Sabe o que é futebol?

Gosto é gosto, é de cada um, mas queria dizer algumas coisas de quem vem dentro disso há mais de 40 anos.

Se não sabe o que é futebol, recomenda-se silêncio para não falar besteira.

Parando pra pensar: nesse momento em que há uma tragédia mundial, não bastasse todo o mar de problemas e tristezas, o futebol está fazendo muita falta.

O Brasil não é uma república federativa com 100 milhões de TVs Smart. Não. Aqui no Rio mesmo tem pedaços da cidade que sequer têm luz. E gente humilde demais que tem como única distração o jogo de futebol no radinho de pilha, ou a resenha.

Pelada de rua, golzinho, de fora, tudo está proibido. Muitos garotos pobres, longe demais de pais com ótimos salários, às vezes só sabem o que é brincar quando há uma bola, mesmo que esteja esgarçada, com a câmara de ar em carne viva.

Já ouviu falar na geral do Maracanã? Ela foi assassinada há quinze anos, mas por outros cinquenta e cinco era o único lugar desta cidade maravilhosa onde brancos e negros se abraçavam de verdade toda quarta-feira e domingo – e quando tinham que sair na porrada, era de igual pra igual.

Durante muito tempo, num país comprovadamente escravagista (“E daí?”, né), a negritude tinha duas chances de ser respeitada como devido: na música popular ou no gramado de futebol. O racismo esteve e está em todos os lugares, mas o futebol ajudou de vários modos a lutar contra ele.

Quer saber de futebol? Pergunte para alguém que já ama o jogo há muito tempo sobre como tudo começou. Vai dar um livro inteiro.

Se é domingo na arquibancada, sábado no campo da praia ou feriado na grama ao lado do churrasco, não importa. Pode ser na mesa de botão, no game do computador e até no velho Telejogo, o futebol está lá ganhando os corações. E o Pelebol? E os craques no fundo das tampinhas de garrafa?

Os cinquentões de hoje foram crianças vendo e ouvindo Rivellino, Ademir da Guia, Dicá, Edu. Seus pais vibraram com Castilho, Barbosa, Evaristo de Macedo. Os avós sonharam com Domingos da Guia, Fausto, Heleno, Batatais, Lelé. As crianças de agora podem saber de todos eles.

Sabe quem foi Roberto Gomes Pedrosa? Já ouviu falar de Preguinho? E Belford Duarte?

E o Fla-Flu da Lagoa em 1941, hein? E a Taça Salutaris de 1927?

Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. País, Uchoa, Alex, Geraldo e Álvaro. Wendell, Miranda, Tadeu, Edinho e Rubens. Lico, Nunes e Tita. Jorginho, César e Baroninho. Todo de preto, o Borrachinha. De camisa branca, Leão.

Não despreze quem ama futebol. Tem muito mais coisas em jogo do que somente uma partida. Tem crônica, cinema, teatro, romance. Tem beleza até nos finais infelizes – pergunte aos maníacos que andam vendo reprises de derrotas de seus times há 30 anos!

Um garotinho com um cachorro quente na mão, um copo de Coca-Cola na outra, o popô no velho concreto quente e com seus pequeninos olhos espiando Edinho, todo de branco, arrancando da defesa para o ataque até fazer um golaço, comemorar feito um louco e, no final do jogo, lamentar a péssima vitória do Fluminense por 4 a 0 – poderia ter sido melhor. Ao lado, o pai sorri.

“Quando termina a partida, o torcedor, que não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos, que surra a gente deu neles, ou chora sua derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão. E então o sol vai embora, e o torcedor se vai. Caem as sombras sobre o estádio que se esvazia. Nos degraus de cimento ardem, aqui e ali, algumas fogueiras de fogo fugaz, enquanto vão se apagando as luzes e as vozes. O estádio fica sozinho e o torcedor também volta à sua solidão, um eu que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico feito uma quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval”. – Eduardo Galeano.

@pauloandel

Paulo Cezar Caju: um ídolo, uma lição de humanidade e um fã

Colaboração de Alberto Lazzaroni

A vida nos reserva muitas surpresas. O ano era 2016 e já começou cercado de muita expectativa. A esposa estava grávida, após inúmeras tentativas, e o tão sonhado filho estava a caminho. Tudo girava em torno desse acontecimento e estávamos muito felizes. De repente, a saúde da sogra que já vinha abalada se complica e ela é internada. Preocupação total. Mal tivemos tempo de respirar e vem outra notícia: um primo, quase um irmão, cai da laje da sua casa e também é internado com suspeitas de ficar paraplégico. Comoção total.

