Pesquisão UOL e o suprassumo da ignorância (por Paulo-Roberto Andel)

Segundo os dados mais recentes do CAGED, cerca de 80% dos atletas assalariados de futebol recebiam até R$ 1 mil mensais em 2012.

Apenas 0,12% recebiam entre R$ 200.000,01 e R$ 500 mil mensais.

Desses 0,12%, sob critério de anonimato e amostral desconhecido, 26 nobres jogadores do futebol brasileiro responderam ao “estudo” denominado Pesquisão UOL e determinaram seus paradigmas luminosos do esporte no país, indo do melhor ao pior comentarista ao narrador, o melhor ao pior programa esportivo e até mesmo o jogador mais bonito do país – o que não deixa de ser uma vitória num ambiente profundamente machista e hipócrita, onde a homossexualidade é invisibilizada de forma patética. Também foram pesquisados o melhor e o pior árbitro, o jogador mais legal e o mais chato, além de outras pérolas.

Neste momento há uma grande repercussão por conta das críticas da jornalista Milly Lacombe (do próprio UOL) ao Pesquisão, rechaçadas em vídeo pelo comentarista Pedrinho, envolvendo evidentes questões de machismo, e imediatamente rechaçadas por jogadores como Neymar e Thiago Silva.

Para os 26 iluminados, Casagrande (do UOL) é o pior comentarista de futebol, seguido por Ana Thaís Mattos, Roger Flores e Fábio Sormani. O melhor foi Pedrinho, seguido por Grafite e Ricardinho.

Caros, uma amostra de 26 entrevistados para tratar sobre qualquer tema nacional chega a ser um delírio tão grande quanto os que temos visto nas portas dos quartéis. Nenhum calouro da faculdade de Estatística apresentaria em público um trabalho com esse fator para tratar de coisas sérias, mas, vamos lá. Tratemos o Pesquisão como o que é: uma enquete sem nenhum valor científico, mas suficiente para causar celeumas e ridicularizar pessoas.

Alguns resultados são constrangedores: o melhor árbitro do campeonato também foi apontado como o pior…

O que são o melhor e o pior? Quais foram os critérios para tais determinações? Sentimento? Achismo? Corporativismo?

É difícil crer que tamanha barbaridade fosse publicada sem a noção devida das inconsistências. É possível que tenha sido feita exatamente para isso: causar, gerar engajamento, likes, grana. Em janeiro o esporte é parado. Precisa de notícias e movimentação.

Posto isto, é bom que se diga: Pedrinho é ótimo comentarista e Milly ressaltou isso em sua coluna. Sua crítica foi ao processo em si e não a um indivíduo. Foi o que bastou para ser apedrejada em público por jogadores famosos, todos eles ligados ao primitivismo bolsonarista e ela, uma ativista LGBTQIA+, verdadeiro terror para o que restou do fascismo brasileiro.

E aí temos outra pauta interessante, mas que fica para outra hora: jogadores nascidos na miséria que, por competência e também sorte (nem todos os talentos emplacam) se tornam multimilionários e, a partir daí, vivem em outro mundo, muitas vezes desprezando por completo seus semelhantes de outrora.

Casagrande, o “pior comentarista” para os 26 iluminados, é um crítico como todos deveriam ser. Não se limita ao protocolo de passes e gols, a falas econômicas e pausadas – e aí não é coincidência que para a amostra do Pesquisão, Ricardinho e Grafite sejam os melhores. No Brasil, todos os jogadores da série A são pessoas públicas em potencial e muitos inclusive ganham dinheiro com isso, então já que aceitam o jogo de exposição por dinheiro, que o aguentem na hora das críticas.

Críticas? Que horror! Os jogadores podem ser criticados? Isso é um absurdo!

É claro que Casagrande incomoda por tudo isso e também por ser um militante de esquerda. O bozismo relincha colericamente. Se Juninho Pernambucano tivesse continuado na Globo, seria tão incômodo quanto.

Numa outra dimensão, Roger também incomoda porque não poupa falhas e más performances individuais. Ana Thaís ainda tem um agravante para o universo da boleiragem: é mulher. O machismo não tolera isso.

Por fim, o desastre estatístico proposto pelo UOL poderia ter sido amenizado por uma pergunta sincera, honesta, que ajudaria a debater o ridículo armário onde a homossexualidade no futebol precisa ficar trancada.

Bastava acoplar uma pergunta em seguida a do jogador mais bonito: “Se ele te desse chance, você ficaria com ele?”.

Em tempo: Pedrinho, ótimo comentarista, tem sido muito falado também em função de sua ótima forma física. Quem sabe esse não possa ter sido mais um encanto para os iluminados 26 eleitores, por simples admiração, sem qualquer conotação homoerótica?

Enquanto isso, nenhum dos famosos jogadores enfurecidos contra Milly fez questão de estar no velório de Pelé. Isso diz muita coisa sobre o universo dos jogadores de futebol bem-sucedidos no Brasil contemporâneo, há 20 anos sem uma Copa.