Ainda sobre o Fla x Flu (por Paulo-Roberto Andel)

Racionalizando todo o processo, aí está uma parada bem difícil para o Tricolor. Em qualquer decisão, a diferença de dois gols é significativa. Contudo, só até a bola rolar; depois disso, o favoritismo precisa ser comprovado em campo. E se os fatos atuais comprometem a esperança, como a possível escalação do Flu, a história está recheada de superações tricolores que beiram o inacreditável – mesmo!

Por exemplo, fazer três gols no São Paulo tricampeão mundial em 2008 era uma tremenda façanha. Aconteceu. Muita gente não lembra que, para chegar às semifinais do Campeonato Brasileiro de 1991, o Fluminense precisava ganhar os último cinco jogos, perdendo zero pontos – e conseguiu. Nem tão longe assim, lembram do drama de 2010 no Brasileirão? Faturamos no último jogo, na luta. E lá longe, pra gente ganhar de 3 a 0 com o camisa 10 deles perdendo pênalti, em 1979, foi um suor que nunca mais esqueci. Quem se lembra do golaço do Cristóvão? E do Fla x Flu da Lagoa em 1941?

Do outro lado, está o grande rival, que tem vantagem considerável e que não perde um título por três gols de diferença há quase 60 anos.

É fácil? Claro que não. É difícil paca? Sim. É impossível? Não. Eles têm a vantagem que a gente tinha ano passado e confirmou.

Mesmo depois de ter visto a apoteose de Assis, sempre preferi o lado mais sóbrio da coisa, só que futebol vai além disso, muito além, felizmente. Tem magia, crença, passado. Todos os cadáveres vitoriosos querem entrar em campo para decidir. Todos os admiráveis mortos querem torcer feito nunca nas arquibancadas e na geral, também mortas, mas todo mundo vai lá. Um clássico decisivo nunca se resume à obviedade do momento, ainda que ela tenha naturalmente muito peso e não se possa desprezar a ciência.

Falando sobre sobriedade: eu tinha 26 anos, muitos títulos e uma seca monumental no colo quando veio a decisão de 1995. Lembro daquele dia com detalhes. O tempo, a chuva, meu ceticismo. Mas aí fizemos um primeiro tempo devastador e poderíamos ter feito 5 a 0, mas só fizemos dois gols. Na segunda etapa, o Maracanã viveu a tarde mais gloriosa de sua história e o rival, acuado o tempo inteiro, acertou uma bola no travessão, fez dois gols, incendiou sua torcida e tudo, absolutamente TUDO dizia que ia virar a partida, até porque tinha um homem a mais em campo.

Quando eles empataram, boa parte do Maracanã tricolor foi embora. Àquela altura, já era demais esperar pelo desfecho que acabaria acontecendo. Eu, anônimo, formiguinha na multidão, poderia ter ido embora também mas simplesmente não me movimentei. Não acreditava nem desacreditava; na verdade eu estava em choque pelo empate, porque havíamos jogado muito melhor e pusemos tudo a perder em cinco ou sete minutos. E lá fiquei, meio que por osmose.

Foi a decisão mais acertada de toda a minha vida. Aconteceu o apoteótico gol de barriga e, sinceramente, aquilo só se vive uma vez. Fui um dos poucos tricolores a ver tudo aquilo de perto – muitos outros que já tinham saído, voltaram a tempo e viveram experiências ímpares nas rampas do Maracanã. Eu vi gente chorando, vi um senhor de joelhos agradecendo a Deus, vi gente abraçada rolando pelas arquibancadas enlameadas. Anos mais tarde, escrevi três livros sobre aquele dia e aquele campeonato, mas considero que ainda falta alguma coisa.

Por isso tudo, perdi o direito de não acreditar. Mesmo quando tudo parece perdido – longe de ser o caso deste domingo -, eu desejo acreditar. Mesmo quando perebas inacreditáveis estão em campo, eu consigo acreditar. Mesmo quando o time é mais fraco – que também não é o caso de agora -, mesmo quando a política é uma farsa. Em mais de 120 anos, o Fluminense resistiu a um milhão de jogadores, treinadores, dirigentes e até torcedores ruins, feito esses que querem c@g@r regra sobre o que o outro deve sentir ou achar. A camisa já ganhou títulos que fizeram Deus coçar o queixo com as pontas dos dedos da mão.

Por favor, me entendam, não é fuga da realidade – nenhuma! – mas o breve sentimento de quem já viu muita coisa mesmo.

Já se passaram quase trinta anos daquele gol de barriga. O mundo mudou, o Maracanã também. Tudo mudou. Escalação é coisa muito séria para uma decisão e acho que Fernando Diniz deveria pensar nisso. Não se ganha um título só com as glórias e superações do passado, de jeito nenhum. Com o rival que temos, precisamos entrar com voo rasante em campo. Não há outra saída, mesmo com a possível escalação extraterrestre.

Agora, se abrir a cortina do passado é bom presságio, importante dizer: não são nem nove da manhã, está chovendo paca e o Fluminense não vive só de 1995. Tem 1973 também, debaixo de uma chuvarada, recentemente relembrada em livro.

