O histórico Fluminense 1973 (por Paulo-Roberto Andel)

Parece outro dia, faz muito tempo e celebra uma data histórica: em 22 de agosto de 1973, há exatos 50 anos, Fluminense e Flamengo decidiam o Campeonato Carioca daquele ano.

Deu Fluminense com folga: debaixo de uma tempestade, mas jogando pelo empate, o Tricolor abriu 2 a 0, mas o Flamengo conseguiu empatar, para então o Flu liquidar a fatura com mais dois gols.

Há quem diga que boa parte da chuvarada que alagou o Maracanã se deveu a Manfrini, que literalmente fez chover: acabou com o jogo no talento e na raça. E como todo campeão começa com um grande goleiro, Félix defendeu tudo e mostrou mais uma vez porque foi campeão do mundo.

No primeiro tempo só deu Fluminense, mas a vantagem terminou em apenas dois gols. Num Fla x Flu, é pouco para garantir qualquer coisa. No segundo tempo, mexendo no time, o Fla conseguiu reagir e igualar o marcador, mas não havia a força para a virada e aí o Tricolor prevaleceu.

Alguns jogadores daquela noite acabaram vestindo a camisa adversária a seguir. No Flamengo, Renato, Rodrigues Neto e Paulo Cezar Lima viriam a integrar a Máquina Tricolor. No Fluminense, o lateral Toninho Baiano, autor do segundo gol tricolor, faria história na Gávea. E o artilheiro Dionísio, que fechou a goleada, tinha uma longa trajetória no time rubro-negro.

Fora do segundo turno e da decisão por contusão, Gerson finalmente conseguiu ser campeão pelo seu clube de coração. À beira do campo, pela primeira vez Zagallo perdia uma decisão.

Vindo de uma época espetacular no fim dos anos 1960, o Fluminense manteve a trajetória iniciada em 1969, também num título carioca sobre o grande rival da Gávea. Campeão brasileiro em 1970 e Carioca em 1971 – desta vez sobre o Botafogo -, o Flu 1973 é motivo de orgulho para todos os tricolores. Os garotos daquele tempo hoje são cinquentões e sessentões que carregam consigo as memórias de um Maracanã popular, divino e inesquecível. Não há entre eles quem deixe de falar “Naquela noite o Manfrini arrebentou, rapaz”. E para quem achava que a sequência tricolor esmoreceria, depois de um tímido 1974 viria simplesmente a equipe mais emblemática da história do clube, sob a batuta do Maestro Francisco Horta.

A chuva não importa: cinquenta anos depois, o Fla x Flu da final de 1973 ainda pega fogo. É uma brasa, mora?

Fluminense 121 (por Paulo-Roberto Andel)

Ainda me lembro do exato momento em que me tornei Fluminense, há 50 anos: meu pai veio me mostrar um álbum de figurinhas da Copa de 1970 e abriu na página da Seleção Brasileira. Apontou e disse: “Esse é o Félix, ele é do Fluminense”. Desde então, essas duas palavras nunca mais saíram da minha memória, Félix e Fluminense. Eu não me apaixonei pelo escudo, pelas cores ou pelas bandeiras, mas pela palavra – e se coincidência não existe, está explicado porque, muitos anos depois, escrevi vários livros sobre o clube.

Cheguei em 1973 e o Flu já tinha uma história maravilhosa. Embora não seja o primeiro clube de futebol do Brasil, foi o pioneiro de tudo: inventou os campeonatos, o estádio, a torcida, o cuidado com a grama – pelo impecável burro Faísca -, o ídolo – e sex symbol – e, por fim, a Seleção Brasileira, para quem forneceu dezenas de jogadores nas Copas do Mundo.

