Manga, para sempre (por Paulo-Roberto Andel)

Quando me tornei um verdadeiro torcedor mirim, daqueles que liam jornal todo dia em busca de notícias de futebol, eu tinha uns onze anos de idade. Naquela época, Manga estava no final da carreira mas jogava em altíssimo nível no Grêmio. E foi pesquisando que eu descobri sua carreira grandiosa, protagonista de timaços como os do Internacional e do Botafogo. Meu pai falava com grande admiração dele.

Eram tempos em que o amor pelo futebol falava muito mais alto do que o ódio, e jogadores de times rivais eram admirados, respeitados e até idolatrados. Imagine nos anos 1960 e 1970, com os times repletos de grandes jogadores?

Dou um outro exemplo da minha geração: nós, garotos tricolores de 1979 e 1980, éramos todos admiradores de Roberto Dinamite, uma verdadeira máquina de marcar gols em cima do nosso time. A gente não tinha raiva do Roberto; na verdade nosso sonho era tê-lo como o camisa nove do Fluzão. Não deu. Ok, não se pode ganhar todas.

De repente Manga sumiu. Foi para o Equador e nunca mais voltou. Virou uma verdadeira lenda.

Quis o destino que, depois de tantos anos, meu breve encontro com Manga tenha sido justamente na noite de 21 de maio, um dia muito difícil por ser o aniversário da morte de meu pai. E novamente um dia histórico para o Fluminense: 16 anos da vitória espetacular sobre o São Paulo, com o golaço de cabeça de Washington.

Quando cheguei ao Pizza Park, Manga já estava cercado por admiradores, autografando cards e réplicas de sua linda camisa de goleiro botafoguense. Eu logo lembrei do meu amigo Fernando Guilhon, super alvinegro que adoraria estar lá. E foi bonito ver vários tricolores com camisa do Flu por lá, num gesto de fraternidade e respeito.

Ouvi Nei Conceição falar coisas muito bacanas a respeito de Manga. Carlos Roberto também. Cracaços.

Em dado momento eu estava ao lado de Manga, quando lembrei daqueles quarenta e tantos anos atrás. Tudo passou tão rápido. Resolvi então tirar uma foto dele, de lado. Mas não o procurei na mesa, nem tirei uma outra fotografia nossa, nem pedi seu autógrafo. A verdade é que a figura de Manga é tão grande que paralisou a mim, reles mortal que sou. Eu lembrei de meu pai e me emocionei: quantas vezes ele não viu o velho Manga fechar o gol no Maracanã e aporrinhar a todos nós, tricolores?

Diante de um dos maiores goleiros de todos os tempos, me senti tão pequeno e mortal que preferi ficar apenas admirando-o em silêncio, como ídolo que é. Fiquei tão paralisado que nem peguei meu card. E se um tricolor feito eu estava assim, imagine o coração dos inúmeros botafoguenses presentes ao Pizza Park?

Levei muitos anos para ver Manga de perto. Finalmente consegui. Espero revê-lo e aí sim conversar com ele. Ontem não deu. Eu queria muito, mas simplesmente não consegui. É que o mito, o arquétipo do goleiro supremo, a fera da Seleção Brasileira e tudo isso junto ali, representando a era de ouro do futebol brasileiro, me deixou paralisado pelo amor que tenho ao futebol. Algo que só tinha me acontecido desse jeito quando entrevistei Gilberto Gil, outro super ídolo. Quando fui embora, só pensava em quanto meu pai, um super tricolor, estaria contente em estar ali comigo. Desci a rua Marques e chorei sozinho antes de pegar o táxi. Foi melhor assim.

Manga é para sempre. Retrato fiel de um dos nossos maiores goleiros, de um futebol brasileiro que encanta o mundo até hoje. De um Maracanã botando gente pelo nariz, cheio de povo, de massa humana rindo e chorando em jogos que são verdadeiro cinema a encantar nossos corações. O Maracanã, nossa igreja definitiva de amor ao futebol.

@pauloandel

Jan Jongbloed, diferente em tudo (por Paulo-Roberto Andel)

Morreu Jongbloed, um dos poucos goleiros a jogar duas finais de Copas do Mundo. Eu me lembro do Taffarel e do Schumacher.

Sua trajetória foi marcada por fatos inusitados. Por exemplo, não era cotado para ir à Copa de 1974, mas acabou sendo não apenas convocado como titular.

Nos anos 1960, ele já fazia algo que hoje é exigência para um bom goleiro: jogava com os pés. E como o treinador da Holanda era Rinus Michels, diferente pela própria natureza, acabou sentando praça numa das maiores equipes de todos os tempos.

Sua convocação para a Seleção Holandesa parecia tão inesperada que, segundo reza a lenda, estava pescando quando soube que disputaria o Mundial da Alemanha. Aliás, Jongbloed adorava jogar e depois treinar times, mas não era muito ligado em futebol como espectador.

Jogando com a camisa número 8 e sem usar luvas, ressalte-se.

Em 1978 era titular na primeira fase, depois perdeu a posição mas a recuperou a tempo com a contusão de Schrijvers, foi à final e esteve a uma bola na trave do título mundial.

Sendo holandês, em mais de uma ocasião esnobou propostas do Ajax.

Já veterano, viveu a tragédia de ver o filho morto em campo por um raio. E ele mesmo teve um infarto em campo, mas se recuperou a tempo de viver mais quarenta anos.

Nós, garotos de Copacabana, que vivemos o primeiro sonho de uma Copa do Mundo, começamos na Argentina 1978. Curtimos Jongbloed como também Sepp Meyer e, claro, Leão Goleirão – era mesmo.

Como o tempo não perdoa, um dos garotos daquele tempo chora a morte de seu goleiro de botão. É que as feras da infância nunca envelhecem: elas permanecem no imaginário de torcedores que, embora sintam no corpo as marcas do caminho, continuam com dez anos de idade.

Por isso, jamais se esquecem de um time laranja, cheio de malucos que trocavam de posição e um goleiro de camisa amarela, sem luvas e que jogava com os pés.

Ah, sim, um dos poucos a vencer o Brasil numa Copa.

Agarra Jongbloed!

@pauloandel