Football (por Paulo-Roberto Andel)

Ah, se não fosse o futebol… Como eu ia me entorpecer em sonhos diante do mundo injusto e cruel, cheio de mortes por covardia e gente dizendo adeus muito antes do razoável? Como eu ia ter alguma alegria durante a semana ou na noite de domingo?

Escrevo sobre muitas coisas, mas futebol é essencial para mim. Ele é o álcool que pouco bebo, ele é o cigarro verde que não fumo, é o alívio para noites silenciosas e viradas por simples tensão. Há cinquenta anos o futebol me salva do suicídio, então não pode ser pouca coisa.

O jogo, o gol, o lance, a gente que faz da arquibancada aquarela, a gente que se abraça e ri ou chora, a gente que namora e deseja. Ah, o futebol, que já foi samba e rock e agora é cumbia, é ele que me tira da miséria e do desespero.

Quer uma noção da importância? Neste sábado mesmo no Nilton Santos. Em qualquer outro lugar, uma queda de luz diz pouca coisa. Agora, faltar luz durante um jogo de futebol é plantão jornalístico.

Meu futebol tem botão, dadinho, bolinha de isopor, areia da praia, figurinha, mesa de preguinho, boneco, camisa, flâmula e livros, muitos livros. Tem saudades da família, beijo da namorada, sacanagem nas cadeiras, abraço de irmãos, choro, riso, suspiro e tudo se resume num UUUUUUHHH quando a bola passa pertinho da trave ou o goleiro espalma para corner.

Meu futebol tem gente banguela, camisa rasgada, chinelo de dedo e geral abarrotada, todo mundo se apertando na chuva e torcendo para a Suderj abrir o portão que dá acesso ao alto da arquibancada, onde tem uma enorme cobertura de concreto que faz o som ecoar pela terra.

Ah, o futebol. Noites em claro, viradas impossíveis, sonhos e drama. Futebol de lembranças, que faz voltar no tempo e ver na tela momentos arrebatadores.

Talvez o meu futebol nem exista mais, mas ele é tão bom que a sua simples lembrança já alimenta muitas fantasias maravilhosas. Todas elas me fazem sentir vivo, sereno, com o coração cheio de esperança mesmo que as probabilidades sejam minúsculas.

Claro que há defeitos mis no futebol, mas o saldo positivo justifica a batalha.

@p.r.andel

Sir Robert Charlton (por Paulo-Roberto Andel)

Morreu Sir Robert Charlton.

Foi o maior jogador da Copa do Mundo em 1966, aquela que se intromete em nosso período maior de glórias, que vai de 1958 a 1970.

E foi justamente em 1958 que, meses antes do Brasil encantar o mundo, Bobby Charlton sobreviveu ao maior desafio de toda a sua vida: o desastre aéreo que vitimou oito jogadores do Manchester United. Bobby tinha 20 anos de idade e, refeito da tragédia, ainda escreveria muitas histórias do futebol.

Não bastasse sua trajetória monumental no English Team, Bobby foi um nome lendário do Manchester United na década de 1960, jogando 758 partidas, marcando 249 gols e ganhando nada menos do que dez títulos com a não menos lendária camisa vermelha. Os números são incontestáveis: Bobby foi um monstro.

A única Copa vencida pela Inglaterra sempre gerou especulações, desde o fato de ter sediado a competição até a polêmica envolvendo a final do Mundial de 1966, com o terceiro gol inglês marcado pelo artilheiro Geoff Hurst. Melhor dizendo, um gol onde a bola não entrou mas que, uma vez validado, derrubou de vez os alemães e consagrou o título inglês diante de quase 100.000 torcedores em Wembley.

Se a conquista inglesa foi controversa e deixou dúvidas é fato, mas, se naquela competição houve uma certeza, ela responde: entre tantos craques e craques, a Inglaterra teve o melhor de todos naquela disputa. Naquele tempo, até nós, brasileiros, supremos no esporte, podíamos sonhar com Bobby Charlton ser brasileiro – num país de Garrincha, Pelé, Didi, Gérson e tantos outros gênios.

Por mais que fosse inevitável porque o tempo é implacável, esse é o tamanho da perda do Sir.

Ademir da Guia: a matada do Divino (por Lello Di Sarno)

Todos sempre me disseram sobre como o Ademir matava a bola. Cresci imaginando, sem ver.

De quantas poesias de meio campo nos privaram os programas televisivos e a humana obsessão pelo gol?

Até que um dia eu vi, naquele estádio que construíram no lugar do meu, o Adãozinho.

Sim, o Adãozinho! Querendo aparecer num jogo festivo, deu um bico lá de trás.

Uma pancada toda torta. De quem não gosta da bola e de quem a bola não gosta nada. A bigorna atravessava a cancha como um helicóptero sem hélice e ia em direção a um senhor de aparência frágil.

Que sem noção esse Adãozinho!

A torcida fez silêncio, prezando pela integridade física do idoso, que recebia aquele presente de grego. Grego escrito em garrancho.

O fogo amigo dos infernos tinha como destino o Divino.

Toda a arquibancada queria gritar que ele não tinha obrigação de matar aquela bola.

Implorar para ele que não se colocasse diante daquele paralelepípedo irresponsável. Que para nós ele continuaria sendo sempre o maior. Afinal, era Ele.

Sempre ouvi sobre a matada do Da Guia.

Ouvi errado.

O que passou quando a parábola encontrou o ponto B foi o antônimo de qualquer violência. Onde “matar” nem dicionarizado está. Onde o John Lennon na cama passa vergonha. E o amor não é cantado pelos jabaculês radiofônicos. O amor é de mãe preta da periferia. É de avô se relendo nos olhos do neto. Neto se conhecendo no cheiro da avó.

Era filho de Domingos. Eram os profetas do Aleijadinho. “Estrada do Sol” com a letra da Dolores. Tinha mais de 70. Era o rio da minha terra que soterrou todos os seus rios e era bem mais bonito que o Tejo.

Foi de chaleirinha…