Provando sua vocação suprema para o futebol, o Fluminense logo tratou de ganhar muitos títulos na era do amadorismo. Depois deu um tempo e, quando veio o profissionalismo, montou aquele que provavelmente foi o maior time de sua história, dominando o Rio de Janeiro em fins dos anos 1930 – e se não fosse a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era candidato certo a ganhar o Mundial de 1942 com um escrete tipicamente tricolor. E já que a guerra veio, o Fluminense colaborou com um avião de combate para o Brasil. No fim dos anos 1940, a Taça Olímpica deu ao Flu o título de perfeita organização desportiva. Quando o futebol brasileiro foi reduzido a pó na Copa de 1950, correndo grande risco até de desaparecimento, veio o Fluminense e ganhou o Mundial de Clubes, reacendendo o interesse popular pelo esporte.

Desde então, o Fluminense viveu de tudo, tal como um verdadeiro ator de cinema: ganhou e perdeu grandes títulos, foi condenado à morte com rebaixamentos mas ressuscitou para sempre, teve dezenas de grandes craques, vários perebas, lutou muito e atravessou décadas. Foi às vias de fato, encarando a luta. Time de guerreiros. Tudo isso foi testemunhado pela maravilhosa massa tricolor, muitas vezes imersa na mais apaixonante nuvem de pó de arroz que já se tem notícia. O grande Flu dos clássicos imortais, de times inesquecíveis como a Máquina Tricolor de 1975/17, a mocidade independente de 1980 e o grande grupo tricampeão carioca e campeão. O time do gol de barriga, os campeões da Copa do Brasil em 2007, o vice-campeão da Libertadores em 2008, os dois títulos brasileiros em 2010 e 2012, mais o recente bicampeonato carioca em 2022/23.

O Fluminense é o time dos gols no último grão da ampulheta, das vitórias inacreditáveis, dos heróis improváveis. É o time da playboyzada que não se limita aos bairros nobres – é muito mais um estilo do que qualquer outra coisa. O time das garotas mais bonitas de todos os tempos, não importando se têm 18, 27, 42 ou 66 anos. O time que, por sua longa trajetória, já irritou e contrariou as redações e estúdios de boa parte da imprensa convencional. De Waterman a Welfare, depois passando por Batatais e Romeu, Rivellino e Edinho, Assis e Washington, Renato e Romário, até agora desembocar em Arias e Cano, o Tricolor é sonho, realidade, drama, conquista e emoção, tudo isso envolto em três cores que contam a história do futebol brasileiro há 121 anos.

@pauloandel @p.r.andel

O jogo que nunca termina (por Paulo-Roberto Andel)

Vem aí mais um Fla x Flu. Na verdade dois, pela decisão do Campeonato Carioca de 2023, nos próximos dois finais de semana.

Para o maior cronista do futebol brasileiro em todos os tempos, Nelson Rodrigues, o grande clássico inventou a multidão quando o Rio de Janeiro era uma cidade triste, de ruas vazias. Assim foi em muitos jogos eletrizantes na rua Paissandu e no Estádio das Laranjeiras, depois na Gávea e finalmente no Maracanã, seu habitat natural desde 1950. E como o Fla x Flu envolve até as relações familiares, Nelson Rodrigues tinha um grande cronista rival dentro da própria casa: Mário Filho.

Muita coisa mudou, para não dizer tudo: os próprios Rio de Janeiro e Maracanã, hoje muito diferentes de outrora. O Fla x Flu, que facilmente levava 140 ou 120 mil pessoas às arquibancadas, cadeiras e geral, hoje não passa de 70 mil até porque o estádio não disponibiliza todos os ingressos. Mesmo assim, estará lotado pelo contraste das cores e gritos. Todos os bares, biroscas e congêneres estarão cheios de olhinhos atentos à TV, suspirando por jogadas que, de alguma forma, celebrem o futebol de Romeu Pelicciari, Dida, Waldo, Silva, Rivellino, Zico, Ézio e tantas outras feras que escreveram a história desse clássico imortal, único no mundo pela quantidade de gente que já levou ao campo e também porque é o único nascido de uma cisão no ventre: o futebol rubro-negro nasceu de uma dissidência dentro da casa tricolor, como se sabe.

