Espanholização (por Robertinho Silva)

O futebol brasileiro respira por aparelhos. Perdemos em competitividade e abrangência. Seguimos cada vez mais escavando o abismo, tendo em vista o projeto de hierarquização artificial que está em curso desde 2011, após a quebra do Clube dos 13.

De 1987 até 2011, o C13 foi o responsável pela distribuição dos recursos entre os clubes que disputavam a principal divisão do futebol brasileiro. Não era a divisão ideal, mas pelo menos tínhamos um caminho.

Até que a Record e a Rede TV surgiram em 2011 como principais interessadas na compra dos direitos de Transmissão do Campeonato Brasileiro, justamente no momento em que o CADE resolve cassar a liminar de renovação automática da Globo. É aí que começa um verdadeiro racha nos bastidores.

No livro do jornalista Rodrigo Capelo (“O Futebol como ele é”) o próprio Andrés Sanchez explica como rachou o Clube dos 13: “O Ricardo Teixeira me chamou e falou ‘Andrés, o Kléber Leite [ex-presidente do Flamengo] quer ser candidato ao Clube dos 13. Se ele ganhar, eu passo o futebol todo para o Clube dos 13. Vocês fazem liga, o que quiserem. Eu não vou dar para aqueles loucos, mas para o Kléber eu passo o futebol todo’. Eu comprei a ideia”, revela Andrés no livro.

Os loucos a quem Andrés Sanchez se referia eram Fábio Koff, presidente do Clube dos 13 e ex-presidente do Grêmio, e Juvenal Juvêncio, falecido em 2018 e ex presidente do São Paulo. “O Ricardo continuou com o futebol na CBF, como está até hoje. Eu tinha a promessa dele de deixar a gente fazer uma liga, ter uma independência maior no futebol”, reforça Andrés, dizendo que tudo isso não foi possível “porque o Kléber não ganhou”. E completa: Teixeira não queria dar tal autonomia para Koff e cia. porque achava que eles “não fariam o que tem que ser feito”, finaliza Andrés.

Dali em diante, o Clube dos 13 ruiu. As negociações de direitos de transmissão passaram a ser de forma individual, e não mais coletivas como foram no passado. A partir dali, começou a surgir a “Espanholização” do futebol nacional, onde dois clubes passaram a ser privilegiados em tudo, como exposição maciça de marcas na mídia, acesso a financiamentos, patrocínios com dinheiro público, cotas de transmissão superfaturadas, entre outros benefícios. Os demais clubes seriam apenas coadjuvantes.

O Campeonato Brasileiro não ganhou um veículo de transmissão. É um veículo de transmissão que possui o produto campeonato brasileiro. Os interesses comerciais e a politicagem venceram os méritos esportivos. A concentração óbvia e absurda de recursos, o favorecimento explícito a esse ou aquele clube, é de enojar qualquer membro diretor do Cartel de Cali. A predisposição em socorrer somente aos que interessam é gritante por parte da detentora do campeonato. Um misto de assessoria de luxo e comitê de crise nas horas vagas.

Uma concessionária de serviço público passou a mandar e desmandar no futebol, impondo a hierarquia que lhe convém entre os clubes. Pagando mais pra um e menos pra outros, conforme conveniência sob a escusa mentirosa e falaciosa de MAIS AUDIÊNCIA. Passou a escalar jogos quinta às 19h, quarta às 21h30 ao bel prazer. E sempre com uma tabela mais interessante pra A, no início do campeonato, do que para os B, C, D e Es que fazem parte do mesmo campeonato.

O futebol que em outrora era fascinante e emocionante, se tornou um torneio de obviedades e cartas marcadas, onde todos já sabem o final. Pontos corridos no Brasil, é apenas a regularidade dos mais ricos, que enriquecem com cota superfaturada da própria emissora que transmite o campeonato.

A Espanholização do Futebol foi minuciosamente planejada. Hoje, estamos apenas presenciando o ápice. Não se iludam, pois, ninguém na Rede Globo contava que o Palmeiras fosse aprontar uma grande retomada com Paulo Nobre e Crefisa, deixando um dos clubes alvos da emissora a ver navios. Ninguém esperava que o Cruzeiro fosse se atolar em dívidas para montar um elenco fortíssimo e tirar dois títulos da Copa do Brasil dos “queridinhos”.