O tempo passou. O filhote nasceu e hoje é um meninão muito esperto e inteligente. A sogra, infelizmente nos deixou no ano passado, por conta de complicações da saúde. Hoje, o que nos resta é a saudade. E o primo? Bom, o primo José deixou o hospital mas infelizmente o diagnóstico de paraplegia se confirmou. Se aposentou por invalidez e hoje passa o tempo em sua cama, tentando encontrar motivos que o façam resgatar a alegria de viver.

Ontem, como sempre faço, falei com ele e, companheiros que éramos nas peladas de rua, a pauta quase sempre é futebol. No meio da nossa conversa recebo uma mensagem do eterno craque Paulo Cézar Lima, o PC Caju. Fiz a conexão na hora. Por que não pedir ao PC para enviar uma mensagem de conforto ao primo? Ele é botafoguense, tem o PC como um dos seus ídolos e certamente ficará feliz em receber esse carinho da parte dele. No melhor estilo “calçar a cara”, pedi o favor ao PC.

Assim o fiz mas devo confessar que não alimentei muita esperança não. E explico: PC é um ícone do futebol mundial, deve haver umas trocentas pessoas querendo falar com ele, entrevistá-lo, escreve as suas colunas, enfim, uma agenda lotada. Mas ele fez um áudio. E me enviou em menos de um minuto após o pedido. Transcrevo:

“Bom dia, salve José! Saudações botafoguenses. Muita força, muita perseverança, muita fé em Deus. Muita fé em você também que é mais importante nessa hora mas é Deus, lógico, que está ao nosso lado, todos os dias, todas as horas. Mas somos nós que temos que correr atrás e lutar, né? Que tudo corra bem, que você se recupere e vamos ver se após essa quarentena possamos tomar um café juntos aí, falou? Um grande abraço, muita saúde, tudo de bom. Um abração do tricampeão mundial Paulo Cézar Lima.”

Não preciso nem dizer o quanto esse áudio me emocionou e, de prontidão, agradeci demais a ele. Encaminhei o áudio para o José e foi algo assim muito poderoso. Ele me respondeu emocionado num primeiro áudio dizendo que não estava acreditando naquilo. O seu ídolo mandando um áudio específico para ele. Eu falei que era para acreditar e que enviasse um também que eu encaminharia para o PC. Moral da história: o PC acabou me pedindo o telefone do José, ligou para ele e, por instantes, não havia mais doença, não havia cama, não havia dor. A voz triste deu lugar à alegria. Só havia a magia do futebol a unir o ídolo e o fã, numa conversa onde ambos voltaram no tempo. O tempo em que um encantava a todos nos gramados mundo afora e o outro o imitava nas peladas de rua de seu bairro.

O que temos aqui meus amigos é a prova cabal do poder do futebol e da paixão que ele arrebata. Aquele momento em que um ídolo faz mais pelo torcedor que um psicólogo. O momento em que ele também é um remédio. Não sei se os atuais “craques” teriam tempo e vontade para fazer isso. São muitos assessores, muito estafe, muito marketing. Mas o que importa é que Paulo Cézar Lima, o grande PC Caju, o fez. E isso não tem preço. Como te disse PC: que Papai do Céu te dê em dobro! Você é gente!

Futebol no Aterro

Era uma aventura rápida. Sair de Copacabana num ônibus qualquer, saltar no Aterro do Flamengo e procurar duas boas árvores para servirem de traves. O gramado, um tapete de sonhos como se fosse jogar no Maracanã. Basta uma bola e o dinheiro da passagem.

Podia ser com um amigo, um conhecido ou outro menino que estivesse pela redondeza disposto a jogar, nem que fosse um chute a gol revezando os dois batedores. A vantagem do Aterro é que, por ser imenso, ninguém deixa de se divertir com o jogo de futebol, desde os pequerruchos que chutam bolas de plástico do mesmo tamanho deles até os marmanjos, que fazem dos campos de areia uma verdadeira La Bombonera, o mítico campo do Boca Juniors em Buenos Aires.

Golzinho com par de chinelos ou latas ou um objeto qualquer. Dupla de praia em plena grama. Dois trios chutando contra um só goleiro. Dentro ou fora. Pela manhã ou à tarde todos sonham em ser Edinho, Falcão, Cláudio Adão, Careca. Dribles de Adílio, arranques de Júlio César Uri Geller. Quem está no gol pode ser Leão, Carlos, Paulo Sérgio ou Waldir Peres. E se pode sonhar com um mar de gente ao lado, muitas bandeiras, fumaça, fitas de papel higiênico fazendo serpentinas na arquibancada, muito pó de arroz e um lindo placar eletrônico no cheio de lâmpadas onde se lê “SUDERJ informa”.