Os homens de 55 anos carregam para sempre os Fla x Flus abarrotados no fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Só nesse pequeno intervalo, jogos antológicos tiveram a assinatura eterna de nomes como Cristóvão, Tita, Paulo Goulart, Luiz Fumanchu, Lico, Nunes (para os dois lados) e, claro, Assis, dentre outros. Já os de 65 primaveras vão se lembrar de Félix, Samarone, Paulo Henrique, Fio Maravilha, Flávio Minuano e grande elenco. Os nonagenários viram tudo que aconteceu no grande Fla x Flu de 1941. E quem já não está mais aqui viu o clássico nascer em 1912. Mas será que não está? Quando o Fla x Flu acontece no Maracanã cheio, parece que tem um milhão de pessoas presentes, entre gente viva e morta, gente que persegue o combate entre as duas camisas para sempre. Parece que todo mundo abraça o Fla x Flu pela eternidade.

Nos últimos anos, Pedro e Gabigol, Cano e até o incrivelmente subestimado John Kennedy têm dado as cartas. A partir do próximo sábado, começará a ser escrito mais um capítulo de um livro infinito, o do jogo que nunca termina. Homens, mulheres e crianças vão gritar, sofrer, rir, chorar, sonhar e registrar momentos que serão carregados para sempre. Seja ao vivo no calor infernal do Maracanã, num restaurante sofisticado com telão ou numa sala de plantão profissional, o Fla x Flu prevalecerá. Pode ser também no radinho humílimo de um trabalhador à portaria ou num trem. Quem sabe numa mesa de botão Estrelão e seus craques de acrílico, ou numa mesa de totó num boteco metropolitano? Ou no futebol de preguinho?

As cores, os gritos, as bandeiras, os contrastes e a velha cisão de 111 anos batem seus tambores como nunca. É Fla x Flu, decisão, literatura e dramaturgia.

O tricolor e o flamenguista andam lado a lado, feito o leão e o tigre numa calçada de Nova York no texto inconfundível de Tom Wolfe. É toda a eternidade que parece ter sido escrita no frescor de ontem.

Cano de placa! (por Paulo-Roberto Andel)

O golaço redime, o golaço liberta.

Ele desafia paradigmas e definições. Muda roteiros de forma inesperada.

E deixa sua tatuagem para sempre nos corações e memórias.

Há mais de sessenta anos, em alguma ocasião vemos os gols e a alegria de Garrincha na final carioca de 1962. Outros se emocionam com a arrancada de Rondinelli e sua cabeçada monstruosa em 1978. Outros, com o voo esguio e certeiro de Assis em 1984. Esses gols nunca vão acabar.

Mas também há os grandes gols de partidas que não necessariamente decidiram títulos, mas estão condenados à eternidade. O fantástico drible de Mendonça em Júnior em 1981, os mil dribles de Washington em 1987. O chutaço lpde Neto do meio da rua em 1991. Os golões de Roberto contra o Corinthians em 1980. São muitos e muitos gols.

Neste domingo, o argentino German Cano fez história no Maracanã. Um gol de placa, dos mais bonitos da história do estádio. Chutou do meio de campo e fuzilou o goleiro vascaíno, completamente batido. O estádio viveu um de seus grandes momentos.

Até então, Cano já estava consagrado no futebol carioca e brasileiro, por sua carreira no Vasco e agora no Fluminense, com mais de 40 gols na temporada 2022. Desta vez, assim como a bola que chutou cruzou o Maracanã até ganhar as redes, ele mesmo ganhou o mundo de vez. Não há lugar na Terra onde não se esteja falando do golaço que aconteceu no coração do Rio de Janeiro, no outrora maior estádio do mundo.

Lembram que o golaço muda roteiros? Pois é. Num jogo de muita luta, transpiração e lances razoáveis, o Vasco foi melhor do que o Fluminense no primeiro tempo, cujo destaque foi o veteraníssimo goleiro Fábio, do Tricolor. Melhor, mas sem a capacidade de definição. E no segundo tempo a coisa ficou mais equilibrada, até que o mesmo Cano aproveitou um cruzamento e marcou com oportunismo. Desesperado, o Vasco se lançou em busca do empate, sem êxito, novamente esbarrando em Fábio até que o corte final aconteceu – e a magia do futebol prevaleceu. O golaço tornou tudo pequeno no Maracanã.