Ninguém esperava que os “4Rs” (Rubens e Rafael Menim, Ricardo Guimarães e Renato Salvador) fossem oxigenar o caixa do Atlético Mineiro trazendo grandes reforços, equacionando dívidas e ganhando a Tríplice Coroa em 2021.

A tendência é que Corinthians, Flamengo e Palmeiras continuem por longo tempo disputando todos os títulos, mais o Galo e o São Paulo correndo por fora beliscando uma coisa aqui e outra acolá, que é para a coisa não ficar tão sem graça. Quanto ao Corinthians, não se preocupem. Logo, logo aparece um rio de dinheiro por lá, semelhante ao que aconteceu na Praia do Pinto em meados de 2012.

Hoje estamos vivendo uma nova fase do Futebol Brasileiro. Visando driblar o Projeto de Hierarquização artificial e minorar suas dívidas, alguns clubes resolveram sair do modo associativo, e entrar para o modelo das SAFs (Sociedade Anônima do Futebol). Tivemos o Botafogo, que vendeu 90% das ações para o americano John Textor; o Vasco, que vendeu 70% das ações para Josh Wander, dono da 777 Partners, e o Cruzeiro,p que vendeu 90% das ações para o ex-jogador e empresário Ronaldo Fenômeno.

Logo após esses movimentos no mercado, vi a maior sessão gratuita de hipocrisia da história. Os mesmos que colaboraram tanto para a “Espanholização”, que apoiaram a destruição do Clube dos 13, agora falam em “União, Equilíbrio, Fair Play Financeiro e formação de Liga”. Novamente, os clubes se dividiram. De um lado temos o Grupo Libra, que defende a manutenção do status quo. Onde o preceito é “Uma vez favorecidos, sempre favorecidos”.

A cultura do futebol brasileiro é a formação de oligopólios, é concentrar riquezas. Nunca foi no sentido de distribuir, visando um equilíbrio. Na Europa, tivemos uma tentativa de Liga, que graças a Deus não foi adiante. Um detalhe que diz muito; no Brasil, a panela já foi formada por 13 clubes. Agora, apenas seis. É sempre o “melhor para o seu umbigo” camuflado de “bom pra todo mundo”.

Do outro lado, temos o grupo Forte Futebol que visa uma divisão mais justa e igualitária, visando retomar o equilíbrio perdido. São dois lados antagônicos, onde um lado busca socializar a miséria, enquanto o outro busca dividir riqueza.

Os mais favorecidos dizem que “tem que continuar isso aí”, agindo pesado contra qualquer mudança. O monopólio é assim, parte do princípio que não é aberta a outros a participação no grupo daqueles que controlam o sistema e determinam as regras que o operam. O teto de cada um é pré-estabelecido pelos próprios organizadores deste sistema, e este não tem interesse em desenvolver o futebol brasileiro, mas sim um ou dois clubes como se eles representassem o todo. Até hoje, nada foi constituído para que os melhores e mais organizados obtenham êxito, e sim, que os ‘‘escolhidos” sejam favorecidos de inúmeras formas até que confirmem sua “força”. Típica meritocracia à moda brasileira.

“Equilíbrio e Campeonato justo” no sistema brasileiro a moda espanhola seria assim;

Flamengo – Real Madrid

Corinthians – Barcelona

Palmeiras – Atlético de Madrid (aquele time que de vez em quando atrapalha a hegemonia da dupla “querida”.)

O restante dos clubes; Sevilla, Villareal, Málaga, Numancia, Cádiz, Valladollid, Huesca, Rayo Vallecano, Espanhol etc.

Segundo alguns “jornalistas” e blogueiros da Globo, o “Campeonato atende a um mix de equilíbrio técnico e audiência”. Eu vos pergunto: um clube receber infinitamente mais de cota melhora o campeonato em quê? Quanto maior for o nível técnico de todos os competidores, mais lucrativo o campeonato é. Isso é o óbvio, ora bolas.

