Em 1971, o Rio de Janeiro não podia ser considerado exatamente um mar da tranquilidade por vários motivos, mas tudo se acalmaria quando chegasse o Carnaval. E num amigável dia de treino no Vasco da Gama, no garboso estádio de São Januário, surgiu uma das maiores instituições de samba e futebol do país, criada por um dos maiores personagens da cidade, hoje pouco falado.
Nasceu o Bloco das Piranhas, idealizado pelo zagueiro vascaíno Moisés, com uma pegada polêmica e, ao mesmo tempo, popular: a formação contava com jogadores do futebol carioca, todos devidamente vestidos de mulher e com toda a vaidade que o carisma feminino exige.
O bloco passou a desfilar em Madureira e, por conta da popularidade de seus integrantes, logo arrastou uma multidão pelo bairro. Moisés, embora nascido na cidade de Resende-RJ, era o arquétipo do carioca, com sua irreverência, bom humor, malandragem e cultura – quem já viu suas entrevistas sabe que praticava um português perfeito e elegante. Com seu carisma, o zagueiro logo trouxe uma turma da pesada do futebol, ligada ao Vasco: o volante Alcir Portela, o zagueirão Joel Santana e o artilheiro Dé O Aranha. Em pouquíssimo tempo os jogadores de todos os times começaram a aderir ao desfile, que só sofreu um desfalque forte uma única vez, em 1975, quando os jogadores do Fluminense passaram o sábado de Carnaval no Maracanã por um motivo nobre: a apoteótica estreia de Rivellino diante do Corinthians, numa goleada por 4 a 1. Outros personagens marcantes do bloco foram os saudosos Manguito e Perivaldo, respectivamente zagueiro do Flamengo e lateral direito de Botafogo, Bangu e Seleção Brasileira, e os ativíssimos Brito (campeão mundial em 1970), Vanderlei Luxemburgo e Zé Roberto Padilha.
Até o final dos anos 1990, o Bloco das Piranhas foi um sucesso absoluto, mas acabou não renovando o quadro de jogadores – muitos surgidos estavam mais ligados nos desfiles da Sapucaí – e então encerrou suas atividades. Mas durante duas décadas e meia ele foi um símbolo glorioso do Carnaval do Rio, onde jogadores acostumados a estrelar manchetes e jogar no Maracanã para mais de 100 mil pagantes, eram simplesmente divertidas e simpáticas transformistas que levavam a alegria do futebol para a maior festa popular do Brasil. A cada ano, o Bloco e seus personagens são rememorados, mostrando a força de sua representação.
Moisés, o responsável por toda aquela farra, foi um símbolo de carioquice e jogou em muitos dos principais clubes brasileiros, encerrando sua carreira no Bangu e, por isso mesmo, vivendo um Carnaval à parte sob a liderança de ninguém menos do que Castor de Andrade, um personagem que desafia definições. Apesar de sua fama de durão e de suas frases de efeito, como “Zagueiro que se preza não ganha o prêmio Belford Duarte”, foi bom jogador e depois teve tudo para ser um excelente treinador, mas recebeu menos chances do que deveria. Homem do futebol, do samba e da praia, Moisés ainda merece o devido reconhecimento como uma das personalidades mais marcantes de seu tempo.