As crianças tricolores que estavam no Maraca hoje vão perseguir o Fluminense para sempre, assim como outros garotos perseguiram por causa de Assis e Washington e eu, criança, vi Pintinho e Cristóvão destruírem o Fla x Flu de 1979, mais Paulo Goulart pegando pênalti. E Edinho e Rivellino. Eu ainda persigo o Fluminense.

Não precisa ser um título, uma decisão. Às vezes, não precisa nem ser um clássico. Basta que num segundo surja a magia do grande momento do futebol: ela explode e encanta pelo resto da vida.

@pauloandel

Inter x Bota: uma virada memorável (por Robertinho Silva)

Foto: Vitor Silva/BFR

Com um a menos desde o início da primeira etapa, o Botafogo venceu de virada o Internacional no Estádio Beira-Rio na semana passada.

A gelada noite de Porto Alegre presenciou uma partida histórica entre Inter e Botafogo. Peleia daquelas que entram para a galeria de “Jogos para Sempre” do nosso esporte bretão. O Inter começou marcando pressão, dificultando o adversário na saída de bola. No primeiro lance contundente do jogo, logo aos 4 minutos, Edenilson tentou a jogada por dentro e a bola sobrou para Alan Patrick. O meia chutou em direção ao zagueiro Philipe Sampaio. A bola bateu na barriga e depois resvalou no braço. Pela regra, não seria pênalti. Mas, depois de consultar o VAR, o árbitro Sávio Pereira Sampaio assinalou pênalti equivocadamente e alegou que a bola tocou no braço do jogador.

Além disso, ele também expulsou o atleta Philipe Sampaio, e fez com que os cariocas ficassem com menos um desde os 4 minutos do primeiro tempo. A ação causou revolta justíssima por parte dos jogadores do Glorioso, que reclamaram bastante, e o técnico Luís Castro também acabou expulso.

Na cobrança da penalidade, o volante Edenílson abriu o placar para os gaúchos. Com um a mais em campo, o Inter foi empilhando chances. Em uma delas, Fabrício Bustos tabelou com Alan Patrick e estufou as redes de Gatito: Inter 2 a 0.

Estando o Inter com vantagem no placar, jogando em casa, tendo um jogador a mais em campo e empilhando chances, tudo indicava que a partida seria mais um mero protocolo, uma formalidade. Mas, há coisas que só acontecem com o Botafogo. Mesmo sem Luís Castro a beira do gramado, o clube de General Severiano se recusou a ser mero espectador da partida.

Por incrível que pareça dizer, o Botafogo teve uma excelente postura justamente após ter um jogador a menos em campo. A adversidade, a situação dramática, fez com que o time jogasse de forma mais compacta; os atletas estavam mais bem agrupados, defendendo em linha, mas com uma excelente e rápida transição quando tinham a bola em seus domínios. O Glorioso fez com excelência o que lhe cabia naquelas circunstâncias.

Vinícius Lopes descontou e renovou as esperanças do Alvinegro carioca, superando qualquer prognóstico desfavorável. O gol mudou a dinâmica do jogo. Mano Menezes colocou 5 homens em linha no campo de ataque, mas mesmo com a superioridade numérica o Inter não conseguiu mostrar consistência defensiva. O Botafogo sempre tinha algum jogador aberto pela ponta como uma flecha ou uma bola alçada na área, como a que resultou no gol de empate de Erison.

Ainda com metade do segundo tempo pela frente, o Alvinegro se vestia com as roupas daqueles heróis urbanos que contrariam as estatísticas, que não se abatem perante a injustiça. Gabriel Mercado fez um gol para o Inter em uma cabeçada catedrática, e comemorou como se não houvesse amanhã. Mas o gol foi anulado corretamente. O Glorioso foi rebelde, passou a noite recusando o papel que lhe ofereceram logo após o apito inicial, e assim como toda saga de heroísmo, o capítulo final foi apoteótico.