Os garotos, que nunca mais vão se ver depois da pelada, viveram juntos algumas horas da existência por motivo de futebol. Foram camaradas ou inimigos sem rancor. Correram, suaram, sonharam com a magia que poderá inebriá-los para o resto de suas vidas.

Terminada a peleja, um deles se senta na grama sozinho, pega o único trocado que lhe sobra, chama o sorveteiro e compra um picolé de limão. Refresca-se depois da correria e espia todo o lugar, abraçando com carinho sua bola de futebol emborrachada e humilde. É um Maracanã depois de um jogo do pensamento. Pergunta as horas para um corredor grandão, são quinze para as quatro e ele decide voltar para sua casa: a televisão vai transmitir Grêmio e Flamengo, decisão do Campeonato Brasileiro de 1982. Todos querem ver e torcer para alguém!

Minutos depois, sentado no banco de trás de um ônibus 433 absolutamente vazio, ele olha para a Enseada de Botafogo, vê outros garotos jogando futebol de praia, sonha com um bom almoço depois do banho, fica empolgado em passar pelos túneis que lhe servem de caminho para casa e depois do segundo, já perto, pensa se gostará do futebol daquele mesmo jeito aos trinta ou quarenta anos de idade.

A pessoa é para o que nasce.

A linha do céu de Moça Bonita

Fim de tarde, fim de jogo, os admiráveis maníacos já deixaram o estádio do Bangu, o Fluminense jogou outra vez. É uma sede interminável. O jogo, o jogo, o próximo jogo, o próximo campeonato, a próxima temporada. Assim tem sido para mim e para muitos torcedores que acompanham seus times de futebol pelo mundo afora.

A diferença do Fluminense para todos os outros está no meu coração de criança. Foi dele que tudo veio, que me trouxe até aqui e que me levará para o futuro imprevisível. Meu time é meu grande companheiro da trajetória de vida. Bons e maus passaram, amores também, as pessoas amadas disseram adeus e ficaram guardadas para sempre no coração. O Fluminense não: como nos versos geniais de Caetano, ele é tensão flutuante do Rio. E por quase todo o ano, a cada três dias ele mobiliza sua gente a persegui-lo como pode: de trem, ônibus, bicicleta, pela TV do bar da esquina, pelo fone de ouvido, pelo radinho de pilha da portaria ou da barraquinha de camelô.

A linha do céu de Moça Bonita desenha um fim de dia, mas na verdade é o recomeço do eterno presente em que vivemos. O Fluminense é pensado, sonhado, desejado. Tal como a pessoa amada, ele instiga e pouco importa se está ou não em seus dias de glória, porque torcer não implica em lógica nem casuísmo, não é escolher quando se busca, mas um sonho que só termina com a morte e talvez nem isso.

O Fluminense está na linha do horizonte, com suas cores diferenciadas pela beleza da luz que abraça a Terra esférica. Ele também está no ponto de ônibus abraçando um coração sereno de volta para casa, nos carros que passam e no mistério da noite que se avizinha. A procura incessante que Bob Dylan faz desde que saiu de casa há muitas décadas e, com seu ônibus, atravessa os Estados Unidos com sua “Neverending Tour”, a turnê que nunca termina, pouco importando se os ginásios vão estar apinhados de gente ou com os gatos pingados facilmente identificáveis, porque estão sempre lá e rangem os dentes em qualquer lugar onde as três cores são nome. Perto dos 80 anos, o trovador estadunidense, o maior artista vivo de seu país, rima com o Fluminense.

Lá vai o velho escudo correndo pelo asfalto procurando a beleza das luzinhas no fim da estrada que não chega, abraçado pelo azul do céu que morre e renasce a cada dia, às vezes coberto de gris, noutras límpido e certeiro. Eu também estou lá, mesmo quando não preciso ou sequer consigo fazer a procissão do futebol ao vivo. O meu Fluminense está em todos os lugares, ganhando ou perdendo. Ele está muito acima de covardias, da vaidade dos homens maus, dos deslumbrados ovos que dele se locupletam por algum motivo – todos vão passar, só o Fluminense não passará jamais, como bem disse o maior de todos os escritores tricolor. O que está em jogo é muito acima de tudo: voar em busca do meu time e, a cada três dias, navegar por lindas noites e tarde para encontrá-lo como se fosse o beijo desejado, que não se encerra em si – ele insiste, avança, avança, sempre em busca do infinito.