Durante mais de uma década de desequilíbrio financeiro, era muito comum ver jornalistas escrevendo inúmeras matérias sobre “austeridade no passado” e “planejamento financeiro”. Segundo eles, cota de transmissão superfaturada, patrocínios estatais em troca de lobby político é “Gestão Transparente”. Em contrapartida, empréstimo a juros baixos e patrocínio privado, segundo eles é “mecenato”.

Curioso que o poderio econômico destes clubes só passou a existir depois da quebra do Clube dos 13, onde passaram a receber cotas de TV absurdas e ordinárias e patrocínios em bases muito favoráveis a estes clubes. Tudo de forma artificial e proposital para gerar desequilíbrio. Eu vos pergunto; porquê não criaram o desequilíbrio internamente com receitas de marketing, bilheteria, sócios, camisas vendidas e etc?

Criaram “poderio financeiro” com dinheiro superfaturado da mesma emissora que monopoliza as transmissões da competição. É como se tivesse uma corrida de 500 metros, e por escolha da TV, um dos competidores quando disparasse o tiro da largada, já largasse a 10 metros da linha de chegada. Tem dúvidas de quem vai vencer essa corrida?

Não há nenhum critério lógico, científico, técnico, matemático, físico ou algo que o valha para toda essa distorção. É tudo baseado em números que não correspondem a realidade.

Ou mudamos isso urgentemente, ou mudaremos a alcunha de “País do Futebol” para “País da Emissora de TV”.

Tempos de OPG, CBF e… tabelas (da Redação)

Em plena efervescência em 18/08/1987, o futebol brasileiro ainda discutia seu campeonato que começaria em pouquíssimo tempo. Curiosamente, numa reunião com o Ministro da Educação… enquanto o Clube dos 13 batia no peito e divulgava a tabela da competição que iria fazer por conta própria.

O presidente da CBF era o eterno cartola Otávio Pinto Guimarães, tendo como seu vice o inenarrável Nabi Abi Chedid.

E ainda uma crônica sempre esperta do gênio João Saldanha sobre a importância dos clássicos no futebol do Brasil.

A Seleção nas Olimpíadas

ROMA, 1960

seleção brasileira 1960 olimpiadas

Elenco:

1 Roberto Branco • 2 Carlos Alberto • 3 China • 4 Chiquinho • 5 Dary • 6 Décio • 7 Edmar • 8 Gérson • 9 Gil • 10 Jonas • 11 Macarrão • 12 Alvaro Jurandis • 13 Maranhão • 14 Nonô • 15 Paulinho Ferreira • 16 Roberto Dias • 17 Rubens • 18 Valdir • 19 Wanderley • Treinador: Vicente Feola

MUNIQUE, 1972

SELEÇÃO BRASILEIRA OLIMPIADAS 1972

Alguns jogadores que fizeram parte do elenco da Seleção Brasileira que disputou os Jogos de 1972: Nielsen, Terezo, Abel Braga, Osmar, Celso, Bolívar, Falcão, Rubens Galaxe, Pedrinho, Washington, Zé Carlos, Manoel, Roberto Dinamite e Dirceu

LOS ANGELES, 1984

SELEÇÃO BRASILEIRA FUTEBOL OLIMPIADAS 1984

seleção brasileira 1984 olimpiadas ELENCO

O dia em que conheci minha primeira derrota (por Fagner Torres)

21 Jun 1986: Zico (right) of Brazil takes on Batiston of France during the World Cup quarter-final at the Jalisco Stadium in Guadalajara, Mexico. France won 4-3 on penalties. Mandatory Credit: David Cannon/Allsport

A última terça-feira era para ser um dia comum, não marcasse a data na qual, há 30 anos, este colunista foi apresentado à palavra derrota.

Apesar disso, guardo na memória o 21 de junho de 1986 com imenso carinho. Deve se considerar felizardo aquele que descobre as perdas da existência com o futebol, pois, convenhamos, não há forma mais leve de se conhecer o fracasso. A vida é dura e pode nos reservar formas de ausência piores que aquela que vem pelo descaminho da bola. Ela, a redonda, ao contrário da vida, gira ao ponto de quase sempre se colocar diante de nós em outras ocasiões, louca para ser chutada ou agarrada.