No último e derradeiro lance, aos 55 minutos do segundo tempo, um contragolpe certeiro e mortífero. Matheus Nacimento tentou o passe para Jeffinho, Kayke como um maratonista ganhou na velocidade da defesa colorada, e em dividida com Vitão, a bola sobrou para Hugo sacramentar a vitória épica, no Beira-Rio. Depois do gol, ocorreu uma confusão entre os jogadores com pancadaria generalizada, mas que foi contida. Na briga, Lucas Piazon foi agredido pelo atacante David e saiu com o ombro imobilizado.

Muito mais que três pontos, vitória da justiça. Partida épica, memorável, eternizada na história dos Campeonatos Brasileiros, com a marca da Estrela Solitária.

O dia do Rei Artur, há 37 anos

Há exatos trinta e sete anos, num feriado de muita chuva no Rio de Janeiro, o Bangu cumpriu uma de suas atuações históricas contra o Flamengo, aplicando uma sonora goleada pelo placar de 6 a 2.

Foi uma tarde-noite de Arturzinho, o maestro banguense da camisa 10. Marcou quatro gols na partida e se tornou um dos seis jogadores na história a conseguir tal feito em cima do Flamengo. Um deles foi antológico, da intermediária, encobrindo o pobre – e jovem – goleiro rubro-negro Abelha, à época substituindo Raul Plassmann. Aliás, é bom que se diga: imediatamente após o jogo, houve uma tentativa injusta de transformar Abelha no vilão máximo daquela partida, no único culpado, por ter cometido falhas clamorosas no clássico, o que na verdade não aconteceu exatamente com a tônica da ocasião. No terceiro gol, socou uma bola fraca e, na consecução do lance, escorregou na verdadeira lama da pequena área. E no sexto gol, rebateu um chute forte de Ado que Arturzinho, sempre ele, aproveitou. É certo que Abelha falhou, mas nem de longe foi o único culpado pelo massacre banguense: a imprensa esportiva foi unânime em afirmar que o Alvirrubro de Moça Bonita poderia ter feito tranquilamente mais três ou quatro gols, enquanto o time flamenguista jogava absolutamente atônito. Por sinal, a grande falha na partida, sem comprometer o resultado, foi justamente do goleiro banguense Toinho, soltando uma bola fácil para o ponta Robertinho descontar a goleada. E é bom que se diga: o Bangu tinha um timaço comandado pelo treinador – e eterno xerife – Moisés, além dos gordos “bichos” pagos pelo mecenas Castor de Andrade. Basta falar de feras como Mário, Marinho, Fernando Macaé e o jovem ponta-esquerda Ado.

Mas, afinal, o que dera no Flamengo daquele momento? Depois de ganhar o tricampeonato brasileiro, veio um golpe fatal: a venda de Zico para a italiana Udinese, que abalou todos os flamenguistas do mundo. E a campanha rubro-negra na Taça Guanabara sofreu um forte abalo depois dos 3 a 0 sofridos do Botafogo, num clássico que derrubou o treinador Carlos Alberto Torres, toda a comissão técnica e até a diretoria do clube da Gávea. Apesar de ainda ter um timaço, o Flamengo acusou o golpe da perda do Galinho de Quintino. Mas se recuperaria em breve, conquistando a Taça Rio e disputando o triangular final do Campeonato Carioca de 1983.

Curiosamente, na mesma competição o Flamengo viria a vencer o Bangu em outras três partidas, marcando seis gols e sofrendo um, mas mostrando que no futebol não se compensa uma goleada apenas com rigor matemático. Depois daquele massacre de 7 de setembro, o Fla fez 3 a 1 pela Taça Rio (já com um time remodelado pelas voltas de Tita, Cláudio Adão, mais as contratações de Lúcio e Edmar), 1 a 0 na final da própria Taça em jogo extra e, por fim, na última partida de toda a competição: 2 a 0 no triangular final de 1983, com os jogadores do Fluminense comemorando o título na Tribuna de Honra – o Tricolor havia empatado com o Bangu em 1 a 1 na primeira partida da decisão, para depois vencer o Flamengo por 1 a 0 com o famoso gol de Assis no último minuto. Ressalte-se que, naquele tempo, a vitória ainda valia dois pontos em uma competição profissional no Brasil.