Em frente à linha do céu de Moça Bonita eu penso no Fluminense. Quando me sinto miserável e abandonado, penso no Fluminense e ele me oferece acalanto. Quando saio depois de uma derrota, me irrito por trinta segundos e então penso em onde será a próxima partida do Fluminense. Meu coração não se apequena, pelo contrário: aí é que ele se agiganta em uma busca que nunca terá fim. Olho para trás, vejo mais de quarenta anos passados, sonho com mais trinta à frente, ou vinte que sejam bons, ou o que vier porque não tenho o controle disso, mas aquela velha emoção de criança ainda queima com toda fúria: é a próxima partida, é o Fluminense, onde estará o Fluminense, oxigênio do meu pensamento, água para a sede que não cessa, a força que nunca seca, a linha do horizonte que me chama e faz sentir minha mão dada à de meu pai, como se aquela linda imagem algo dissesse “Vamos! Hoje é dia de jogo, vamos perseguir o nosso time”. Eis o que nos cabe.

@pauloandel

#####

Sobre a foto espetacular de Vinicius Viana, também em homenagem ao aniversário de Leonardo Moretti e a todos os tricolores que perseguem o Fluminense por amor, cada um a seu modo, desde muito até o sempre.

Título inspirado em “A linha do céu de Barueri”, publicado em “Do inferno ao céu – a história de um time de guerreiros”, Editora 7Letras, página 127, 2010, e consequentemente em “Nashville Skyline”, Bob Dylan, Columbia Records, 04/04/1969.

Aquele Gordon Banks

Brasil e Inglaterra na TV há pouco. Meio século depois, o jogão da Copa do México ainda é muito falado, com razão.

Dez entre dez comentaristas cravam como grande lance a defesa de Gordon Banks, com razão.

O Brasil levou uma bola no travessão. É do jogo.

Agora, o nosso gol é um clássico eterno do melhor futebol do mundo: Tostão deixa três ingleses de bobeira e cruza lindamente; Pelé deixa outros dois com um toquinho colossal, enjoado; finalmente Jairzinho ajeita e solta a bomba.

Estava rediviva a mística de 1958 e 1962.

Os uniformes eram lindos de morrer, achado maravilhoso de Ibrahim Sued. Até as placas da Esso na linha de fundo eram charmosas. Os caracteres no placar na tela da televisão. Tudo.

As imagens da Copa de 1970 estão muito vivas para quem gosta de futebol. Compreende-se: foi a primeira que vivos com os próprios olhos dentro de casa. O time era o maior de todos os tempos. Todos os craques voltariam para o Brasil e viveriam aqui, muitos ainda jogando várias temporadas.

Jairzinho, Gerson, Tostão, Pelé e Rivellino. Podia ser o quinteto de Miles Davis em “Kind of blue”. O MPB4 cantando “Roda Viva” com Chico Buarque. Uma mesa em Paris com Hemingway e seus pares. Mas é o nosso melhor futebol, com as nossas lindas cores, fazendo os olhos de milhões de torcedores brilharem, dando uma réstia de alegria para um país com portões fechados.

Três anos depois do tri, os garotos de quatro ou cinco anos ficavam embasbacados com as figurinhas dos heróis da bola. Só de ouvir falar nos tricampeões do mundo, muitos se apaixonaram pelo futebol para sempre. Taí a coluna que não deixa mentir.

@pauloandel

Ainda sobre 1982

Na era do caos pelo Covid19, as reprises são abundantes nos canais esportivos. Na semana passada, com a campanha do Brasil na Copa de 1982, vieram à tona enormes discussões sobre o que seria a verdade do time de Telê Santana no Mundial da Espanha. Para muitos, um engodo. Para outros, abaixo do esperado. Para alguns, tudo muito discutível, mesmo que seja um dos times mais respeitados da história das Copas do Mundo, ao lado de outras admiráveis não campeãs como a Hungria de 1954 e a Holanda 1974/78.

Importante pontuar que as retransmissões foram feitas sem as análises e narrações originais, que dariam muito do clima da época, mas há muito além disso.

Primeiro: aquela foi a última vez em que a Seleção Brasileira era realmente popular. Praticamente todos os seus jogadores atuavam no Brasil. Os campeonatos regionais e o brasileiro reuniam com facilidade públicos de 50, 80 ou 100 mil pessoas. Era um time identificado com seu povo.

