Passado meio século que se completa hoje, chega a ser risível que a Seleção Brasileira tenha embarcado para a Copa do México sob absoluto descrédito. Ok, os jogos finais de preparação não foram bons, a confusão com a saída de João Saldanha era viva e, para piorar, os tempos no Brasil não tinham nada de tranquilo. Mas, ainda assim, vendo a quantidade de craques que o Brasil tinha à disposição na Copa, no mínimo era para se desconfiar da chance de sucesso.
A campanha maravilhosa de 1970, com seis vitórias em seis jogos, incluídos três campeões mundiais, não deixa dúvidas. E se o Brasil foi espetacular em 1958 e 1962, mesmo, em 1970 o auge do nosso futebol foi alcançado pela junção da excepcional condição técnica com a capacidade física: todos os seis adversários foram derrotados nos dois quesitos.
Nestes tempos de pandemia, as reprises dos jogos têm sido uma constante, o que ajuda a entender o fascínio dos mexicanos por aquele time, bem como de torcedores pelo mundo afora. E ajudam a desfazer falácias, por exemplo, a respeito de Félix, que cumpriu atuações espetaculares, e de Clodoaldo, com jogadas maravilhosas. O Brasil ganhou a Copa de ponta a ponta, sem um passo em falso sequer, e mesmo quando passou por momentos mais delicados como o primeiro gol do Uruguai nas semifinais, ou ainda o empate da Itália na final, a Seleção Brasileira jamais se abateu e manteve sua autoridade. A lição vinha de longe, doze anos antes, com Didi carregando a bola calmamente depois do gol da Suécia em 1958, para depois comandar o baile do nosso primeiro título mundial.
Cinquenta anos depois, as jogadas da Seleção no México continuam vivas demais na memória popular. Todas são reconhecidas pelos fãs de futebol, e muitas têm a assinatura de Pelé no auge de sua carreira. Deixando o goleiro tcheco Viktor desesperado com um quase gol do meio de campo, ou o uruguaio Mazurkievski a ver navios com o espetacular drible de corpo, Pelé foi tão monumental quanto nos passes para os gols de Jairzinho contra a Inglaterra e de Carlos Alberto Torres contra a Itália. Duas bombas poderosas criadas pela elegância do Rei do Futebol.
Louvar a campanha brasileira em 1970 é reconhecer que, no México, mostramos o melhor futebol de todos os tempos, com talento e resultados. Nunca mais superamos aquele momento, mesmo tendo conquistado mais Copas. Ninguém superou, aliás, mas o nosso encanto é também o sonho de, um dia, voltar a ver uma Seleção Brasileira tão poderosa e qualificada quanto aquela. Por longo tempo ainda tivemos muitos craques mas, por diversas razões, o estoque foi diminuindo, a essência do futebol brasileiro se perdeu e hoje, meio século depois, ainda nos encantamos com o futebol, mas ele não é nada perto do que já foi um dia. Não há como pensar num jogador brasileiro em 2020 que possa ser comparado aos campeões de 1970.
Eram tempos muito difíceis para o Brasil, mas o nosso futebol ajudou a aliviar as almas cansadas de milhões de brasileiros sofridos. Os campeões de 1970 ecoam em nossas mentes diariamente, seja pelos comentários de Gérson, pelas crônicas certeiras de Paulo Cezar Caju e Tostão – que outra seleção do mundo teve dois craques cronistas de alto nível? -, pelas aparições de Rivellino na TV. E, claro, por causa de Pelé. É dia de exaltá-los ainda mais, pelo que fizeram, pelo que representam e pela lucidez que nos resta. A Seleção de 1970 é nossa melhor referência e talvez só tenhamos paz no futebol quando, um dia, formos capazes de repeti-la ou, ao menos, de nos aproximarmos dela.
Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivellino. E Paulo Cezar. E Marco Antônio. E Roberto Miranda. E Joel Camargo, Leão, Baldocchi, Fontana, Zé Maria…
Há cinquenta anos, vivemos um sonho que não termina.
Foto: Orlando Abrunhosa.