Claro que não é só um jogo de futebol e uma decisão de campeonato. Há muito mais na disputa, muito além de passes, gols, títulos e matérias jornalísticas.
Para a multidão – muito mais gente do que qualquer um de nós imagina -, um jogo de futebol pode ser a única alegria de uma semana, a única chance de trabalho, a única esperança num leito hospitalar. A única esmola numa vida de sofrimentos.
Desde muito cedo o jogo se espalhou pelo país, virou paixão e encanta até hoje.
Em todo o mundo, há grandes jogos e rivalidades que superam décadas e até um século. O que difere o Fla x Flu de todos os outros grandes jogos do mundo é que, pela forma como o clássico surgiu, os dois times já eram rivais rilhando os dentes desde o primeiro minuto do primeiro jogo, vencido em vert, blanc, rouge pelo placar emblemático de 3 a 2 há cem anos. E, desde aquela vez, o confronto entre Fluminense e Flamengo se tornou o jogo que nunca termina.
Logo mais as emoções vão se espalhar pelo Rio e Brasil afora. Cada um puxa a brasa para seu lado. Cercado pelo silêncio, eu penso em coisas demais, não necessariamente as mais lembradas, mas sim as que quase ninguém se lembra ao certo. Jogadores, amigos, família, gente que disse adeus. Nomes esquecidos pelo tempo que escorre e nos atordoa.
O meu Fla x Flu também é jogado fora de campo. Ele está nas caixinhas de Mentos que os trabalhadores lutam para vender numa cidade vazia, enquanto ostentam as camisas de seus times, pouco importando se são simples, baratas e não originais. Tem Fla x Flu nos adesivos das velhas bancas de jornal que sobreviveram na cidade. Quem sabe um garoto chutando uma bola de borracha esgarçada perto de uma viela? O tricolor e o vermelho e preto disputam em muitos lugares.
O Fla x Flu está espalhado em portarias, bancas de camelôs, barracas de feira, cozinhas de botequim e pequenos artigos. Ele está em páginas de um exemplar de jornal amarrotado, tudo isso muito além da obviedade de narrativas táticas e disputas. Ele enche vagões de trem, muitos ônibus, kombis, vans, barcas. Não que não esteja também em bares modernos e luxuosos, mas sua vocação é o pé-sujo, a birosca, o logradouro popular.
Ainda me lembro dos botões Gulliver de cristal em cima do campo que eu mesmo fiz com cartolina verde. Eu tinha dez anos de idade, Doval e Rivellino indo embora, Deley subindo, Zezé driblando. Wendell e Renato, Cláudio Adão e Zico. Carlos Roberto e Toinzinho, Carpeggiani. O Raul já tinha idade. Quarenta e quatro anos depois, tudo parece vivo demais. Tempos depois, minha mãe lutou e me deu um Estrelão.
Vai, Flu!