Foi bonito aquele 21 de junho. E são tantas lembranças, que como eu haveria de esquecer? Era um menino vestido quase a caráter, com a camisa amarela que tinha a Jules Rimet na frente e o número 10 às costas (daí o ‘quase’). Completava o uniforme, um shortinho azul, um par de meiões brancos e um surrado Ki-Chute amarrado na canela.

As ruas naquele 21 de junho pulsaram, repletas de enfeites. A família esteve reunida em torno da churrasqueira, atenta à voz que vinha da tela. Era do Osmar Santos.

Naquele dia tinha o Araken, o Show-Man. O tema, que eu adorava, era “Mexe coração”. Na hora do gol, a TV tocava um tal de “ginga pra lá, ginga pra cá!”, que naquele 21 de junho, me lembro de ter cantado junto.

Meu time tinha muitos craques. Mas apenas mais tarde é que eu vim a escolher um deles como herói, graças ao seu braço direito erguido e seu punho cerrado!

E como não podia deixar de ser, coube à minha mãe o afeto recebido após aquela primeira derrota.

Por fim, a última lembrança. Ainda chorando, avistei, na porta de meu apartamento, um inseto, que após o susto inicial, descobri se chamar Esperança, devido a sua cor verde.

Eram tempos incríveis! Lamento que nada daquilo exista mais.

Ou melhor, a Esperança ainda não morreu.

Imagem: David Canon/Allsport

O jornalista Fagner Torres responde pelo blog Laranjeiras ESPN FC, além de colaborar com o blog Panorama Tricolor e este PANORAMA DO FUTEBOL

La mano de Dios? (por Thiago Constantino)

la mano de dios

Uma síntese do Brasil na Copa América Centenário.

 

Acabou o jogo. De vez!

Devolvemos o 7 a 1 e só.

E o Peru, que não tem nada com isso, aproveitou.

Esperamos que La mano possa ter sido realmente de Dios, porque ele e só ele pode iluminar a cabeça das pessoas que comandam o nosso futebol.

Continuamos a sonhar em voltar a ser Alemanha, mas enquanto nada muda no futebol, no país e na sociedade…o Haiti continua a ser aqui.

A canção pode ser retórica. Você já leu ou ouviu algo parecido, não?

Mas enquanto nada se muda, a retórica é modernidade.

Imagem: el60abelen.blogspot.com

Legenda: Artesanato peruano – A mão de Deus como suporte para o nascimento do menino Jesus.

Sobre a cultura da desonestidade (por Mauro Jácome)

ecodebate

No último dia 25 de maio, a televisão mostrou a artimanha do técnico do Palmeiras, Cuca, para se comunicar com seu irmão – e assistente – à beira do campo. Cuca estava suspenso e não podia ficar no banco de reservas. Então, foi criado um sistema de comunicação entre o técnico, que estava numa cabine, e Cuquinha que comandava o time. Óbvio, sabiam que isso não era permitido. Óbvio, imaginaram que ninguém perceberia. Óbvio, tentaram tirar partido da situação. Depois de ser denunciado pelo STJD, soltou: “vai ver a gente ganhou o jogo por causa dessa m… que nem funciona”.

É lamentável essa mentalidade. O problema não é o ponto eletrônico ser o responsável pela vitória do Palmeiras. O resultado não está no centro da questão. O que está é o fazer o errado. Tivesse ganhado de dez ou perdido de vinte, o erro seria o mesmo. Qual a necessidade de tentar ludibriar todos os envolvidos no espetáculo? Engraçado que esse mesmo Cuca, recentemente, negou-se a continuar negociando com o Fluminense porque o clube mantinha contatos também com Levir Culpi.

A cada partida de futebol, temos inúmeros exemplos dessa mentalidade, quando os jogadores tentam enganar o árbitro ao se jogar, ao tocar a bola para fora e sinalizar que não o fez, ao fazer caras, bocas e gestos em infrações que todo mundo viu, inclusive o autor. O “roubado é mais gostoso” do goleiro Felipe foi mais um dos milhares de capítulos do livro que narra o perfil do caráter de significativa parcela do mundo do futebol. Eurico Miranda, Rubens Lopes, Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero, entre muitos outros, reforçam a ideia das atitudes tortas.