Segundo: Telê Santana vai para a Seleção Brasileira depois que o Palmeiras, time que treinava à época, massacrou o poderoso Flamengo nas quartas de final de 1979 em pleno Maracanã numa atuação arrebatadora. Ele se torna o treinador exclusivo e a Seleção é chamada de “permanente”, passando a se apresentar e jogar mensalmente. Em pouco tempo Telê resgata a paixão pelo futebol depois do fiasco da Copa América de 1979. Entre 1980 e 1982 a Seleção faz grandes partidas, dá exibições e chega à Espanha como a favorita ao título. Naquele período, o Brasil sofreu apenas duas derrotas: uma para a URSS, no começo do trabalho, e outra para o Uruguai, na final do Mundialito de 1981, torneio realizado naquele país em comemoração do cinquentenário da primeira Copa do Mundo (com um ano de atraso).

Terceiro: a credibilidade da Seleção tinha fundamento. Em 1981, o Brasil fez uma excursão à Europa e bateu três potências: Inglaterra (1 a 0), Alemanha (2 a 1) e França (3 a 1). Aliás, na primeira Era Telê o Brasil venceu a Alemanha, que seria vice-campeã mundial, por três vezes, uma delas por 4 a 1. O time era cantado e decantado por toda a imprensa esportiva mundial, sem exceções. E a base do time vinha de timaços como São Paulo, Atlético e Flamengo.

Tudo isso gerou uma enorme expectativa que na Espanha não se confirmou. Há muitos motivos mas, descontando-se a estreia contra a URSS, sempre complicada e nervosa, a Seleção passou com muita facilidade pelos seus três adversários a seguir. Se Escócia e Nova Zelândia eram fácies de bater, o mesmo não se pode dizer da Argentina, que sempre é um osso duríssimo de roer. A vitória por 3 a 1 foi inconteste. Quatro vitórias em quatro jogos, ainda que sem o brilho de quem costumava oferecer shows – mas todos sabemos que, na Copa, é diferente. Com seis gols nas duas primeiras partidas, o Brasil superou a estatística empacada desde 1954.

O jogo contra a Itália era muito perigoso, mas muitos italianos reconheciam a superioridade brasileira e a vantagem do empate para os então tricampeões mundiais. Só que a Itália jogou como nunca, esteve à frente do marcador em boa parte do jogo e, no fim, conseguiu sua vitória em uma jogada até inesperada (o peteleco de Tardelli se converter num passe para a finalização qualificada de Paolo Rossi). Os italianos foram melhores e souberam alcançar o resultado. O timaço brasileiro, com exceção de bons momentos de Sócrates e Falcão (por sinal, autores dos gols), fez uma de suas piores partidas desde que o trabalho iniciara em 1980.

Por muito tempo, certa empáfia atribuiu aos italianos a pecha de “zebra”. Ledo engano: um time com Zoff, Scirea, Cabrini, Tardelli, Antognioni, Altobelli e Paolo Rossi jamais poderia ser uma zebra. Fez uma primeira fase sem vitórias, mas mostrou força ao derrotar os argentinos. E contra o Brasil arrancou para o título merecido.

Desde então, nenhuma outra derrota brasileira numa Copa do Mundo deixou o país tão triste quanto essa do Sarriá. A relação mudou para sempre. O Brasil fechou as portas por 24 horas. Não foi a derrota em um jogo, mas a de um encanto regular do futebol brasileiro por mais de dois anos. Muito mais do que a retransmissão de uma partida onde tudo deu errado contra um grande adversário. E custou caro ao futebol mundial, com a obsessão pelo chamado futebol-força.

Pelo menos, a reprise de Brasil 2 x 3 Itália serve para tirar de vez a culpa exclusiva de Serginho pela eliminação. Ele não foi bem, mas definitivamente não deveria ter sido o bode expiatório. Waldir Peres, que falhou contra a URSS, mostrou muita segurança no resto da competição e não teve culpa nos gols. Feras como Éder e Zico estiveram apagadas. Edinho e Roberto eram dois jogadoraços, mas é difícil cravar que resolveriam sozinhos a parada contra os italianos. É certo: Luizinho, um craque, jogou mal a Copa. Leandro e Júnior, craques, cederam generosos espaços de contra-ataque. A Seleção na Espanha jamais foi a mesma que havia encantado o mundo nos dois anos anteriores, mas sua imagem anterior era tão poderosa que prevaleceu.

Os campeões de 1994 e 2002 realizaram partidas até piores do que os derrotados na Espanha, mas a vitória final apaga os erros. Não é preciso tirar-lhes o brilho para elogiar a Era Telê na CBF. Tivemos brilho também em 1938 e 1950, tínhamos craques em 1966 mas o fracasso foi grande. A Seleção de 1982 mantém o respeito porque foi muito vista em seu auge ao vivo e na TV.

Ao ser recebido para a coletiva após a derrota para a Itália, Telê Santana foi aplaudido de pé por mais de duzentos jornalistas. Se isso não tiver significado nada, talvez os torcedores do São Paulo em 1992/1993 possam explicar melhor.