A antológica goleada do Bangu em cima do Flamengo foi vista por muito pouca gente no Maracanã: apenas 5.009 pagantes encararam a tempestade carioca no feriado da Independência para ver o jogo no estádio. Os flamenguistas saíram de cabeça quente, já os banguenses celebraram uma vitória eterna. Júnior, craque rubro-negro e substituto de Zico como armador do Flamengo naquele momento, já disse que, se pudesse apagar de vez uma partida em sua carreira, seria esta. E a ironia do destino escreveu suas linhas de forma magistral: muitos anos depois, o execrado Abelha faria sucesso como treinador de goleiros do japonês Kashima Antlers, ao lado do treinador… Zico.

Uma coisa é certa: digam o que disserem, em 7 de setembro de 1983, o baixinho Arturzinho fez chover com seu futebol gigantesco. Era feriado da Independência do Brasil, mas o dia foi do Rei Artur.

@pauloandel

Porque hoje tem Fla x Flu

O mundo anda complicado demais, o Brasil passa por um momento muito difícil e, sinceramente, não havia o menor clima para se retomar competições de futebol com 70 mil mortos pelo novo Coronavírus. Mas os bastidores decidiram e, logo no Rio de Janeiro, tão machucado por tudo, a bola voltou a rolar.

Pelo menos ficou o Fla x Flu. Para muitos o campeonato era favas contadas do Flamengo, mas o Fluminense foi matreiro e, por isso, venceu a Taça Rio nos pênaltis, garantindo a final do campeonato em dois jogos. Aliás, quem sabe dizer qual foi a última vez em que o maior clássico do futebol brasileiro foi disputado três vezes em sete dias? É o que terá acontecido quando for conhecido o novo campeão carioca.

Em vez das velhas multidões, o Maracanã vazio e sem festa. Em vez dos olhos grudados na tela da TV, celulares e notebooks.

O que não muda é a mística do confronto que já dura 108 anos, recém completados na semana passada. O pior sempre faz jogo duro com o melhor, o inesperado tem sempre lugar cativo na partida, a empáfia não rima com a vitória. Desde os jogos da Rua Guanabara até palcos de outros estados, o Fla x Flu mexe com os sentidos.

Qualquer prognóstico da decisão parece precipitado. Só no campo mesmo é que as coisas acontecem. Se o Flamengo vem de várias conquistas e conta com seu time vice campeão mundial, o Fluminense se reabilitou depois da volta do futebol. Fez três partidas ruins na Taça Rio mas encarou o eterno rival de igual para igual.

A cidade está triste e silenciosa. A fome e o abandono imperam nas ruas. Os bares estão vazios. O Rio está deitado num leito hospitalar. Mais uma vez os desafios serão imensos. Por ora, este domingo à tarde reserva ao menos uma hora e meia de emoção, distração e fantasia, porque o Fla x Flu é o jogo que nunca termina. Daqui a pouco tem mais um capítulo, ao menos para aliviar os corações sofridos dos brasileiros.

Em cima do laço, há 40 anos (da Redação)

Vasco e Botafogo duelaram pelo Campeonato Carioca de 1978, no dia 29 de outubro. O Machão da Gama levou a melhor: aos 45 minutos, Paulinho marcou o gol da vitória por 2 a 1.

