

Ele é e sempre será assim PRA MIM.

Ele sabe que o Palmeiras anda ganhando tudo. Não sabe que até ter o dobro da sua idade eu nunca tinha visto um título e nem sabia se ia ver.

Não é disso que se trata.

Paciência, mulecote!

Admiro sua sensibilidade em reconhecer o encontro. Se decidiu ser freguês, vou defender seu mau gosto até o fim!

Um dia te conto sobre o Camanducaia.

Te amo.

Espanholização (por Robertinho Silva)

O futebol brasileiro respira por aparelhos. Perdemos em competitividade e abrangência. Seguimos cada vez mais escavando o abismo, tendo em vista o projeto de hierarquização artificial que está em curso desde 2011, após a quebra do Clube dos 13.

De 1987 até 2011, o C13 foi o responsável pela distribuição dos recursos entre os clubes que disputavam a principal divisão do futebol brasileiro. Não era a divisão ideal, mas pelo menos tínhamos um caminho.

Até que a Record e a Rede TV surgiram em 2011 como principais interessadas na compra dos direitos de Transmissão do Campeonato Brasileiro, justamente no momento em que o CADE resolve cassar a liminar de renovação automática da Globo. É aí que começa um verdadeiro racha nos bastidores.

No livro do jornalista Rodrigo Capelo (“O Futebol como ele é”) o próprio Andrés Sanchez explica como rachou o Clube dos 13: “O Ricardo Teixeira me chamou e falou ‘Andrés, o Kléber Leite [ex-presidente do Flamengo] quer ser candidato ao Clube dos 13. Se ele ganhar, eu passo o futebol todo para o Clube dos 13. Vocês fazem liga, o que quiserem. Eu não vou dar para aqueles loucos, mas para o Kléber eu passo o futebol todo’. Eu comprei a ideia”, revela Andrés no livro.

Os loucos a quem Andrés Sanchez se referia eram Fábio Koff, presidente do Clube dos 13 e ex-presidente do Grêmio, e Juvenal Juvêncio, falecido em 2018 e ex presidente do São Paulo. “O Ricardo continuou com o futebol na CBF, como está até hoje. Eu tinha a promessa dele de deixar a gente fazer uma liga, ter uma independência maior no futebol”, reforça Andrés, dizendo que tudo isso não foi possível “porque o Kléber não ganhou”. E completa: Teixeira não queria dar tal autonomia para Koff e cia. porque achava que eles “não fariam o que tem que ser feito”, finaliza Andrés.

Dali em diante, o Clube dos 13 ruiu. As negociações de direitos de transmissão passaram a ser de forma individual, e não mais coletivas como foram no passado. A partir dali, começou a surgir a “Espanholização” do futebol nacional, onde dois clubes passaram a ser privilegiados em tudo, como exposição maciça de marcas na mídia, acesso a financiamentos, patrocínios com dinheiro público, cotas de transmissão superfaturadas, entre outros benefícios. Os demais clubes seriam apenas coadjuvantes.

O Campeonato Brasileiro não ganhou um veículo de transmissão. É um veículo de transmissão que possui o produto campeonato brasileiro. Os interesses comerciais e a politicagem venceram os méritos esportivos. A concentração óbvia e absurda de recursos, o favorecimento explícito a esse ou aquele clube, é de enojar qualquer membro diretor do Cartel de Cali. A predisposição em socorrer somente aos que interessam é gritante por parte da detentora do campeonato. Um misto de assessoria de luxo e comitê de crise nas horas vagas.

Uma concessionária de serviço público passou a mandar e desmandar no futebol, impondo a hierarquia que lhe convém entre os clubes. Pagando mais pra um e menos pra outros, conforme conveniência sob a escusa mentirosa e falaciosa de MAIS AUDIÊNCIA. Passou a escalar jogos quinta às 19h, quarta às 21h30 ao bel prazer. E sempre com uma tabela mais interessante pra A, no início do campeonato, do que para os B, C, D e Es que fazem parte do mesmo campeonato.

O futebol que em outrora era fascinante e emocionante, se tornou um torneio de obviedades e cartas marcadas, onde todos já sabem o final. Pontos corridos no Brasil, é apenas a regularidade dos mais ricos, que enriquecem com cota superfaturada da própria emissora que transmite o campeonato.

