“Tenho viva na lembrança a memória de estar no carro com Parreira, em 2016, a caminho de um encontro com Zagallo. Além do respeito e carinho, também buscava calma e ensinamentos. Escutei relatos que, desde o início de sua carreira como técnico, Zagallo falava sobre temas como a organização da equipe e o estudo profundo – e por longos períodos – de treinamentos e estratégias.
Recentemente, assisti mais uma vez a todos os jogos da Seleção de 70 – confesso que apenas partes da vitória contra a Romênia (3×2) – e pude observar, refletir, opinar mais uma vez… Ou como definiu a poeta Leda Martins, se “toda história é sempre sua invenção”, posso então contar minha história, minha verdade sobre a Seleção de 70.
Tinha nove anos de idade e tenho a vívida lembrança de jogar bolinha de gude enquanto a Seleção disputava a semifinal, contra o Uruguai. Ouvia tudo pelo rádio e, quando o chute de Clodoaldo encontra a rede, largo tudo e saio correndo, vibrando com o gol, talvez imaginando tê-lo feito.
A Seleção Brasileira de 1970 contava com atletas diferenciados e de altíssimo nível: Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino, Jair, Clodoaldo e outros mais. Qualidades técnicas e cognitivas. Costumo dizer que essa equipe está em uma prateleira à parte de todas as outras equipes.
É também verdade que após revisitar o tricampeonato no seu aniversário de 50 anos, reforço a qualidade de seu técnico a cada partida assistida. Zagallo é o responsável por adaptar a equipe aos melhores atletas, potencializando-os individualmente e coletivamente enquanto equipe. O “Velho Lobo” é moderno desde 1970, quando respondeu a uma pergunta dos tempos de hoje, um desafio contemporâneo para os técnicos.
Aquele time reunia, na fase ofensiva, criatividade e efetividade. Foram 19 gols marcados em seis jogos. Na fase defensiva havia solidez e organização. Afora os limites humanos, exceção claro a Pelé, conforme a necessidade e/ou a possibilidade, a equipe encantava, competia e vencia. A Seleção das Seleções, bem simples assim!
Lembro de Rivellino relatando como Zagallo o convenceu a jogar como ponta esquerda (externo esquerdo), com liberdade de movimentação quando com a bola (um flutuador), e sem bola preocupado com a recomposição defensiva posicional pela esquerda. Exemplo de liderança transformacional.
Estive também com Gérson antes da Copa do Mundo de 2018. Ele me contou histórias a respeito da equipe e aquilo foi fascinante. Posicionamentos, relações, inteligência do atleta nas percepções da posição e função exercida. Por exemplo, se lembram do gol que me referi no começo do texto? O gol de empate de Clodoaldo contra Uruguai, ao final do primeiro tempo na semifinal da Copa.
Orientação de Gérson, marcado individualmente, para Clodoaldo. Uma troca de função que liberava Clodoaldo para as ações de armação ofensiva enquanto ele, Gérson, permaneceria mais posicional. Percepção e inteligência! E, além de todas as qualidades já exaltadas, um planejamento com preparação física da equipe em alto nível, excelência.
Liderança, carisma e emoção. Marcas de um mestre chamado Zagallo. Desde o famoso bordão “vocês vão ter que me engolir” passando pelo aviãozinho na comemoração de um gol ao brilho no olhar, por vezes lágrimas, que até hoje se evidenciam quando se fala em Seleção Brasileira.
Títulos? Muitos. Se minha pesquisa estiver correta foram 15, sendo Tetracampeão Mundial. Todos menores que o respeito, consideração, virtudes humanas e qualificação profissional conquistados.
Inconfidência. Em uma das conversas que tive com Zagallo afirmei, sinceramente: “Vim aqui além da visita amiga, buscar conselhos e aprender”. Zagallo me olhou sorrindo, com um ar gracioso e devolveu: “Tu já tem experiência e conhecimentos suficientes”.
Zagallo foi mais uma vez de grande sabedoria, sensível para me encorajar e, ao mesmo tempo, sendo humilde no trato humano.
Zagallo sabe que Mestre não ensina, inspira!
Muito obrigado, Seleção de 70.
Muito obrigado, Mestre Zagallo.”