Para muitos, agora é rezar. Eu vou com o patrono Chico Buarque: “minha cabeça rolando no Maracanã”.

Estão rolando os dados. Vamos ver no que dá. De toda forma, entendo que você não acredite por mais de uma razão. Entendo e respeito. Eu é que perdi o direito de não acreditar, compreende?

@pauloandel

O campeonato mais difícil do mundo? (por Robertinho Silva)

Daqui a alguns dias daremos início a mais uma edição do Campeonato Brasileiro. Em 2023, comemora-se 20 anos do sistema de pontos corridos no Brasil. Mas será que temos algo a comemorar?

Em homenagem ao 1° de abril, vamos relembrar algumas das maiores mentiras do futebol brasileiro, que são diariamente fomentadas pela “clarividente” imprensa esportiva.

1- Campeonato mais equilibrado e disputado do mundo com, pelo menos 10 equipes favoritas ao título. Pois bem, vejamos:

Quem acompanha os bastidores do futebol brasileiro, sabe bem que após a destituição do Clube dos 13, a divisão de cotas se transformou. Um projeto de hierarquização artificial denominado “eapanholização” foi elaborado, e hoje funciona a todo o vapor.

Limitamos a disputa a apenas dois ou três clubes, enquanto o restante luta pelas migalhas que caem da mesa, se limitando a brigar por vagas ou a permanência, ou quem sabe, ter uma sorte nas Copas. Perdemos em competitividade, perdemos em abrangência.

Ao contrário do ecossistema europeu, onde se tem quatro clubes grandes por país, e no máximo cinco clubes de médio porte, no Brasil acontece o oposto. Tínhamos os ditos 12 grandes, e cerca de ao menos 20 clubes médios. Com a diminuição do número de participantes, mais a disparidade nas receitas, os clubes de médio porte precisaram conviver com acessos e descensos constantes, o que dificulta qualquer tipo de planejamento.

2- O sucesso é fruto de projeto de grande gestão:

O discurso de gestão inteligente é repetido exaustivamente na imprensa esportiva para justificar o duopólio do Campeonato Brasileiro. É óbvio que a administração dos recursos importa, mas o dinheiro importa muito mais.

Se o problema fosse tão somente a gestão, Ceará, Fortaleza, América Mineiro seriam potências. São bem organizados e possuem eficiência administrativa em vários setores, mas têm receitas de direitos de transmissão muito inferiores àquelas dos adversários. Avaliar uma gestão nessas condições exige a elaboração de critérios um pouco mais sofisticados. Esses clubes não lutarão por títulos porque a disparidade financeira basicamente inviabiliza a competitividade. Duas ou três décadas de contas organizadas serão incapazes de alterar isso substancialmente.

Do outro lado, na ponta da pirâmide, temos o Flamengo e o Corinthians, que sozinhos concentram 24% dos direitos de transmissão. Um campeonato que já começa com times ganhando 20 vezes mais que outros, já começa praticamente decidido.

O futebol brasileiro precisa se reinventar. Hoje, somos a Série D do futebol mundial. Perdemos para a Segunda Divisão Alemã em média de público… perdemos, aliás, em média de público pra um país onde football é outra coisa. O mundo hoje se interessa muito mais pela Segunda Divisão Inglesa ou Espanhola do que pelo Brasileirão. E isso não se deve ao poder econômico, como muitos insistem em dizer. Sul-americana? Libertadores? Isso ainda faz sentido na nossa aldeia.

Por exemplo, nos últimos 10 mundiais de clubes, o futebol brasileiro ficou de fora de cinco finais. Se estendermos pra nível Sul-americano, aumenta para sete. Isso não é “papo de colonizado”. É simplesmente constatar o óbvio. África, Ásia, Oriente Médio, América Central, escolas que em outrora eram marginais, evoluíram. O Japão foi pioneiro, le mais recentemente veio a explosão dos mercados chinês e árabe, muitas vezes levando nossas revelações direto pra lá.

Falando de seleção, o Brasil chega a próxima Copa com 24 anos de jejum. Dos últimos oito finalistas de Copa do Mundo, sete europeus e apenas a Argentina em 2014 e 2022. Há 15 anos, o Brasil não tem um jogador eleito o melhor do mundo.

Até o início dos anos 2000, os times brasileiros eram extremamente competitivos. Muitas vezes superavam os europeus na raça. Mas, hoje, é hora da famosa autocrítica. Estamos habituados a perder. Estamos nos contentando com o simples fato de jogar de igual para igual.

Quem se interessa por um campeonato onde temos mais tempo de bola parada que bola em jogo? Quem se interessa em ir pro estádio ver jogador simulando contusão, saindo de maca e “milagrosamente” se levantando pra voltar ao gramado? Quem vai continuar se interessando por um campeonato onde dois ou três times detêm mais da metade das cotas de TV de todo o campeonato? Quantos outros 7 a 1 em casa ou Mazembes, Casablancas, Tigres e Al-Ahlys teremos que passar pra aprender?

Pronto… agora podemos voltar à nossa aldeia.