A Espanholização do Futebol foi minuciosamente planejada. Hoje, estamos apenas presenciando o ápice. Não se iludam, pois, ninguém na Rede Globo contava que o Palmeiras fosse aprontar uma grande retomada com Paulo Nobre e Crefisa, deixando um dos clubes alvos da emissora a ver navios. Ninguém esperava que o Cruzeiro fosse se atolar em dívidas para montar um elenco fortíssimo e tirar dois títulos da Copa do Brasil dos “queridinhos”.

Ninguém esperava que os “4Rs” (Rubens e Rafael Menim, Ricardo Guimarães e Renato Salvador) fossem oxigenar o caixa do Atlético Mineiro trazendo grandes reforços, equacionando dívidas e ganhando a Tríplice Coroa em 2021.

A tendência é que Corinthians, Flamengo e Palmeiras continuem por longo tempo disputando todos os títulos, mais o Galo e o São Paulo correndo por fora beliscando uma coisa aqui e outra acolá, que é para a coisa não ficar tão sem graça. Quanto ao Corinthians, não se preocupem. Logo, logo aparece um rio de dinheiro por lá, semelhante ao que aconteceu na Praia do Pinto em meados de 2012.

Hoje estamos vivendo uma nova fase do Futebol Brasileiro. Visando driblar o Projeto de Hierarquização artificial e minorar suas dívidas, alguns clubes resolveram sair do modo associativo, e entrar para o modelo das SAFs (Sociedade Anônima do Futebol). Tivemos o Botafogo, que vendeu 90% das ações para o americano John Textor; o Vasco, que vendeu 70% das ações para Josh Wander, dono da 777 Partners, e o Cruzeiro,p que vendeu 90% das ações para o ex-jogador e empresário Ronaldo Fenômeno.

Logo após esses movimentos no mercado, vi a maior sessão gratuita de hipocrisia da história. Os mesmos que colaboraram tanto para a “Espanholização”, que apoiaram a destruição do Clube dos 13, agora falam em “União, Equilíbrio, Fair Play Financeiro e formação de Liga”. Novamente, os clubes se dividiram. De um lado temos o Grupo Libra, que defende a manutenção do status quo. Onde o preceito é “Uma vez favorecidos, sempre favorecidos”.

A cultura do futebol brasileiro é a formação de oligopólios, é concentrar riquezas. Nunca foi no sentido de distribuir, visando um equilíbrio. Na Europa, tivemos uma tentativa de Liga, que graças a Deus não foi adiante. Um detalhe que diz muito; no Brasil, a panela já foi formada por 13 clubes. Agora, apenas seis. É sempre o “melhor para o seu umbigo” camuflado de “bom pra todo mundo”.

Do outro lado, temos o grupo Forte Futebol que visa uma divisão mais justa e igualitária, visando retomar o equilíbrio perdido. São dois lados antagônicos, onde um lado busca socializar a miséria, enquanto o outro busca dividir riqueza.

Os mais favorecidos dizem que “tem que continuar isso aí”, agindo pesado contra qualquer mudança. O monopólio é assim, parte do princípio que não é aberta a outros a participação no grupo daqueles que controlam o sistema e determinam as regras que o operam. O teto de cada um é pré-estabelecido pelos próprios organizadores deste sistema, e este não tem interesse em desenvolver o futebol brasileiro, mas sim um ou dois clubes como se eles representassem o todo. Até hoje, nada foi constituído para que os melhores e mais organizados obtenham êxito, e sim, que os ‘‘escolhidos” sejam favorecidos de inúmeras formas até que confirmem sua “força”. Típica meritocracia à moda brasileira.

“Equilíbrio e Campeonato justo” no sistema brasileiro a moda espanhola seria assim;

Flamengo – Real Madrid

Corinthians – Barcelona

Palmeiras – Atlético de Madrid (aquele time que de vez em quando atrapalha a hegemonia da dupla “querida”.)

O restante dos clubes; Sevilla, Villareal, Málaga, Numancia, Cádiz, Valladollid, Huesca, Rayo Vallecano, Espanhol etc.

