O meu Fla-Flu particular

Colaboração de Alberto Lazzaroni

Nasci numa família grande. Ou seria numa grande família? Bom, o que importa mesmo é que tanto do lado paterno quanto do lado materno tive muitos tios, tias e, consequentemente, primos e primas. Os encontros de família eram memoráveis. Muita alegria, música e comida boa. Nossa, e que comida boa…

Um dos meus tios, irmão mais novo da minha mãe, era também meu padrinho. E ele realmente foi um segundo pai pra mim. Ele e meu pai eram tão unidos que muitos pensavam que eram irmãos e não cunhados. Quando eu tinha uns cinco anos de idade, minha mãe adoeceu de tuberculose e teve que ser internada numa clínica em Correias, na Região Serrana. Nesse momento, com meu pai trabalhando direto e sem ter quem pudesse tomar conta de mim e dos meus irmãos em nossa própria casa, fomos eu e meu irmão para a casa desse tio. Ele morava num distrito que hoje é um município: Queimados. Tenho excelentes lembranças desse período em que, a despeito da ausência da minha mãe e das visitas esporádicas do meu pai, fui muito bem tratado.

Mas havia um detalhe: esse tio era flamenguista. Não, vocês não fazem ideia do que eu estou dizendo. Na verdade, para bem fielmente retratá-lo posso dizer que ele era “O” flamenguista. Ele era muito apaixonado pelo Flamengo e discutia na rua, na loja, em qualquer lugar que fosse para defender o seu time. Chegava a ser engraçado. E aí veio o inevitável: tentou me convencer a ser torcedor do seu time também. Eu já era tricolor mas uma criança de 5 anos ainda é muito suscetível a essas mudanças, ainda mais sendo estimulada para tal.

O tempo passou, minha mãe se recuperou e voltamos para nossa casa. A vida seguia o seu curso e eu firme e forte com o Fluminense, seguindo os passos de meu pai e de meu irmão mais velho, nessa época já vivendo os dias da grande Máquina Tricolor. O Flamengo de Zico no entanto se aproximava. Havia ali uma oportunidade. Meu tio a percebeu e num belo dia ele aparece lá em casa com uma camisa, tipo T-shirt. Lembro bem dela: era branca e de longe se percebia uns pontos em vermelho e preto. Quando pegávamos a camisa e olhávamos de perto, com atenção, a coisa ficava clara: não eram pontos e sim a palavra “Mengo” escrita de forma minúscula sobre toda a camisa. Estranhei mas fiquei com ela. Instintivamente não a mostrei para meu pai para não ter confusão.

Num belo dia, vesti a tal camisa e fui pra rua jogar a minha pelada diária. A turma toda já estava no campinho mas eu dei falta de um amigo. Perguntei por ele e os outros responderam que hoje ele não viria para a pelada pois o pai começaria a criar porcos e ele estava lá ajudando a construir o chiqueiro. Explicações dadas, rola a bola. Lá pelas tantas, esse amigo surge na rua puxando um carrinho de mão cheio de serragem. É, a serragem seria usada para forrar o chiqueiro. Aí, aconteceu o que a molecada gosta de fazer: a zoação foi geral. Digo zoação pois naquela época não havia surgido ainda a expressão “bullying”. Todos rindo daquela situação. O amigo, logicamente, não gostou. Já estava privado do futebol e a galera ainda zoa? Não prestou. Se abaixou e pegou um punhado de pó de pedra e veio pra cima da gente. Só que, ao chegar mais perto, tacou tudo em cima de mim. Não gostei e achei desproporcional. Peguei ele com carrinho e tudo e joguei dentro do valão que havia em nossa rua.

Ele saiu chorando pra casa e em seguida retorna com o pai, sendo que este segurava uma madeira. O vizinho então começou a me ameaçar com a madeira ordenando que eu retirasse o carrinho do valão. Como não o obedeci, ele começou a me bater de leve com a madeira. Só que já haviam avisado à minha mãe. Nem preciso relatar os detalhes. A confusão já estava formada e no melhor estilo leoa defendendo o filhote, minha mãe surgiu se interpondo entre eu e o vizinho. Acabei sendo puxado para casa pela minha mãe que, aos berros, me recriminava e, ao mesmo tempo, desfilava todos os impropérios para o vizinho. Instintivamente, olhei para o meu corpo e me dei conta que estava com aquela camisa. Pensei: ela me trouxe azar. Arranquei-a do corpo e a joguei também no valão. Estava definitivamente encerrado qualquer flerte com o oponente.