Recentemente, foi a vez de Dunga ter sua dignidade questionada por ninguém menos do que Zinedine Zidane. O técnico da Seleção justificou a não convocação do lateral esquerdo do Real Madrid, Marcelo, numa contusão. No entanto, de imediato, o francês rebateu a afirmação chamando Dunga de mentiroso. Aliás, birra é típico do ex-capitão do time campeão da Copa de 94. Movido por sentimentos revanchistas, afasta da amarelinha qualquer um que ouse comentar algo. Rever ações que prejudicam o futebol brasileiro não entra na pauta desse pessoal.

O interessante é que esses atores – jogadores, técnicos, dirigentes – quando se sentem prejudicados, reclamam por justiça, questionam o caráter alheio, alguns enchem os olhos de lágrimas. É a visão de que somente os outros têm que ser honestos. Os problemas estão sempre nos outros. Pior que tudo isso faz escola, basta ver jogos entre os “subs”.

Seguindo a louvável linha da campanha iniciada após o assustador caso de estupro contra a menina no Rio de Janeiro, devemos clamar também, e sem a hipocrisia reinante no futebol, “pelo fim da cultura da desonestidade!”.

@MauroJacome

Imagem: ecodebate

Dinheiro de placa: a ascensão da Traffic no Brasil (da Redação)

Em 20 de abril de 1984, a revista Placar publicava excelente matéria de Moacir Japiassu sobre a ascensão da empresa Traffic no mercado da publicidade esportiva, liderada pelos jovens Ciro José e J. Hawilla – este, no ramo desde 1973.

 

TRAFFIC 1

TRAFFIC 2

TRAFFIC 3

Imagem: Nico Esteves e outros

Para mais informações sobre Ciro José, http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/ciro-jose-1787

Sobre J. Hawilla, http://oglobo.globo.com/esportes/j-hawilla-dono-do-nosso-futebol-2998400

Tiranias do futebol (por Thiago Muniz)

O futebol brasileiro parece imitar as ditaduras: desmandos, censura e às vezes até assassinatos.

O fato de ter sido um dos braços de sustentação da ditadura militar no Brasil – ainda que involuntariamente – contribui para que o futebol continue nutrindo resquícios daquele período?

Um terço dos presidentes de federações de futebol no Brasil está no poder há mais de 20 anos.

A falta de alternância nas posições de comando do esporte interfere diretamente em medidas autoritárias, como a recente “lei da mordaça”, no Rio de Janeiro?

Nos chamados “anos de chumbo”, a tirania jogou duro com atletas e torcedores que se rebelavam pelo futebol. De lá para cá, pouca coisa mudou.

As mãos que tapavam a boca dos jogadores de Flamengo e Fluminense num clássico em 2015, enfileirados no centro do gramado do Maracanã, tinham um alvo em comum. Três meses antes do protesto, a Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj) havia decretado a “lei da mordaça”. A entidade emplacou um artigo no regulamento do Campeonato Carioca proibindo atletas, treinadores e dirigentes de criticarem publicamente a competição.

dhavid normando fla flu 2015

Sintonia fina com o “padrão Fifa”, que havia imposto norma semelhante durante a Copa das Confederações em 2013 e na Copa do Mundo de 2014. “Vivemos um retrocesso”, disse à época Rodrigo Collodel, presidente da Frente Nacional dos Torcedores, movimento que cobra a democratização do futebol. “No tempo da ditadura, os estádios abrigavam as reivindicações que as pessoas não podiam fazer nas ruas. Agora estão se tornando ambientes higienizados e controlados por dirigentes.”

Repórter do diário Lance!, Bruno Cassucci sentiu na pele a ferocidade que torcedores habituaram-se a experimentar. Ele foi agredido por policiais militares quando cobria uma briga entre torcedores nas imediações da Vila Belmiro, em Santos, no fim do ano passado. As fotos que ele havia registrado da confusão foram apagadas de seu celular por um oficial. “Um PM (…) pegou uma bomba de efeito moral, puxou minha calça e a colocou dentro”, relatou. Ameaçado pelos policiais durante a abordagem, Cassucci contou que preferiu não fazer o reconhecimento dos agressores por medo de represálias.