Segundo alguns “jornalistas” e blogueiros da Globo, o “Campeonato atende a um mix de equilíbrio técnico e audiência”. Eu vos pergunto: um clube receber infinitamente mais de cota melhora o campeonato em quê? Quanto maior for o nível técnico de todos os competidores, mais lucrativo o campeonato é. Isso é o óbvio, ora bolas.

Durante mais de uma década de desequilíbrio financeiro, era muito comum ver jornalistas escrevendo inúmeras matérias sobre “austeridade no passado” e “planejamento financeiro”. Segundo eles, cota de transmissão superfaturada, patrocínios estatais em troca de lobby político é “Gestão Transparente”. Em contrapartida, empréstimo a juros baixos e patrocínio privado, segundo eles é “mecenato”.

Curioso que o poderio econômico destes clubes só passou a existir depois da quebra do Clube dos 13, onde passaram a receber cotas de TV absurdas e ordinárias e patrocínios em bases muito favoráveis a estes clubes. Tudo de forma artificial e proposital para gerar desequilíbrio. Eu vos pergunto; porquê não criaram o desequilíbrio internamente com receitas de marketing, bilheteria, sócios, camisas vendidas e etc?

Criaram “poderio financeiro” com dinheiro superfaturado da mesma emissora que monopoliza as transmissões da competição. É como se tivesse uma corrida de 500 metros, e por escolha da TV, um dos competidores quando disparasse o tiro da largada, já largasse a 10 metros da linha de chegada. Tem dúvidas de quem vai vencer essa corrida?

Não há nenhum critério lógico, científico, técnico, matemático, físico ou algo que o valha para toda essa distorção. É tudo baseado em números que não correspondem a realidade.

Ou mudamos isso urgentemente, ou mudaremos a alcunha de “País do Futebol” para “País da Emissora de TV”.

Altinho, altinha, celebração do futebol

Antigamente era altinho. O pessoal brincava antes de qualquer pelada, em qualquer lugar. O único objetivo era manter a bola no ar, numa espécie de frescobol coletivo – outro esporte solidário, sem vencedor ou vencido.

Na praia, o altinho se consagrou. Às vezes durava mais do que a própria pelada em si. Nos velhos tempos do futebol de praia em Copacabana, enquanto os dois times disputavam a peleja, atrás do gol ficava a turma na disputa de equilibro: a bola era a peteca e não podia cair. Ainda que seja uma prática muito ligada à praia, não é exagero dizer que o altinho fez parte da imensa faculdade de formação de boleiros Brasil afora, aprimorando o domínio de bola dos craques, outrora players.

O tempo passou, as garotas aderiram à prática trazendo ainda mais graça e beleza ao jogo, o altinho virou altinha – que valham as duas formas! – e se tornou patrimônio imaterial do Rio. A disputa oficial agora tem regras e pontuações, mas nada a afasta de seu curso natural, que é a beleza da solidariedade, um jogando pelo outro, cada um tentando um toque mais bonito e a bola no ar, voando alta ou um pouco mais baixa, prendendo todos os olhares ao redor. Talvez a busca por outra beleza, a do futebol que um dia tivemos no Brasil e deixava todo mundo louco de paixão. Talvez seja jazz tocado com os pés na esfera. Se os campinhos foram sendo apagados no Rio, pelo menos ninguém mexe ainda na orla e, com isso, não há dia em que, num passeio pela calçada, não se possa ver um grupo de artistas fazendo arte da própria brincadeira antes do jogo.

Neste 2022 a altinha ganhou até uma bela trilha sonora. “Espelho Solar” traz a parceria entre Rodrigo Lima, Ithamara Koorax e João Cavalcanti, com produção de Arnaldo DeSouteiro. Na letra, há uma linda passagem que captou o espírito da altinha em cheio: “Nosso espelho solar/ Onde põe-se a voar/ Nossa infância outra vez”. Nada pode ser melhor do que a junção entre os tempos de criança e uma bola para, mesmo que por alguns instantes, deixar a opressão do mundo lá fora e reviver a infância. O mundo precisa disso.

Os veteranos dos anos 1950 e 1960 agradecem.

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