@pauloandel

Didi, o craque da Copa do Mundo de 1958

Colaboração do jornalista Luiz Paulo Silva

Reproduzo abaixo matéria da revista Manchete, de 1958, do saudoso jornalista Ney Bianchi, ao fim da Copa do Mundo daquele ano, enaltecendo as atuações de Didi, que foi considerado o craque do mundial. Teve até eleição entre os jornalistas que cobriram o evento e Didi ganhou disparado (1.350 votos). Detalhes: 1) Pelé não aparece entre os dez melhores; 2) Gilmar ficou em quarto (235); 3) Garrincha e Nilton Santos ficaram em sétimo e oitavo (com 130 e 123 votos, respectivamente); 4) Fontaine, o francês que marcou 13 gols naquele mundial, ficou em nono, com apenas 103 votos.

Eis a matéria, abaixo:

CONSAGRADOR E DEFINITIVO:

DIDI, O “CRAQUE DO MUNDO DE 58”

Estocolmo, junho (de NEY BIANCHI e JÁDER NEVES, enviados especiais)

Didi está consagrado como o maior jogador da Copa do Mundo de 1958. Equivale a dizer: é o maior astro do futebol mundial, na atualidade. A seu respeito, muita coisa tem sido escrita, reportagens inteiras. Quando, ao término das oitavas de finais Didi foi citado como o craque das eliminatórias, já havia nos afirmado:

— O que interessa é ganhar a Copa do Mundo.

Agora, quando foi consagrado como “o craque do mundo”, repetiu o refrão, mudando apenas o tempo do verbo:

— O que interessava era ganhar a Copa do Mundo.

“UMA PÉROLA NEGRA, RARA E BRILHANTE”

Gabriel Hannot não se cansou de escrever para o seu diário “L’Equipe”:

— Este homem é, em verdade, uma pérola negra muito rara e valiosa, que todo amante do bom futebol deve procurar ver e relembrar para todo o sempre. Não é muito comum aparecer um jogador de tais virtudes, em qualquer parte do mundo. Didi é, a um tempo, artista, malabarista e jogador de futebol. Um passe seu de cinquenta metros equivale a meio gol. E, quando chuta, suas bolas fazem como o mundo. Giram, giram, giram. E traçam irremediavelmente uma parábola fatídica para o melhor dos arqueiros…”

“VALE A PENA PAGAR PARA VER DIDI”

Ainda nos tempos em que não havia otimismo por aqui, com respeito à conquista da Copa, os jornais suecos se ocupavam de Didi, elogiando-o. Agora ocupam-se dele prevenindo. O “Svenska Dagen” foi um dos que escreveram:

— Qualquer “ticket”, por mais caro que seja, vale a pena ser pago, só para que possamos ver Didi jogar. Não sabemos quando virá à Suécia, outra vez, um craque de tal valor.

A verdade é essa: Didi jamais jogou tanto, em toda a sua vida, o que é, em síntese, também o caso de Gilmar, que atingiu o pleno da sua maturidade esportiva. Mas também ele nunca teve tão grande vontade de vencer. Já dissemos: rezava, quando tocavam o hino nacional, nos estádios. E olhava o céu, longe…

“DEFINITIVO: O CRAQUE DO MUNDO”

A própria enquete que o “Press Club” da Copa fez para apontar o melhor jogador da Copa foi definitiva. Didi mereceu a grande maioria dos votos de todos os jornalistas presentes, destacando-se como um craque excepcional. Eis, em síntese, a distribuição desses votos:

DIDI (Brasil)…………… 1.350 votos

Kopa (França)..………… 456

Skoglund (Suécia)…..… 436

Gilmar (Brasil)….….…. 235

B. Wright (Inglatterra)… 134

Greg (Irlanda)…………. 132

Garrincha (Brasil)…….. 130

Nilton Santos (Brasil)… 123

Fontaine (França)……… 103

Rahn (Alemanha).………. 97

E outros, menos votados, valendo acrescentar que todos os jogadores brasileiros receberam votos.

Futebol, futebol!

FUTEBOL (por Paulo-Roberto Andel)

Quando meu pai entrou no quarto com o álbum de figurinhas da Copa de 1970, no ano de 1973, eu tinha quatro anos de idade mas já gostava de futebol, mesmo sem nunca ter visto um jogo. E no ano seguinte, 1974, eu me lembro de estar sentado num degrau de concreto da arquibancada num jogo do Fluminense, quando meu pai me deu a mão e me puxou para ir embora. No corredor do Maracanã eu via vários torcedores grandes, todos muito maiores do que eu, caminhando para o mesmo lado, a caminho da rampa do lado da UERJ é de um obelisco que já não existe lá. E lembro do cheiro de cachorro quente das barracas, contrastando com o das laranjas, que eram vendidas em grandes plásticos no chão.