bruno cassucci

Segundo relatório da Federação Nacional dos Jornalistas, pelo menos seis casos de violência envolvendo profissionais de comunicação em 2014 foram associados ao futebol. Todos eles seguem impunes ou mal resolvidos. A três dias do penúltimo Natal, o radialista esportivo Iran Machado foi executado com dez tiros na porta de casa em Itabaiana, interior de Sergipe. Apesar da suspeita de que alguma denúncia de Machado no rádio pudesse ter ocasionado o assassinato, e da prisão de Jefferson Chaves, o Bodão, principal acusado dos disparos, a polícia ainda não conseguiu esclarecer a motivação do crime. No mês anterior, o cinegrafista Jeferson Kickhofel registrava imagens de uma discussão na saída do gramado até ser abordado pelo diretor de futebol do Londrina, Alex Brasil. O dirigente tentou pegar a câmera de Kickhofel, que, em seguida, foi acometido por socos e chutes de outros membros da equipe.

Mentor da lei da mordaça, Rubens Lopes completa uma década na presidência da Federação do Rio de Janeiro em 2016. Reeleito por aclamação no ano passado, ele tem mandato até 2018. Seu antecessor, Eduardo Viana, que morreu em 2006, comandou a Ferj por quase duas décadas. No futebol brasileiro, 11 dos 27 presidentes das federações estaduais, que ajudam a eleger o comando da CBF, ocupam o cargo há mais de 20 anos. Quatro deles dão as cartas desde a época em que o país era governado pelo regime militar. Empossado na CBF em cerimônia fechada para a imprensa na manhã desta quinta-feira, Marco Polo Del Nero dirigiu a Federação Paulista por 12 anos. Tome Nabi Abi Chedid, Heleno Nunes e outros.

“A ditadura não inventou a cultura autoritária do Brasil, mas aprofundou-a e a expandiu para além da política. No futebol nacional, há a ‘cultura do mandonismo’. Dirigentes comportam-se como se estivessem administrando um negócio que lhes pertence, como uma fazenda”, afirma Adriano Codato, doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Paraná. Líder do Bom Senso F.C., que articula a inclusão da limitação de mandatos de dirigentes entre as contrapartidas da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte em tramitação no Congresso, Paulo André defende que “a alternância de poder é a pedra fundamental para o desenvolvimento do nosso futebol”.

Cartolas e seus mandatos intermináveis à frente de clubes e federações. Desmandos e monopólio de poder da Confederação Brasileira de Futebol. Censura e repressão nos estádios.

Não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre esses dois fenômenos. Os traços autoritários e, mais do que isso, arbitrários e despóticos presentes no futebol, seja na prática de juízes, seja na de dirigentes e técnicos, têm mais a ver com a cultura autoritária do país. Essa cultura a ditadura não inventou, mas a intensificou e expandiu para além da política. No futebol nacional, há a cultura do mandonismo: segundo o raciocínio das torcidas e de parte da crônica esportiva, o capitão deve mandar no time, o técnico no capitão (e, por extensão, em todo o time), o diretor de futebol no técnico e o presidente no diretor. Não é propriamente uma cadeia racional de comando, mas uma estrutura hierárquica, parodiando a estrutura militar (daí as metáforas “capitão”, “comandante”, etc.), que só se justifica em função dos caprichos daquele que pode mais nessa relação perversa. Com isso, quem se engana é a torcida, porque lhe contaram que ela é o patrão máximo do clube.

Esse é um efeito da cultura autoritária e da sua representação política no futebol, o mandão local. Pode ser o chefe de uma facção de torcida organizada, o dirigente sabe-tudo, o presidente do clube ou da Federação. Os dirigentes comportam-se como se estivessem administrando um negócio que lhes pertence, como uma fazenda. Isso ajuda a explicar comportamentos como os do “coronel” Eurico Miranda, do “coronel” Mario Celso Petraglia, do “coronel” Marin.

Manifestações de pessoas vestidas com camisas da seleção e bandeiras do Brasil, que pedem a volta da ditadura, se encaixam nesse contexto? No Brasil, há um fenômeno sintomático e contraditório em curso. Ele pode ser visto nas passeatas que exigem a destituição da presidente eleita em 2014. A contradição mais óbvia é protestar contra a corrupção fantasiado com a camisa da seleção da CBF.