Nunca comentei isso com o meu tio. Provavelmente minha mãe o fez. A verdade é que daquele dia em diante ele nunca mais quis me fazer mudar de time. E aconteceu algo interessante em nossa relação: quando conversávamos sobre futebol, ele jamais falava mal do Fluminense e nem eu do Flamengo. Podíamos até fazê-lo longe um do outro. Um para o outro, jamais.

Esse amado nos deixou em 2007. Depois de lutar bravamente, sucumbiu a um câncer. Até hoje sinto o cheiro da loção pós-barba que ele usava. Um vazio impreenchível existe dentro de mim. Mas, acima de tudo, ficou o exemplo maior de uma pessoa que foi todo amor para comigo e com todos os que conviveu. Um cara verdadeiro, incapaz de fazer média com quem quer que fosse. Esse era o Sr. Jairo. O cara com quem travei o meu Fla x Flu particular, no qual não houve vencedor e sim vencedores. Descanse em paz, tio.

O Fla-Flu em três actos (da Redação)

 

Um curta metragem com direção de Henrique Castelo Branco e argumento de Paulo-Roberto Andel, realizado em 2013, levando um dos maiores clássicos do futebol mundial para o universo lúdico do jogo de botão, baseado em três grandes decisões entre Fluminense e Flamengo.

O clássico carioca no Pacaembu (por Paulo-Roberto Andel)

fla flu 20 03 2016 ricardo nogueira folhapress

O Fla-Flu de ontem no Pacaembu não foi nenhum jogão e, de certa forma, revela certo clima insosso na temporada 2016 do nosso futebol. Chegamos ao fim de março e conta-se nos dedos o rol de partidas empolgantes que foram vistas pelos gramados Brasil afora.

No entanto, alguns fatores positivos chamaram atenção.

Primeiro, o interesse do público. Talvez, apenas talvez, se esta partida tivesse sido disputada no Maracanã, talvez não conseguisse atrair 30 mil torcedores ao estádio – uma lástima quando falamos de um clássico, mas a triste realidade local: TV, desinteresse por parte do público, preços caros et cetera. Há quem aponte a televisão como a principal causa do afastamento dos torcedores do estádio e é justo refletir sobre isso, mas não creio que se trate do único motivo. Antes, 100 mil presentes era uma estatística até simplória; hoje, no máximo 95 mil e em Camp Nou. As modernas arenas brasileiras foram encolhidas em seus tamanhos originais, tendo o grosso de seu público – as classes populares – “devidamente” apartado para biroscas e afins. Mas o que não tem remédio, remediado está.

Segundo, o charme inquestionável do Pacaembu. Pensando nas arenas gourmetizadas, assépticas, frias até, o velho estádio tem realmente cara de estádio. Reparem que nem de longe sou contra modernidades; o que quero dizer é que, se precisavam trazer os campos de futebol para o futuro, não precisavam alijar o passado nem os principais focos de atração para uma partida. O Pacaembu tem história, tradição, imponência e ao lado de outras casas como São Januário e o Mundão do Arruda, ainda mantém certa aragem do que foram as nossas melhores épocas no futebol brasileiro.

Jogar em São Paulo passou a ser uma boa oportunidade para Flamengo e Fluminense. Mas não custa lembrar que isso só veio a acontecer porque ambos não se prepararam devidamente para o fechamento dos estádios no Rio de Janeiro, primeiro por ocasião da Copa de 2014 e, agora, com os Jogos Olímpicos. O que pode ser vendido como estratégia foi, na verdade, improvisação. Boa, mas improvisação.

Reitero: o Pacaembu é lindo demais, mas um Fla-Flu merecia público de Morumbi lotado. De toda forma, isso já é outra história.

@pauloandel

Imagem: Ricardo Nogueira/Folhapress