O vergonhoso silêncio do mundo do futebol sobre o caso Daniel Alves (por Paulo-Roberto Andel)

Vi Casagrande começar a carreira. Bom jogador, artilheiro e um dos mais conscientes nomes do futebol brasileiro. Cria de Sócrates, não podia dar noutra coisa. Virou um dos melhores comentaristas de futebol do Brasil, justamente porque não se limita às quatro linhas. Tem profundidade. E tanto faz sua orientação política, poderia ser de direita mas não é.

Justamente por isso, o caso do “Bife de Ouro” deu repercussão. Ronaldo, um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos (e cartola contestado na Espanha), ficou irritado e achou absurdo que não pudesse encher sua pança com a carne dourada em paz. Afinal, o que são milhões e milhões de brasileiros em insegurança alimentar e miséria, não é mesmo? Ele só se esqueceu de uma coisa: o bom senso em respeito ao povo que o idolatra. Kaká disse que, no Brasil, não se respeita ídolos e que, se andasse na rua, o próprio Ronaldo não passaria de um… gordo. Com todo o desastre da analogia, parece que o problema é de antropologia, de ida ao campo: o próprio Kaká não deve andar na rua…

A seguir, o que não faltou foi gente colocando a boca no trombone. Por exemplo, o mesmo Kaká e Marcos, dois ex-jogadoraços mas que, na hora da opinião pública, são tremendos pernas de pau. Desastrosos. Eram bem melhores quando falavam o mínimo em entrevistas.

O deboche da panelinha pentacampeã mundial rendeu muitos memes e likes, que no fim das contas dão lucro, mas mostrou de certa forma quem é quem nesse tabuleiro do futebol.

A ausência de “tetracampeões” e “pentacampeões” mundiais ao velório de Pelé foi muito comentada, mas contou com a cara de paisagem da turma. Afinal, para que homenagear Pelé sem um cachet no estilo da FIFA, não é verdade? Hipocrisia pouca é bobagem.

Os “penta” morreram de rir quando Casagrande foi indicado numa enquete do UOL como o pior comentarista da TV. Enquete, feita com duas dezenas de jogadores, em sua maioria baba-ovos da, digamos, “patota” da FIFA. Enquete, que vale menos do ponto de vista científico do que o estudo de uma casca de banana podre. Riram e debocharam, mas é compreensível: todos são multimilionários, ganharam uma Copa do Mundo, têm poder mas não possuem nem o talento, nem a qualificação, nem o senso crítico de Casagrande – e isso é que lhes dói. Há pessoas que são tão pobres que só têm fortuna e mais nada. Carisma e intelecto não se compra com bifes de ouro, nem relógios no pulso que valem um apartamento…

Tudo isso bate nos últimos dias com um acontecimento lamentável, abominável e criminoso, praticado por um membro honorário da turma: Daniel Alves. Estas linhas não são escritas para cometer leviandade nem hipocrisia: dadas as informações e apurações, dificilmente o jogador escapará da sentença condenatória por motivos evidentes e publicamente conhecidos. Aliás, é quase impossível que escape, pelas provas já colhidas e noticiadas.

Os jogadores acima citados e outros da “rapaziada” como Cafu e Rivaldo, até agora não deram um pio diante da barbaridade de Daniel Alves. Uma única sílaba. Vários “penta” o conhecem ou são amigos pessoais, alguns jogaram com ou contra ele.

É um silêncio que, embora perturbador, não surpreende quem conhece futebol: há muito tempo, a maioria absoluta dos jogadores de sucesso no exterior não tem o menor compromisso com a Seleção, imaginem com o povo brasileiro.

Em certo momento, parecem crer que são seres intocáveis, iluminados, incontestáveis e que conseguiram suas fortunas exclusivamente pelo mérito individual – o que sabemos ser impossível no esporte de alto rendimento.

Talvez não seja apenas corporativismo: nenhum deles deu qualquer pio sobre o massacre dos Yanomamis, cujas imagens fazem qualquer pessoa ter vontade de chorar por remeterem aos campos de concentração nazistas. É alienação, mesmo. Ignorância. Estupidez. Querem ditar a idolatria ao povo brasileiro mas o ignoram solenemente.

A grande verdade é que a maioria dessa turma não está nem aí para nada. Acreditam até ser pentacampeões tendo vencido apenas uma vez. Vivem num mundo à parte, onde não cabem 99,99999% do povo brasileiro, que ama o futebol muito tempo antes da existência desses caras, que aliás não seriam titulares de nenhuma das seleções campeãs em 1958, 1962 e 1970. Esse é o principal motivo de não serem tratados como reis; é mais fácil jogar a culpa nos outros do que admitir a própria inferioridade em relação a jogadores de épocas anteriores. Poderiam pelo menos olhar o YouTube de vez em quando para lhes servir de injeção de simancol.

O silêncio sepulcral dessa turma diz muita coisa. Nada de positiva.

Para não esquecer: o artigo foi em cima dessa turma, mas se estende a todos os jogadores de futebol que passam pano ou fazem cara de paisagem diante de um crime de estupro.

Só lembrando: o futebol é maravilhoso e apaixonante. É o esporte mais visto e praticado no mundo. Infelizmente, isso não o isenta de péssimas pessoas que dele obtiveram ou obtêm fama e fortuna. Mas elas poderiam ao menos se lembrar de que tiveram ou têm mães, esposas e filhas, fato que por si só não permite a nenhum homem digno fazer silêncio diante de algo tão hediondo quanto um estupro.

@pauloandel

Atualizado às 14:32h, 26/01/2023

Era para ter sido tudo muito diferente com Jobson (da Redação)

jobson_botafogo

Num momento terrível como esse, sem fazer julgamentos antecipados, o drama de Jobson já era visível de longe. Muito longe.

O craque precisava mais do que talento com a a bola nos pés, desde jovem.

Os clubes, cada vez mais preocupados em produzir, lucrar, naming rights, “gestão”, “trabalho” e outras quinquilharias da gramática, na verdade são menos profissionais do que as manchetes e as coletivas de TV sugerem. Muito mais gado do que gente, muito mais números do que nomes.

Muitas vezes se fala que as divisões de base têm a missão de “moldar caráteres” ou “forjar homens”.

Quantas vezes estamos vendo o mesmo problema? Carreiras jogadas na lama, drogas, confusões, acidentes automobilísticos, mortes.

Longe de paternalismos ou passar a mão na cabeça de quem comete crimes.

Se foi o caso de Jobson, que a lei seja estritamente cumprida.

Mas não é de se pensar que, enquanto ainda sentimos a bordoada dos 7 a 1, num país onde a cada dia cada manchete é uma outra bordoada, continuamos jogando talentos e talentos fora pela total incapacidade de lapidá-los?

Até 1958, perdíamos para outras escolas de futebol. Desde 2002, perdemos para nós mesmos. E nossa indiferença. Afinal, o mercado é livre.

O caso de Jobson é marcante. Uma decomposição a céu aberto, que poderia ter sido evitada. Por ele mesmo e pelos que lucraram financeriamente com sua efêmera carreira.

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