Existe também um fenômeno que não se via desde os anos 1970: a identificação da seleção brasileira, das suas cores, da sua simbologia, com o Brasil. Como se o país se reduzisse a isso ou se essa fosse sua melhor expressão. Esse orgulho nacionalista surge, paradoxalmente, num momento em que não há muito do que se orgulhar em termos futebolísticos. Essa é a segunda contradição.

Por fim, não deixam de ser sintomáticas as manifestações autoritárias contra as regras do jogo e, consequentemente contra a democracia, desde o amaldiçoamento de “comunistas” até a representação da CBF como o máximo de brasilidade possível. A entidade pouco se importa com algo que não tenha a ver com seu lucro, que está longe de semear benefícios diretos aos clubes de futebol no país.

Fonte: Revista Placar, Jornal Lance e Bom Senso FC.

Imagem: Dhavid Normando

Um vai, outro fica (por Mauro Jácome)

16-06-2006, DUITSLAND.  JOHAN CRUIJFF. FOTO BAS CZERWINSKI 16-06-2006, DUITSLAND. JOHAN CRUIJFF.
FOTO BAS CZERWINSKI[/caption]

Johan Cruyff e Rinus Michels, um dentro e outro fora de campo, formaram uma dupla que ajudou a revolucionar o futebol a partir dos anos 70. As ideias e a forma de jogar refletiram no que aconteceu a partir da união dos dois no Ajax, no Barcelona e, principalmente, na Laranja Mecânica da Copa de 1974.

Para muitos, a influência foi positiva, principalmente para os países vizinhos. Até então, percebia-se um forte investimento europeu no futebol-força para concorrer com a técnica latina, com destaque para os sul-americanos. O surgimento do futebol-total de Michels, que era a convergência das diversas características do futebol praticado na Europa, com a técnica de Cruyff, despertou o mundo para algo que parecia impossível: futebol com ciência e técnica, ou seja, preparo físico e tático com qualidade técnica. Hoje, podemos perceber equipes, seleções e jogadores que assimilaram e desfilam esses conceitos.

Disse anteriormente que muitos adquiriram essas influências e cresceram, no entanto, teve quem não compreendeu o que estava presenciando e fez da Copa de 1974 o divisor de águas. A derrota para a Holanda e, posteriormente, para a Polônia, que não tinha a qualidade da Holanda, mas jogava em alta velocidade, levou o Brasil a um entendimento equivocado. Sob a justificativa de que precisávamos de mais competitividade para não sermos engolidos novamente, era necessário desenvolver um jogador mais bem preparado fisicamente, mais educado taticamente e com mais preocupações defensivas. A partir daí, foi dada a largada para a nossa decadência técnica. Em nome de um “futebol consistente” descambamos para menos craques e mais volantes, menos dribles e mais bola aérea, menos toques e mais chutões, menos gols e mais faltas. E os novos paradigmas inundaram as categorias de base. Tudo ficou contaminado.

Ao contrário dos outros centros do futebol, a técnica passou a ser vista por aqui, digo, pelos treinadores, até como sinal de irresponsabilidade. Garrincha não ficaria cinco minutos numa peneira qualquer. Talvez, o auge desse declínio técnico, pelo menos para fins didáticos e midiáticos, tenha sido a Seleção de Lazaroni. Tanto é que, após a Copa de 90, decretou-se o estágio do nosso futebol de Era Dunga. O volante, que não era um craque, mas também não era nenhum cabeça-de-bagre, pagou o pato, afinal, na nossa sociedade maniqueísta, alguém tem que assumir a responsabilidade pelas tragédias.

Desde então, tivemos suspiros, por exemplo, a Seleção de Telê Santana. Os 7×1 representam bem o contraste que o Carrossel Holandês ajudou a criar: de um lado, um time com diversas características do legado que Michels e Cruyff deixaram e, do outro, o exemplo acabado do erro de interpretação desse mesmo legado.

Para onde vamos? Infelizmente, Dunga está mais preocupado em vencer suas quedas de braço com a lógica do que, efetivamente, iniciar uma nova era no futebol brasileiro.

@MauroJacome

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