Em 1975, eu estava na casa de Dona Nininha e Seu Arlindo, que ficava na Estrada de Botafogo, quando meu pai chegou com uma caixa de lindos botões da marca Cracks da Pelota. Colar os escudinhos do Fluminense nos botões de plástico transparente, sem cor, foi uma responsabilidade: eu sabia que aquilo era muito sério.

Em poucos anos, eu ouvia um rádio Telefunken bem grandão para ouvir as narrações dos jogos. Meu pai me levou ao Maracanã lotado várias vezes, com 120 ou 130 mil pessoas, uma experiência pela qual ninguém passa imune. Eu lia O Dia, O Globo, Jornal do Brasil e Jornal dos Sports, até o Pasquim falava de futebol, a Revista Placar era maravilhosa. Jogava bola na rua, na vila ao lado do prédio onde morava, e também na praia de Copacabana, alternando as traves do Juventus e do Bairro Peixoto. Disputava campeonatos de botão com Augusto Arromba, Marcelo Batista, Luis Fernando Gomes Minas e o saudoso Fredão. Joguei também com meu amigo Leonardo Tigre Maia, que era meu colega de escola e, anos depois, de faculdade. Na casa do Fred, Luis e Floriano Romano eram figuras presentes, e também jogávamos nas casas deles.

Com 13 anos, eu já ia para o Maracanã sozinho toda semana, jogava botão sozinho, criava finais imaginárias em casa, disputava duplas e praia sempre que possível à noite, peladas na quadra da Lagoa e no Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira. Edinho era meu herói dos gramados. Eu respeitava adversários terríveis como Roberto Dinamite, Tita e Mendonça. Tentei fundar uma torcida organizada com Toninho e Ricardo, filho de Silério, que era amigo de meus pais e trabalhava num prédio da Rua Santa Clara – eles declinaram e deixei de ser o mais jovem presidente de torcida do país. Colecionava muitos botões que minha mãe me dava de presente, com todo o sacrifício financeiro – eu os tenho até hoje.

Quando fiz 15 anos, o Fluminense estava prestes a viver anos incríveis e inesquecíveis. Eu estava lá em todas. Deste então, se passaram quatro décadas. Respirei futebol o tempo todo, e continuo sendo o garoto que se encantava com os botões de plástico, as figurinhas da Copa de 1970, o grande anel do céu a ser observado por quem se deitava num degrau da geral do Maracanã. Por isso escrevi até aqui muitos livros sobre o assunto, afora os inéditos e inacabados: é que eu continuo procurando por todos os lados o cheiro do cachorro quente, das laranjas, os vendedores de Coca-Cola que mais pareciam astronautas da arquibancada – todos de branco, com capacete e o refrigerante às costas num tanque que mais parecia de oxigênio. Eu procuro a nuvem espessa de pó de arroz, o mar de bandeiras e também a oposição do outro lado. Eu procuro o velho obelisco, as caminhadas da Praça da Bandeira até o Maracanã, os sinais das estações de rádio que ecoavam por toda a arquibancada nos minutos finais de jogo, o pacotinho de batata frita Guri no bar fuleiro, a voz de Victorio Gutemberg saindo por altofalantes abafados e dando os resultados da loteria, os garotos pobres e descalços na bilheteria que choravam ao ganhar um ingresso do meu pai – ele também chorava, o lindo placar de lâmpadas que inunda meus sonhos, os passageiros do ônibus na volta de um clássico qualquer – risos, piadas, incorreções e abraços.

O Maracanã por muito tempo foi o lugar onde eu vi os ricos e os pobres se abraçando de verdade, como se fosse amizade e parceria, o único lugar. E que choravam juntos num insucesso.

Ainda procuro os garotos jogando botão debaixo da escada rolante do shopping dos antiquários, ou chutando bola na trave do Juventus com a praia deserta, ou ainda fazendo a de fora na Vila Tenreiro Aranha para se sentirem heróis entre traves imaginárias feitas com chinelos ou pedras.

Invariavelmente os vejo. Eu também estou lá.

@pauloandel

Ivan Lessa: Futebol é ciência

Publicado originalmente na BBC Brasil em 28 de junho de 2006

Acabou-se o que era doce. Ou acabou-se o que era pau puro (vide, ou relembrai, Portugal contra Holanda). Futebol agora pode virar ciência exata. Feito hóquei em patins e bacará.

