Sobre torcida única no futebol do Rio de Janeiro (por Paulo-Roberto Andel)

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A decisão judicial em caráter liminar que impõe a torcida única nos clássicos disputados no Rio de Janeiro é, acima de tudo, um ato de eficácia mínima em relação ao problema dos confrontos criminosos vinculados ao nosso futebol.

O crescimento pelo interesse dos torcedores, que começa nos públicos de 20 mil pessoas nos anos 1910 e 1920, chegando aos mais de 100 mil entre as décadas de 1960 a 1990, foi semeado pelo grande apelo popular dos clubes cariocas e pela emoção dos jogos clássicos. São eles que, ainda hoje, alimentam de forma lúdica a paixão pelo futebol, sem desrespeito aos clubes de menor investimento.

A violência, crescente em toda a sociedade, passou a atingir o futebol corriqueiramente, ainda que seus promotores constituam cerca de 0,0000000001% dos torcedores, sendo alguns figurinhas carimbadas na seara policial. Um problema de segurança, de Estado e que sempre teve menos atenção do que deveria. Resultado: a contribuição para o afastamento gradual de torcedores dos campos de futebol, também motivados por outros fatores. Hoje em dia, um clássico no Rio mobiliza cinco ou seis vezes menos torcedores do que há duas décadas. Seria uma demonstração de crise e fracasso caso o problema interessasse de verdade aos meios de comunicação e, especialmente, à televisão, numa grande campanha de combate à violência, mas também com o resgate dos verdadeiros torcedores para as arquibancadas. Não é o que exatamente acontece.

Ao impor a torcida única, o poder público parece desconhecer completamente o modus operandi do minúsculo núcleo criminoso que habita o mundo futebol. Em inúmeros casos, os ataques do banditismo acontecem a muitos quilômetros dos estádios – e assim continuarão, pois a medida em nada os atinge. O único efeito prático é o afastamento ainda maior dos torcedores dos campos, cada vez mais utilizando bares e residências para acompanhar as partidas. A quem interessa um espetáculo sem público presente? Certamente não é aos clubes.

A violência é um problema de segurança e deveria ser tratada como tal, num todo. Esvaziar os clássicos em nome do combate a ela é como desestimular os consumidores a frequentarem um shopping center que teve uma loja assaltada, ou restringir o acesso geral a uma grande praia porque um turista sofreu uma violência. É tratar uma bursite com amputação. É ferir o princípio da razoabilidade, punindo 99,99999% dos torcedores, que possuem boa índole. É reconhecer o fracasso e a derrota do sistema de segurança pública.

Com ou sem torcida única, a violência continuará a prosperar caso a Polícia e a Justiça não façam o que parece óbvio: identificar, prender e punir os criminosos. Com torcida única, todos perdem, com exceção dos praticantes da violência. E o futebol do Rio fica cada vez mais parecido com seu símbolo maior, o Maracanã: abandonado, desperdiçado e pouco atraente.

A demagogia não tem força para solucionar este problema grave. É como enxugar gelo.

@pauloandel

Casa vazia, audiência cheia (por Paulo-Roberto Andel)

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No fim de semana passado, dois pontos me chamaram a atenção nas disputas regionais do futebol brasileiro, em seus dois principais centros.

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No clássico disputado no Rio de Janeiro, na cidade de Volta Redonda, o Botafogo venceu o Fluminense por 1 a 0, classificando-se para a final do Carioca 2016, diante de apenas 5.182 torcedores presentes, dos quais 3.562 foram pagantes.

Cerca de 31% do público foi beneficiado pelas leis de gratuidade – se elas não existissem, o resultado do comparecimento talvez fosse ainda mais catastrófico.

Trata-se do mais antigo clássico do futebol brasileiro.

Foram disponibilizados 14.933 ingressos para a decisão da vaga. Cerca de 35% dos ingressos foram utilizados, somando-se os pagos e as gratuidades. O Raulino de Oliveira teve sua capacidade ociosa em 65% ao receber o confronto.

Domingo, 19 horas, fora da capital, crise etc.

Em 2010, a população de Volta Redonda era estimada em 257.686 habitantes. Supondo que 10% dela tivesse interesse por futebol, um número muito modesto, algo como 26.000 pessoas.

É possível supor que o grosso do público presente à decisão no Clássico Vovô seja composto por torcedores cariocas que se deslocaram do Rio de Janeiro até Volta Redonda, em caravanas organizadas. Porque o público local está totalmente alheio à frequência no estádio. Basta ver os números e a frequência histórica no Raulino.

Em 2013, há três anos, na decisão da Taça Rio que também valia vaga para a final do campeonato, Fluminense e Botafogo levaram ao Estádio da Cidadania 12.485 torcedores pagantes e 15. 516 torcedores presentes.

Comparando-se a totalização dos presentes em 2016 contra 2013, queda de 67%.

Futebol virou minissérie de TV. E pouca gente atentou para a gravidade dessa situação.

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Em São Paulo, o Santos bateu o Palmeiras nos pênaltis e se classificou para a decisão do Paulistão 2016.

Em jogo de torcida única, com a chancela do Estado na declaração de incompetência para combater a violência, o Peixe atuou diante de 13.690 torcedores pagantes.

Mais do que o dobro do público presente à disputa de Fluminense e Botafogo, mas muito pouco para um clássico.

Entende-se que há uma limitação em função dos lugares disponíveis na Vila Belmiro, sem dúvida, além do direito natural do Santos como mandante da partida, tendo em vista a classificação no Paulistão.

Os dois casos fazem pensar.

Quatro dos times mais expressivos do futebol brasileiro jogando para plateias modestas nas arquibancadas, ainda que por motivos diferentes.

O futebol perde sua magia e passa a ser um mero produto de grade de TV. A novela que, se perdermos um capítulo, não muda muito.

Em Santos, um caso normal: o Peixe disputará a final contra o Audax na Vila Belmiro.

No Rio de Janeiro a final será disputada no Maracanã entre Vasco e Botafogo, com TV aberta. Com muita sorte, os dois jogos somados terão 100 mil torcedores presentes.

Há quem diga que o futebol mudou, o jeito de acompanhá-lo mudou e é claro que tudo isso deve ser avaliado. Mas o esporte precisa de coração, de sentimento, de chama, e isso não será pavimentado no futuro com relações distantes, sem presença ao lado da equipe.

Os chamados times grandes aos poucos perdem seu principal ativo: o torcedor presente. E as crianças cada vez mais vestem as camisas do Barcelona, do PSG, do Real Madrid e de outros times europeus porque veem estes times durante a semana, à tarde, em horários adequados aos torcedores mirins.

Alguém vai dizer que Vasco e Flamengo tiveram lotação máxima na outra semifinal do Carioca 2016, disputada no calor equatorial às quatro da tarde em Manaus. É uma outra discussão. Outra demais.

@pauloandel