Local: Maracanã
Juiz: Arnaldo César Coelho;
Renda: Cr$ 1.603.340.00;
Público. 41.978;
Gols: Roberto 16 e Dé 43 do 1.º: Paulinho 45 do 2.º:
Cartão amarelo: Gaúcho

Vasco: Leão, Orlando, Abel, Gaúcho, Marco Antônio, Helinho, Guina, Wilsinho, Paulo Roberto (Washington Oliveira), Roberto e Ramón (Paulinho); Técnico: Orlando Fantoni

Botafogo: Zé Carlos, Perivaldo, Osmar, René. Rodrigues Neto, Wescley (Ademir Vicente), Mendonça, Gil, Dé, Luisinho e Ademir Lobo; Técnico: Danilo Alves

O Fla-Flu em três actos (da Redação)

 

Um curta metragem com direção de Henrique Castelo Branco e argumento de Paulo-Roberto Andel, realizado em 2013, levando um dos maiores clássicos do futebol mundial para o universo lúdico do jogo de botão, baseado em três grandes decisões entre Fluminense e Flamengo.

Os clássicos cariocas precisam ser valorizados (por Paulo-Roberto Andel)

Hoje, quase às dez da noite, teremos o Fluminense enfrentando o Botafogo pela Taça Rio.

Descontadas as hipérboles, a luta do Tricolor neste momento é somar pontos para garantir a vantagem do empate no jogo semifinal. Já o Alvinegro está com a cabeça noutra competição. O primeiro resultado de tudo já sabemos: um público muito aquém do razoável para o mais antigo clássico do futebol brasileiro, por diversas razões.

Neste 2017, tivemos a estreia do Fluzão diante do Vasco para 11.043 torcedores pagantes. O time da Colina jogou para 8.088 pagantes diante do Botafogo. E o Fla x Flu onde ganhamos a Taça Guanabara teve 22.042 idem. Flamengo e Vasco, 5.484. Estes quatro clássicos tiveram 46.657 torcedores somados. Um número francamente ridículo se pensarmos no tamanho das torcidas dos grandes clubes cariocas, descontadas as hipérboles e piadas.

Ao se questionar sobre a franca decadência nos números presenciais, certa esfera modernista há de ressaltar a era da televisão (que salva os clubes, mas também lhes oferece uma adaga no pescoço), da arquibancada espalhada pelos bares e das torcidas organizadas do eu sozinho, em casa, diante da esmartevê. Sem dúvida os tempos mudaram e muito, mas isso não deve ou deveria significar o retrocesso quantitativo do público para os anos 1920 e 1930, quando Laranjeiras e São Januário eram os templos do futebol carioca e brasileiro.

Ok, não tem Maracanã. Ou tem, dependendo da cara do cliente. O fato é que nosso futebol foi francamente esvaziado com o passar dos tempos e, a cada dia que passa, não somente aumenta o número de pessoas que não se interessam por futebol como os estádios daqui ficam cada vez mais desinteressantes. No mínimo, deveria ser uma preocupação dos clubes de futebol, deixando de lado a monocultura das cotas da TV que, em muitos casos, vira limite do cheque especial para cobrir arroubos e barbeiragens administrativas.

Dos jogos que elenquei acima, o Fla x Flu teve o maior público. Era a decisão da Taça Guanabara, ainda com charme e nostalgia mesmo sem valer quase nada para a fase final da competição. É certo que poderia ter dado mais gente se não tivesse havido tanta confissão com liminares, proibições et cetera. Mas não deixo de pensar numa outra edição do clássico imortal, realizada há quase 30 anos, da devida maneira: num domingo às cinco da tarde no outrora maior estádio do mundo. O Rio de Janeiro foi tomado por uma tempestade monumental, a ponto de se duvidar que fosse possível a realização da partida. Só foram os gatos pingados feito eu; os degraus da arquibancada do Maracanã que ficavam além da velha cobertura de concreto pareciam riachos, com o pessoal espremido onde dava. Um jogo ruim, para 24.512 pagantes.

Não se pode vulgarizar os clássicos: eles precisam ser especiais, contando com grandes torcidas. O contrário faz com que todos percamos antes da bola rolar. É preciso resgatar ao menos parte da torcida que se perdeu nas telas e monitores da vida. Um espetáculo não existe sem plateia, um grande jogo não resiste sem torcidas.

O mundo mudou, já não é o mesmo, vivemos a bela Idade Média com smartphone, Uber e Tinder, mas não custa nada refletir nas palavras do primeiro parágrafo da crônica de João Saldanha, abaixo publicada.