A afirmação, bem dizendo, a demonstração, foi feita por um cientista, raça que – todos sabem – não respeita nada que é sagrado. Algumas horas antes do apito inicial para a contenda entre as seleções da Inglaterra e do Equador, Kenneth Bray, um teórico dos mistérios da física, atualmente cedendo suas luzes à Universidade de Bath, resolveu dedicar um pouco de seu precioso tempo ao nobre esporte bretão, como ainda o chamam aqueles que nunca viram um jogo da atual seleção inglesa.

Principalmente do jogo em questão, aquele de sábado contra os pobres dos equatorianos. Sejamos, no entanto, docemente científicos e exerçamos uma marcação corpo a corpo sobre o ilustre cientista.

Ken Bray, como é conhecido na intimidade – e mais de uma pessoa já apontou para o fato de que parece nome de lateral direito marcador de ponta esquerda — Ken Bray, dizia eu, tomou de seu computador, ou o do Universidade de Bath, não ficou claro, e utilizando-se de fotografias digitalizadas do “tanque” Wayne Rooney, a grande esperança inglesa, foi armazenando dados para sua implacável equação.

Vocês todos, coitados, já viram ao menos uma fotografia de Wayne Rooney. Sim, eu concordo. É chato. Ele é conhecido nos círculos maldosos como “Shrek”, em vista de sua extraordinária semelhança, só que em branco azedíssimo, com o personagem computadorizado daqueles dois divertidos desenhos eletronicamente animados.

O homem é uma geladeira ambulante.

Ken Bray empregou fotografias digitalizadas a um décimo de segundo durante os 90 minutos regulamentares de um jogo inteiro de futebol que tivesse contado com os esforços de Rooney. Trabalhão aborrecido esse, hein? De posse dessas preciosas fotos todas, o insigne professor (presumo que seja formado) concluiu que o jogador cobre cerca de 7,3 milhas, ou quase 12 quilômetros de distância, em uma partida normal, se normal pode ser qualquer partida que conte com os enérgicos esforços do “Shrek” retangular da redonda.

Pouco mais da metade desses quilômetros são percorridos à velocidade de um corredor profissional de meia distância. O resto como fundista, ou simplesmente caminhada, à beira-mar ou campo, como quiserem. Ken Bray passou em seguida, de calcanhar, à sua exposição (exposição? Que exposição?) tendo declarado à imprensa, como um técnico sagaz ou ponta de lança mentalmente contundido:

– Todos querem saber se Wayne Rooney é o mais perfeito dos jogadores de futebol. Resposta? Possivelmente, sim.

Embora ninguém quisesse saber nada, o físico britânico desandou a tacar equações num quadro negro para provar sua tese. Parecia o tal técnico sagaz. Aquele da Costa Rica.

Deixando afinal de lado o giz, Ken Bray encerrou sua coletiva afirmando que a Inglaterra ganharia do Equador. Isso era fato e fato científico.

Entre os jornalistas, pasmo geral. Pareciam direitinho a defesa da Sérvia e Montenegro no jogo com a Argentina. Ninguém entendeu nada. Sabiam apenas, e assim reportaram, que com a ciência não se discute, assim como não se dá cabeçada em juiz russo incompetente.

E não é que foi tiro e queda? Tiro de David Beckham. Queda do pobrezinho do Equador que merecia coisa – equação que fosse – melhor. Agora é mandar uma equação semelhante para cima de Portugal. Que, na grande tradição holandesa, bem que poderia alijar da peleja, nos primeiros cinco minutos do jogo, o inefável Wayne Rooney.

Giva, Giva, Givanildo!

Nos tempos em que todos os times brasileiros jogavam com um só volante, Givanildo foi a fera à frente da zaga. Multicampeão pelo Santa Cruz, vice-campeão nacional pelo Corinthians, chegou à Seleção Brasileira. Passou pelo Fluminense, foi para o Sport – onde também brilhou. Depois, virou treinador de sucesso, ganhou trocentos títulos e continua na ativa, denunciando que nunca teve espaço em times grandes pelo preconceito que sofre por ser nordestino.

O DIA EM QUE GIVANILDO PAROU PELÉ: CLIQUE AQUI

Um canhão chamado Nelinho

Um dos maiores laterais direitos de todos os tempos, Nelinho marcou muitos gols, disputou duas Copas do Mundo e dominou o futebol mineiro por mais de uma década, atuando por Atlético e Cruzeiro. Dono de um chute fortíssimo, acertou uma bola fora do Mineirão num duelo com o lateral Toninho, também da Seleção e jogador de Fluminense e Flamengo.